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sábado, 19 de setembro de 2015

A EXPULSÃO DE LAMPIÃO - "CHUVA DE BALA NO PAÍS DE MOSSORÓ" - PARTE V

Por Juliana Holanda

A expulsão do bando de Lampião foi transformada no espetáculo teatral "Chuva de Bala no País de Mossoró". A atração faz parte da programação oficial do São João de Mossoró desde 2003 e conta com cerca de 80 atores. A produção é apresentada ao ar livre no adro da Igreja de São Vicente, cenário real da luta entre mossoroenses e cangaceiros.

Igreja de São Vicente de Paula em Mossoró - Rio Grande do Norte

Há 11 anos, o espetáculo é dirigido por João Marcelino e baseado no texto do poeta e dramaturgo mossoroense Tarcísio Gurgel. A peça é considerada uma das principais atrações juninas da cidade.

CONTINUA...
Fonte: Revista BZZZ
Reportagem Histórias - Resistência a Lampião

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Virgulino Ferreira da Silva - O cangaceiro Lampião

Por  (*) José Romero Araújo Cardoso


Virgulino Ferreira da Silva, vulgo Lampião, nasceu a sete de julho de 1897 no município de Villa Bella, hoje Serra Talhada, Estado de Pernambuco, e foi registrado no cartório da sua cidade natal a doze de agosto de 1900, conforme registro de nascimento reproduzido por Carvalho (1974). Era filho de José Ferreira dos Santos e Maria Sulema da Purificação, sendo defendido por diversos autores que pertencia à família Feitosa, dos Inhamuns, no Estado do Ceará. Com relação a esta possibilidade assim se expressa Macedo (1975, p. 25);
"Se é verdade que o capitão Virgulino vinha do tronco Feitosa dos Inhamuns, a violência do sangue, de fato, era-lhe muito antiga. Família velha como o sertão dos sesmeiros e povoadores, dividia, no sul do Ceará, nos Inhamuns, o poderio com os Montes, outro clã de sangue quente e muito derramado naquelas paragens."
A primeira referência a esta vinculação genealógica de Virgulino Ferreira da Silva com a valente família cearense encontramos em seu biógrafo pioneiro, o jornalista paraibano Érico Gomes de Almeida, quando escreveu a obra, intitulada “Lampeão, sua história”, escrita em1926 quando a fama do bandido atingia proporções exponenciais.

Quanto ao físico e indumentária, Leonardo Motta, célebre folclorista cearense, assim o descreveu;

"Amulatado, estatura meã; magro e semi-corcunda; barba e nuca ordinariamente raspados e sempre que é possível perfumados; na perna esquerda encravada uma bala, com que o alvejou o sargento “Quelé”, da polícia parahybana; o olho direito branco e cego, escondido pelos óculos pardacentos, de aros dourados; mãos compridas que se assemelham a garras; os dedos cheios de anéis de brilhantes falsos e verdadeiros; ao pescoço, vasto e vistoso de cor berrante, preso ao lado por valioso anel de doutor em direito; sobre o peito, medalhas do padre Cícero, escapulários e saquinhos de “rezas fortes”, chapéu de cangaceiro, tipicamente adornado de correias e metal branco; ensimesmado toda vez que defronta uma turma de curiosos; folgazão quando entre poucos estranhos ou no meio de comparsas; não se esquecendo de um guarda costa à direita sempre que desconhecidos o rodeiam; paletó de camisa de riscado, claro, calças de brim escuro; alpercatas reluzentes de ilhozes amarelos; a tira-colo, 2 pesados embornaes de balas e bugingangas, protegidos por uma coberta e chales finos; tórax guarnecido por 3 cartucheiras; ágil como um felino mas aparentando constante estropiamento e exaustão; às mãos um fuzil; à cintura duas pistolas “parabellum” e um punhal de 78 centímetros de lâmina." (In: Araújo, 1982, p. 76)

