Por Ruy Lima
pesquisador do cangaço
http://blogdomendesemendes.blogspot.com.br/2018/05/episodios-da-vida-de-lampiao-um-simples.html
Para mim, essa
é a parte mais complicada e cheia de mistérios da vida de Virgulino. É assunto
para preencher mais de cinquenta páginas de um livro.
Por que Virgulino
tornou-se o cangaceiro Lampião?
Há várias e diferentes e até contraditórias
respostas sobre essa pergunta.
A rixa entre a família Ferreira, de Lampião e a
Família Alves de Barros, de José Saturnino, seu vizinho, parece ser a mais
plausível, embora José Saturnino jurou até a morte (5 de agosto de 1980) que
não foi isso que levou Virgulino ao cangaço.
Os pais de José Saturnino,
Saturnino Alves de Barros e Alexandria Gomes de Moura, eram muitos amigos dos
Ferreiras. Eles foram padrinhos de batismo de Antônio Ferreira, irmão mais
velho de Virgulino e testemunhas do casamento dos seus pais. Os filhos de ambas
as famílias foram criados brincando juntos, participavam das festas, das
caçadas, numa grande amizade.
José Saturnino, mais conhecido como Zé Saturnino,
nasceu em 15 de maio de 1894. Seu nome de batismo era José Alves da Fonseca
Barros.
É muito comum, principalmente no Interior, os filhos adotarem o nome do
pai ou até mesmo da mãe como sobrenome. O meu avó chamava-se Alexandre Alves de
Lima. Seus filhos homens foram batizados com o sobrenome de “Alexandre de
Lima”, como o meu pai, Severino Alexandre de Lima. No meu caso foi diferente,
ou seja, como atualmente ocorre: Ruy Araújo Lima, sendo Araújo da minha mãe e
Lima do meu pai. Assim, no estudo da minha humilde genealogia, busca-se o
sobrenome “Lima” ou “Alves de Lima”, do meu avô paterno. É certo que meu avô
não tem nada a ver com essa história. A citação do nome dele foi só um exemplo
de como os sertanejos registravam o nome dos filhos. Por outro lado, até que o
“pai Alexandre”, como a gente o chamava, tem um pouco de sua história ligada ao
cangaço.
Quando Lampião era o terror do sertão pernambucano, o meu avô, com
receio de que os seus seis filhos homens (incluindo o meu pai, nascido em 1917)
fossem Parte 2 O Começo de Tudo mortos pelos cangaceiros ou inseridos no bando
do “Rei do Cangaço”, deixou a sua terra sertaneja e foi morar com a família em
Belo Jardim, cidade do Agreste Pernambucano, distante 230 Km de Serra Talhada.
José Saturnino tinha então 20 anos de idade e Virgulino apenas 16, quando teve
início a refrega entre as famílias, no início do ano de 1914, quando José
Saturnino quebrou um acerto entre eles, na pega de uma novilha indomada. Depois
desse episódio, vários outros se sucederam que foram narrados no livro “Pegadas
de Um Sertanejo, Vida e Memórias de José Saturnino” de Antônio Neto e José
Alves Sobrinho.
Segundo os mais importantes pesquisadores e historiadores do
cangaço, o que teria provocado a entrada de Virgulino e seus irmãos na luta
armada, na ilegalidade e depois no cangaço, foram os roubos cometidos por um
morador da fazenda de José Saturnino, por volta de 1915. Nessa época o velho
Saturnino Alves de Barros estava vivo e mantinha ainda laços de amizade com a
família Ferreira. Ele faleceu em 1919, com aproximadamente 63 anos de idade.
Os
Ferreiras começaram a estranhar o sumiço constante de bodes e cabras de sua
propriedade.
O tio materno de Virgulino, Manoel Lopes, fora nomeado Inspetor de
quarteirão, cargo equivalente hoje ao comissário de polícia. Resolveu,
acompanhado de Virgulino e dois cabras, fazer uma diligência à cata dos
possíveis ladrões, apelidados de “onça de dois pés”.
Após constantes e infrutíferas
buscas pelas redondezas e atendendo a várias denúncias de outros também
prejudicados, adentrou pela fazenda de Saturnino Alves de Barros, dando um
cerco num grupo de casebres dos moradores de Zé Saturnino.
Na casa onde morava
Zé Caboclo, um dos braços direitos de Zé Saturnino, Virgulino notou que a
terra, sob um enorme pilão de braúna, na cozinha, estava revolvida de fresca.
Retirando as primeiras camadas de terra, encontrou grande quantidade de peles
de bode enterradas, verificando pelo sinal das orelhas tratar-se de animais
desaparecidos da sua fazenda e pertencentes a seu pai e a seu tio, o Manoel
Lopes.
“Manoel Lopes prendeu Zé Caboclo e o negro criminoso, chamado Tibúrcio,
indigitados responsáveis, conduzindo-os sob escolta para a Ingazeira., onde os
manteve detidos e amarrados no tronco por um ou dois dias, ao cabo que, a
pedido de José Ferreira, os mandou embora, advertindo-os de que, no caso de
fazerem por onde, de reincidência, tomaria medidas severas.” (Frederico Bezerra
Maciel, “Lampião seu tempo e seu reinado”)
José Saturnino ficou aborrecido com
a prisão dos seus “homens de confiança” e, os quais foram tirados de dentro da
sua propriedade, sem a sua autorização e, em represália, mandou cortar as
orelhas das cabras, as caudas dos porcos, quebrar as pernas das galinhas e dos
pintos dos Ferreiras. A partir daí, ocorreu uma sequência de emboscadas e
tiroteios entre as duas famílias. Num desses confrontos, Antônio Ferreira, foi
ferido por uma bala na altura do quadril. Nas entrevistas que dava aos
interessados na história do cangaço, Zé Saturnino disse que foi nas nádegas.
Antônio Ferreira foi “medicado” por Antônio Matilde, tio de Virgulino, por
parte do pai, o qual tinha muita experiência no tratamento de ferimentos à
bala.
“Sabedor de que Antônio Matilde tinha cuidado do ferimento de Antônio
Ferreira, Zé Saturnino denuncia o mesmo às autoridades de Vila Bela. As
autoridades designam alguns soldados que acompanham Zé Saturnino e seus homens
na busca para prenderem o tio de Virgulino.
A equipe formada por cabras de
Saturnino, o próprio e os soldados vão dá com Antônio Matildes na sede da sua
fazenda Matuta. Lá chegando prendem o dono daquelas terras. Zé Saturnino,
insatisfeito ainda desce a “lenha” em Antônio, monta em suas costas e o faz de montaria,
usando as esporas. Após ser levado para Vila Bela, dentro da cadeia Antônio
passa a levar uma surra por dia, durante uma semana. No final da semana de
suplícios ele é “liberado” e profere a frase famosa:
“Adeus Vila Bela! Até a
hora do juízo final”
Mesmo que os ferimentos na carne tivessem sarados, os
internos, a honra e as humilhações, jamais saram, e Antônio Matilde se refugia
nas terras da fazenda Cobra, nas Alagoas, sob a proteção do coronel Ulisses
Luna” (Sálvio Siqueira – Blog do Mendes)
Ruy Lima
21/04/18 Próxima postagem:
Parte 3 – A entrada de Lampião no bando de Sinhô Pereira
Enviado pelo autor Ruy Lima que é pesquisador do cangaço e outros temas.
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