Por Cangaceiros
Cariri
"Quintino
Feitosa era natural da Paraíba, talvez pertencente algum dos velhos troncos que
se dispersaram pelo Nordeste, e terminou indo residir no Juazeiro do Norte/CE,
no início do século XX, quando a pequena urbe encontrava-se em violento estado
de ebulição, fervilhando de hordas cangaceiras. Oriundo do Teixeira, na
Paraíba, Quintino morou algum tempo na região do Pajeú de Flores, em
Pernambuco, e, depois, foi residir no Juazeiro, onde participou ativamente dos
combates contra as tropas de Franco Rabelo, na chamada Sedição do Juazeiro, em
1914.
A participação de Quintino na Guerra de Sedição do Juazeiro lhe conferiu grande
notoriedade, em particular, por ter comandado a trincheira das Malvas (perto
das residências de Floro Bartolomeu e do Padre Cícero), na qual repeliu
heroicamente o avanço de uma das tropas rabelistas, comandada por Lourenço
Ladislau, durante o segundo ataque feito ao Juazeiro. Na ocasião, Quintino
Feitosa, chefiando apenas 30 homens, defendeu sua trincheira, além de impedir a
detonação do canhão trazido pelas tropas inimigas.[56] Tal peça de artilharia
era fundamental para o ataque, porém, dois dias depois de chegar ao Juazeiro,
já havia sido apreendida e guardada no quintal do Padre Cícero.
Esta sua atuação deu-lhe grande reputação, conforme se depreende das palavras
do escritor Aldenor Benevides, arrematando que Quintino Feitosa era: “talvez o
homem mais valente que já pisou no solo juazeirense”.Mas esta fama veio
acompanhada de maus olhares, contaminados pela inveja de dois cruéis cangaceiros,
os irmãos Francisco (Senhorsinho) e José Pinheiro, conforme registrou Amália
Xavier:
Os dois irmãos, Senhorzinho e Zé Pinheiro, tornaram-se inimigos de Quintino
que, após a revolução, ficou conhecido e honrado com o título de um dos mais
valentes, se não o mais destemido combatente da época. Os 2 não aceitaram a
opinião pública pois julgavam-se com direito às maiores glórias. Começaram as
tricas e rixas, os insultos e as ameaças, até que chegaram às hostilidades.
Enxergando as virtudes de Quintino, Floro Bartolomeu resolveu nomeá-lo para o
cargo de delegado de Juazeiro do Norte, o que só atiçou mais ainda a sanha dos
opositores, em outras palavras, a sua nomeação foi “como que uma pedra atirada
em caixa de marimbondo”. Disseminava-se pelo Juazeiro a história de que
Quintino era um homem intrépido e capaz de, sozinho, enfrentar muitos outros,
pois desde jovem era, na sua terra natal, acostumado a enfrentar perigos, sendo
muito arrojado e impulsivo, possuindo uma “natureza ardente, mas, só em último
recurso, utilizava a sua tão propalada bravura”.
Certa feita, um dos homens do delegado Quintino, João Batista, matou Nezinho,
ligado à família dos Pedros. Depois do crime, o assassino buscou a casa de seu
conterrâneo, Quintino, o qual se fez solidário ao amigo, não o levando para o
xadrez, pois sabia que ao chegar à delegacia João Batista seria linchado.
Os opositores do homicida, insatisfeitos com a situação, dirigiram-se armados à
casa de Quintino, a fim de realizar a referida prisão. Um pouco antes de isso
acontecer, aproveitando-se do clamor dos bandidos, os irmãos Pinheiro já haviam
se dirigido até as Malvas, para a casa de Quintino, com o suposto propósito de
negociar a rendição de João Batista.
Conta-se que quando um desses irmãos alcançou às portas da casa de Quintino,
este se dirigiu a Francisco Pinheiro (Senhorzinho) dizendo que não queria
brigar, e o mandou ir embora, pois que “ele com aquela disposição, ali sozinho,
era porque, ou estava bêbado ou louco e que ele, Quintino, não queria brigar
nem com um e nem com outro; que fosse então chamar o irmão e os companheiros”.
De pronto, Senhorzinho respondeu esta bravata com os seguintes termos: “eu
nasci foi só”, vindo a disparar o primeiro tiro.
Defendeu-se Quintino com uma bala certeira que varou o peito do seu agressor,
e, impassível, continuou no mesmo lugar à espera do irmão do morto. Assim,
quando este chegou, Quintino confirmou-lhe ser o autor da morte de Senhorzinho
e ainda disse a José Pinheiro que era seu dever, como irmão, fazer vingança.