A vida antes e depois de entrar para o cangaço

Virgulino Ferreira da Silva levava vida normal como qualquer outro sertanejo antes de adentrar o cangaço, campeando o gado na caatinga, correndo em vaqueijadas, trabalhando em artesanato de couro e auxiliando o pai como almocreve. Esta última atividade certamente favoreceu-lhe bastante no conhecimento profundo das veredas do sertão. Gueiros (1953, p. 11) faz referências às façanhas de Lampião quando vaqueiro na adolescência, frisando que era respeitado e admirado nas ribeiras do riacho de São Domingos, que cortava a propriedade dos seus pais em Villa Bella.
Um pretenso roubo de chocalhos foi o responsável pelas primeiras escaramuças contra uma família antes amiga, ligada aos Ferreiras por fortes laços de compadrio. Os Saturninos da Pedreira, em alusão a propriedade Pedreira que situava-se vizinha às terras da família de Lampião, são apontados como pivô das refregas nos longínquos anos finais da década de 1910 do século passado, conforme Macedo (1975, p. 29-35).
Lampião estreou na senda do crime em seu estado natal, mas foi com a fixação de sua família em Alagoas, devido a acordo informal mantido com os rivais, que provocou a transferência de sua família para a não menos violenta localidade de Matinha de Água Branca (AL), onde ficou protegido pelo “coronel” Ulisses Luna. Foi em Alagoas que houve de fato a sua inserção no cangaço, bem como a de alguns irmãos seus à exceção de João Ferreira e Ezequiel, que depois se integraria também ao bando.
Ataques cruéis entre os anos iniciais da década de 1920 às localidades de Pariconhas, Espírito Santo e Poço Branco, todas no estado Alagoano, são apontados como as façanhas que renderam notoriedade regional aos irmãos Ferreira (Maciel, 1985, p. 15-29), embora a façanha que de fato lhe deu mais destaque tenha sido o saque à residência da Baronesa de Água Branca, residente em Água Branca (AL), Dona Joanna Vieira de Siqueira Torres (idem, p. 38-43).
Lampião serviu ainda como cangaceiro ao seu conterrâneo Sebastião Pereira e Silva, conhecido por Sinhô Pereira, que movia luta sem trégua contra os Carvalhos da mesma localidade de Villa Bella. Quando o comandante Sinhô Pereira deixou o sertão e fugiu para o estado de Goiás, foi a Lampião que o velho guerreiro do Pajeú entregou a chefia do bando (Macedo, 1975, p. 36-42).
Durante os vinte e dois anos que se entregou à vida bandoleira, Lampião não costumava penetrar no Piauí e na zona norte do estado do Ceará. No norte cearense nunca contou com o apoio do coronelato como na região sul, cuja estruturação de valhacoutos com certeza tenha garantido certo sucesso em suas empreitadas.
O número de companheiros em armas oscilava bastante. No início da carreira era reduzido, mas aumentou consideravelmente quando da sua ascensão a chefe do bando de Sinhô Pereira no ano de 1922, registrando-se provavelmente maior número de componentes quando do desfile de cento e cinco cangaceiros por ele chefiado a dois de setembro de 1926, na cidade de Cabrobó, estado de Pernambuco (Oliveira, 1985, p. 33). Em quatro de março do mesmo ano havia comparecido à cidade do Juazeiro do Norte (estado do Ceará), a convite do Dr. Floro Bartholomeu da Costa, amigo do Padre Cícero Romão Batista e líder político do sul do Ceará, para que fizesse parte dos Batalhões Patrióticos organizados pelo Presidente Arthur Bernardes que combatia o foco insurgente dos revoltosos comandados pelos oficiais do Exército Brasileiro, Miguel Costa e Luís Carlos Prestes,a conhecida Coluna Prestes. Nesta ocasião recebeu a falsa patente de “Capitão” das mãos do Padre Cícero. No ano de 1928, que marca a fuga dramática para os sertões baianos,em razão da repressão desmedida feita pelas polícias do Rio Grande do Norte, Ceará e Paraíba desencadeada por causa do frustrado ataque à cidade de Mossoró (estado do Rio Grande do Norte), ele se encontrava na companhia de apenas quatro bandoleiros.
Lampião buscava nos fenômenos e coisas da natureza a inspiração para os apelidos dos seus cangaceiros. Por isso registraram-se diversos bandidos com os nomes de jararaca, corisco, jandaia, jitirana, vereda, limoeiro, etc. Quando um cangaceiro morria seu apelido era herdado por outro cangaceiro que entrava no bando. Utilizava ainda a identificação dos seus subordinados a partir do local de origem, a exemplo dos celebérrimos José Baiano e Sabino das Abóboras. Abóboras era uma fazenda entre as cidades de Serra Talhada e Triunfo no estado de Pernambuco.
Mello (1985.p. 90-91), enfatiza que;

"Durante as duas décadas que compõem o seu período de correrias bem para além do que a ficção possa engendrar, chegou a exercer concreto domínio sobre áreas dos sertões de sete Estados do Nordeste, tendo o seu grupo em ocasiões de maior sucesso ido além dos cento e vinte componentes. Foram seus asseclas, num primeiro plano Antônio Ferreira da Silva, o Esperança; Livino Ferreira da Silva, que também se assinava Livino Ferreira dos Santos ou, ainda, Livino Ferreira de Souza, o vassoura, Ezequiel Ferreira da Silva ou Ezequiel Profeta dos Santos, o Ponto Fino; o seu cunhado Virgínio, o Moderno; e o seu diletíssimo amigo Luís Pedro Cordeiro, o Luís Pedro, todos mortos no cangaço. Em plano levemente inferior, vale citar os cabras Sabino Gomes de Góes, o Sabino; Antônio Rosa, o Antônio do Gelo; Cristino Gomes da Silva Cleto, o Corisco; José Leite de Santana, o jararaca; José Baiano, bandido que conduzia um ferro de gado com as suas iniciais, destinado a marcar mulheres nas faces, coxas ou nádegas, desde que usassem cabelos ou vestidos curtos; Ângelo Roque da Costa, o Labareda; Sátiro de tal, o Gato; Antônio Ribeiro, o José Sereno; Mariano Laurindo Granja, o Mariano, e mais os cabras Português e Moita Braba, todos tendo ascendido à chefia de seu subgrupo."

Principais cidades atacadas

Lampião protagonizou façanhas espetaculares, a exemplo da fuga desesperada em direção ao sul do estado do Ceará após o frustrado ataque de 13 de junho de 1927 à cidade de Mossoró, segunda maior núcleo urbano do estado do Rio Grande do Norte (Fernandes, 1999). Acossados por policiais de três estados (Rio Grande do Norte, Ceará e Paraíba), os cangaceiros conseguiram furar cercos intransponíveis.
No entanto, a mais ousada investida do grupo de Lampião não contou com a participação do chefe, quando a 27 de julho de 1924 seus irmãos comandando o bando, unidos ao de um cangaceiro paraibano de nome Francisco Pereira Dantas, conhecido por Chico Pereira do Jacu, da localidade de Nazarezinho, invadiram a cidade de Sousa (estado da Paraíba), conforme Nóbrega (1989, p. 71) e Mello (1985, p. 135). A ousadia dos bandidos resultou na perda do imprescindível valhacouto na região serrana que faz a divisa dos estados da Paraíba e Pernambuco. Houve empenho do mandonismo local e do governo paraibano na captura dos cangaceiros, embora revezes dignos de notas tenham acontecido às tropas destacadas para as missões, a exemplo do célebre combate de Serrote Preto no estado de Alagoas, quando a milícia da Paraíba foi quase que totalmente destroçada em tocaias fenomenais. O recrudescimento das perseguições a Lampião resultou na morte de Livino Ferreira, na localidade Tenório de Flores do Pajeú (estado de Pernambuco), embora a vindita do cangaceiro tenha sido marcada pela violência inaudita, atingindo populações indefesas de lugarejos perdidos nos confins da serra da Bernarda em Princesa (estado da Paraíba). O novo posicionamento da classe dominante desta região sertaneja do estado da Paraíba quanto ao tratamento aos bandidos personificou-se na instalação de um batalhão da Polícia Militar em Patos das Espinharas, no governo de João Suassuna (1924-1928), concentrando a atuação na fronteira com o estado de Pernambuco, epicentro do cangaceirismo por causa da proximidade com o vale do Pajeú, considerado o “celeiro dos bandidos”.