Tomando conhecimento do ocorrido, o Padre Cícero se dirigiu ao lugar da
contenda, chegando a tempo de evitar mais mortes, ordenando que todos voltassem
para suas casas, “ameaçando com o cajado os mais atrevidos que não obedeceram
prontamente”. No momento, Zé Pinheiro, louco de ódio, chorando
desesperadamente, já se encontrava na companhia de alguns homens para fazer
vingança, no entanto, tiveram que adiar os seus planos.
Como se não bastasse, outro evento veio piorar a situação. No dia nove de
novembro de 1914, Zé Pinheiro foi até o Banco Tesouro da Família para retirar
certo numerário. Em frente a este banco estava a Coletoria Estadual, onde se
encontravam três homens para fazer a segurança do estabelecimento, pois o
coletor, por ser cunhado de Quintino, temia alguma represália.
Dessa forma, Zé Pinheiro, ao sair do banco, quase recebeu um tiro disparado por
um desses defensores da Coletoria, que assim agira por conta própria, talvez,
em razão de uma provável inimizade. Não demorou, e no mesmo dia voltou Zé
Pinheiro com os seus cabras, atirando contra o prédio da Coletoria, que foi
invadido e depredado.
Depois disso, aproveitaram o ensejo e marcharam para as Malvas, lugar em que
residia Quintino. Este, no interior de sua casa, foi atacado por mais de cem
homens armados, recebendo disparos que vinham de três direções. Quintino
respondeu à ofensiva, sendo auxiliado por apenas 12 homens entrincheirados no
seio da sua residência.
Durante o combate, por duas vezes faltou munição para Quintino e seus homens,
momento em que um cabra seu, de nome Amaro, um rapazinho de 18 anos, oriundo do
Riacho do Navio (Zona do Pajeú), pulou uma das janelas e, em seguida, rolou no
chão enquanto atirava, habilidade que causava admiração até mesmo aos seus
inimigos. Então, voltou o rapaz para o interior da casa trazendo as balas.
A cabroeira de Quintino, a maioria da Região de Flores, no Pajeú, despendia
grande esforço por combaterem se movimentando constantemente pelo interior da
residência. A esposa de Quintino, sentada no chão, municiava as armas dos
homens, enquanto sua afilhada, Filomena (Filó), também atirava contra os
sitiantes.
Já com quase 24 horas de intenso tiroteio, um primo de Quintino, Pedro
Domingos, residente no Sítio Carás, chamou-lhe a atenção para o perigo que se
aproximava naqueles últimos instantes. Porém, Quintino estava decidido a morrer
brigando e, se fosse preciso, de punhal, por isso liberou aqueles que
desejassem fugir. Pouco tempo depois, Quintino tombou ferido, sendo arrastado
para a dispensa por Filó, a qual, munida de um rifle, postergou o embate “com
muito mais ardor e disposição como jamais pensava fazer”.Assim, agonizante,
Quintino ordenou que sua mulher e os demais fossem embora.
Quando Zé Pinheiro invadiu a casa, Quintino já estava morto, mas, mesmo assim,
o cruel cangaceiro ainda disparou sua arma contra o cadáver, que “era temido,
mesmo depois de morto”. Em seguida, o corpo de Quintino foi arrastado por uma
das pernas até a frente da casa, e apunhalado por Zé Pinheiro, a ponto de ficar
irreconhecível. Este, não satisfeito, decepou o lábio superior do defunto
usando uma faca de dois palmos de lâmina, jogando o pedaço extirpado dentro de
um bornal, junto com as balas.
O crânio de Quintino foi esmigalhado com as coronhas dos rifles, de forma que o
corpo só pode ser reconhecido através do dedo da mão direita, que era torto por
um “panarício”. Para completar, Zé Pinheiro, reproduzindo uma cena
antropofágica, bebia nos bares usando o pedaço do lábio de Quintino como tira
gosto, submerso num copo de cachaça.
O triste espetáculo, regado a sangue e carne, era seguido de gargalhadas
sinistras de Zé Pinheiro, que se aproveitou da ausência de Floro Bartolomeu e
do Padre Cícero para promover tão lamentável ação. Porém, meses depois, em
Alagoas, o truculento cangaceiro também foi assassinado, por gente do seu
próprio grupo, sofrendo o seu cadáver o mesmo vilipêndio que havia feito ao de
Quintino.
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