Principais coiteiros de Lampião e a repressão do governo

Como forma de tentar se desvencilhar da mácula de ter homiziado cangaceiros, o chefe político de Princesa (PB), “Coronel” José Pereira Lima, que no início da década de Trinta do século passado moveu uma luta encarniçada contra o governo do presidente paraibano João Pessoa Cavalcanti de Albuquerque, financiou uma resposta erudita aos comentários propalados por Lampião de que o político sertanejo havia-lhe usurpado certa quantia em dinheiro que o cangaceiro lhe havia confiado, transformando-o numa espécie de banqueiro informal sem juros. O referido “coronel” encomendou ao jornalista paraibano Érico Gomes de Almeida a confecção de uma obra que traçou o perfil do bandido de forma bastante negativa, intitulada “Lampeão, sua história”, constituindo-se na primeira biografia erudita de Virgulino Ferreira da Silva, que foi publicada em 1926.
Perseguido tenazmente pelas volantes paraibanas, Lampião não voltou mais à Paraíba, onde quem de fato o protegia era Marcolino Pereira Diniz, imortalizado por Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira no baião “Xanduzinha”, gravado em 1950, que enaltecia o “caboclo Marcolino”.
Seu apogeu começou a declinar após o mais impressionante feito de sua vida à margem da sociedade convencional, que foi a tentativa frustrada de saquear a cidade de Mossoró. Depois deste episódio seu eixo de atuação teve que ser radicalmente revertido.
Seus coiteiros mais importantes foram Antônio da Piçarra, de Brejo Santo (estado do Ceará), Ângelo da Jia, de Tacaratu (estado de Penambuco), “Coronel” Marçal Florentino Diniz e Laurindo Diniz, ambos de Princesa Isabel (estado da Paraíba), Marcolino Pereira Diniz, dos Patos de Irerê e também da região limítrofe da Paraíba com Penambuco. A repressão aos agentes patrocinadores do cangaço, principalmente após a tentativa de saque a Mossoró, é destacada por Mello (1985, p. 116), quando relata que;
Às voltas com o grave problemas das deserções que se seguiram ao revés em Mossoró, Lampião chega ao Pajeú, deparando-se com os primeiros e nada desprezíveis efeitos de um plano de governo concertado ainda no início do ano. É que com o advento do governo Estácio Coimbra, o novo chefe de polícia de Pernambuco, Eurico de Souza Leão, havia estabelecido novas diretrizes à repressào ao banditismo. O ponto central de sua firme orientação repousava no combate sem trégua aos coiteiros. Um a um iam descendo presos para a capital alguns dos principais aliados do cangaço. De Custódia, descem dois políticos influentes; de Tacaratu, o fazendeiro Arsênio Gomes; de Serra Talhada, o comerciante Ascendino Alves de Oliveira e o chefe político, “coronel” José Olavo de Andrada; de Rio Branco, descem mais alguns coiteiros, até que finalmente é preso o “coronel” Ângelo Lima, conhecido como Ângelo da Jia, à época o maior deles. A ação corajosa de Estácio Coimbra contra homens que, juntos, representavam milhares de votos, tira as muletas aos bandido. Sem o coiteiro o cangaceiro não é nada.
Lampião passou a agir no estado baiano no ano de 1928, inicialmente sob a proteção do “Coronel” Petronilo de Alcântara Reis. Durante um ano o “rei do cangaço” esteve longe das refregas e escaramuças, mas a traição do coiteiro que o recebeu na Bahia fê-lo voltar à ativa, com força redobrada e com uma perversidade inexplicável. O governo baiano passou a oferecer a quantia de cinqüenta contos de réis para quem, civil ou militar, o trouxesse às autoridades competentes de qualquer forma, vivo ou morto.
Contudo, apesar de todos os esforços olvidados, o estado da Bahia não estava preparado para enfrentar as artimanhas da guerra de guerrilhas de Lampião. Precisava-se que homens acostumados às suas estratégias fossem convocados para a luta contra o banditismo rural. Vieram, principalmente de Pernambuco, guerreiros das caatingas que conheciam todos os segredos da arte da guerra de Lampião, com destaque ao clã dos Nazarenos, famosos perseguidores do bandido e aquele que foi o matador de Corisco, “o diabo louro”, José Osório de Farias, o célebre José Rufino.

Maria Bonita, a mulher de Lampião

Mas não só de estripulias nas caatingas baianas, alagoanas e sergipanas viveu Lampião e o seu bando recomposto nesta fase que ele inaugurou quando transpôs o rio São Francisco. Virgulino Ferreira da Silva encontrou no município de Jeremoabo (estado da Bahia), numa propriedade conhecida por Malhada da Caiçara, a companheira que o seguiu até os últimos momentos. Chamava-se Maria Déa de Oliveira, a qual passou à história com o apelido de Maria Bonita, a “rainha do cangaço”. Corria o ano de 1930 e a cabocla sertaneja tinha menos de vinte anos de idade, sendo na ocasião casada com um sapateiro conhecido por José de Nenén. Maria Déa deixou o marido para acompanhar Lampião, causando a estranheza do comandante Sinhô Pereira quando da entrevista a Macedo em julho de 1975, cuja assertiva fomentou que nunca permitiu e nem permitiria a presença feminina no cangaço.
Mulheres se destacaram como bravas guerrilheiras, como a famosa Dadá, esposa de Corisco, ferida em combate no qual pereceu o valente cangaceiro que vingou Lampião.
Tiveram vários filhos, mas apenas uma sobreviveu, a qual recebeu o nome de Expedita. Nasceu em plena seca de 1932 no estado sergipano e foi entregue a coiteiros de confiança para que não se expusesse a agrura do cangaço. Foi criada por um vaqueiro de nome Severo Mamede que trabalhava na fazenda Exú, propriedade de um fazendeiro de nome Zequinha Andrade, que era compadre de Lampião. Havia acertado com Lampião para que o vaqueiro ficasse com a menina logo de pois do nascimento (Araújo, 1982, p. 17).

Documentário cinematográfico

Lampião se deixou filmar por um aventureiro de origem libanesa de nome Benjamin Abraão Botto. Secretário particular do Padre Cícero, Benjamin já havia tido contato com o cangaceiro quando este foi convocado por floro Bartolomeu da Costa para comparecer ao Juazeiro do Norte (CE) e receber uma falsa patente de Capitão do Exército Brasileiro. Com a morte do Padre Cícero Romão Batista em 1934, tentou convencer a empresa fotográfica ABA Filmes de Fortaleza (estado do Ceará) a incentivar sua aventura pelas caatingas baianas, encontrando o bando após inúmeros contatos com a malha protomafiosa de coiteiros que o assessorava nas investidas criminosas.
Realizado o filme e extensas sessões de fotografias com todo o grupo, Benjamin Abraão Botto não viveu o bastante para ver o resultado dos seus trabalhos cinematográfico e fotográfico. Foi assassinado de forma misteriosa no ano de 1937, enquanto Lampião e o bando, acossados com a repressão policial, teriam pouco tempo de atuação. 
De acordo com Mello (1985, p. 199);

A habilidade do cinegrafista verdadeiramente das arábias chegou a ponto de lhe permitir, num requinte mercadológico, a obtenção de uma declaração passada e, o que é ainda mais incrível, futura e exclusividade para o documentário elaborado, constando esta de uma carta de próprio punho do bandido, que Abraão faria publicar com grande alarde e em fac-símile na edição de 18 de fevereiro de 1937 do Diário de Pernambuco. (...) É fácil avaliar a irritação do presidente Getúlio Vargas e do seu Departamento de Imprensa e Propaganda. Começava a contagem regressiva para a destruição do cangaceiro-mor. Afinal, como seria possível modelar um Brasil novo com Lampião espiando do terreiro?
O documentário elaborado por Benjamin Abraão Botto se responsabilizou pelo esclarecimento de vários subterfúgios dos coiteiros que assessoravam o cangaceirismo no Nordeste brasileiro, descortinando para os sulistas como estava montado o poderoso esquema que garantia parte do sucesso que Lampião alcançava.

A morte de Lampião

No dia 28 de julho de 1938 o grupo descansava às margens do riacho Angico, um pequeno afluente do rio São Francisco do lado sergipano. Uma volante sob o comando do tenente João Bezerra, auxiliada pelo aspirante Francisco Ferreira de Mello e pelo sargento Aniceto, conseguiu finalmente alcançá-los na grota de angicos, município de Poço Redondo, travando-se um tiroteio no qual onze cangaceiros e um soldado foram mortos, colocando-se um ponto final na atribulada atuação de Virgulino Ferreira da Silva como o mais bem sucedido chefe de bando do Nordeste Brasileiro. Segundo Araújo (1982, p. 34) até hoje não se sabe ao certo o nome de todos que tombaram em Angico. Recorrendo a imprescindível colaboração de ex-cangaceiros, como Dadá, Cila, Zé Sereno, Criança, Pitombeira e Balão relacionou Quinta-feira, Maria Bonita, Luiz Pedro, Mergulhão, Elétrico, Enedina, Cajarana, Tempestade e Marcela.
Nas proximidades da área onde foi travado o último combate do “rei do cangaço”, no qual ele não conseguiu disparar um único tiro, estava a volante dos Nazarenos, que buscava a todo custo reivindicar a glória pela morte de Lampião. Consideraram o objetivo alcançado pelo oficial alagoano uma afronta, pois quem era para ter liquidado com o bandido deveria ter sido eles. Passaram quase duas décadas seguindo os seus passos. Suspeitava-se que João Bezerra realizava negócios escusos com Lampião, fornecendo-lhe armas e munição.
Procedida à rapina usual quando dos combates e mortes de cangaceiros, os corpos foram degolados e as cabeças levadas primeiro para a cidade de Piranhas (estado de Alagoas), palco de diversas tropelias de Lampião, inclusive de um ataque formidável quando a cangaceira Inacinha, esposa de um bandido apelidado Gato, havia sido capturada pela volante liderada pelo mesmo homem que comandou a chacina de Angicos.
As cabeças dos cangaceiros mortos foram levadas para o Instituto Médico Legal Nina Rodrigues, em Salvador (BA), onde foram estudadas pacientemente a fim de que revelassem sinais de degenerescências lombrosianas, tendo em vista que as teorias do médico-antropólogo italiano estavam em voga na época como forma de explicar a inserção de cidadãos comuns no mundo do crime.
Em maio de 1969, depois de mais de três décadas finalmente o que restou dos cangaceiros mortos em angicos foi enterrado no cemitério das Quintas, em Salvador, capital baiana, devendo-se a isso, em parte, à pressão do Dr. Sylvio Hermano de Bulhões, filho de Corisco e Dadá, que mobilizou a opinião pública para que pusessem fim a exposição bárbara dos restos mortais dos principais expoentes do ciclo épico do cangaço no século 20. (* contato com o autor: romero.cardoso@gmail.com)

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALMEIDA, Érico de. Lampeão, sua história. Parahyba/PB: Imprensa Official, 1926.
ARAÚJO, Antônio Amaury Correia de. Assim morreu Lampião. São Paulo/SP: Traço Editora Ltda., 1982.
CARVALHO, J. Rodrigues de. Serrote Preto: Lampião e seus sequazes. 2. ed. Rio de Janeiro/RJ: SEDEGRA S/A – Gráficos e Editores, 1974.
FERNANDES, Raul. A marcha de Lampião – assalto a Mossoró. 4. ed. Mossoró/RN: Fundação Vingt-un Rosado, 1999 (Coleção Mossoroense, Série “C”, Vol. 1074).
MACIEL, Frederico Bezerra. Lampião, seu tempo e seu reinado (II – A Guerra de Guerrilhas – Fase de vinditas). Petrópolis/RJ: Vozes, 1985.
MACEDO, Nertan. Lampião – Capitão Virgulino Ferreira. 5. ed. Rio de Janeiro/RJ: Editora Renes, 1975.
_________. Sinhô Pereira – O comandante de Lampião. São Cristóvão/RJ: Ed. Artenova S. A., 1975.
MELLO, Frederico Pernambucano de. Guerreiros do sol: O banditismo no nordeste do Brasil. Recife/PE: FUNDAJ / Ed. Massangana, 1985.
NÓBREGA, F. Pereira. Vingança, não – Depoimento sobre Chico Pereira e cangaceiros do Nordeste. 3. ed. João Pessoa/PB: Departamento de Produção Gráfica, 1989.
OLIVEIRA, Aglae Lima de. Adriana – A vida de uma professora no Estado de Pernambuco no tempo de Lampião. 2. ed. Recife/PE: FUNDARPE,1985.
(*) Prof. do departamento de geografia da Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte
http://www.ogirassol.com.br/materia.php?u=virgulino-ferreira-da-silva--o-cangaceiro-lampiao
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MARIA BONITA A RAINHA DO SERTÃO


TEXTO E ILUSTRAÇÕES: LEANDRO VALQUER

Maria Déa, uma sertaneja baiana que tornou-se uma das figuras mais emblemáticas da história da Bahia


Maria Déa, popularmente conhecida como Maria Bonita, foi uma sertaneja baiana, natural da cidade de Santa Brígida*, fruto legítimo da fazenda de Caiçara, que tornou-se uma das figuras mais emblemáticas da história da Bahia. Viveu a infância comum das meninices de sua época e de sua classe social na caatinga, entre os irmãos e a parentalha, divertindo-se no balanço dos arvoredos e nas brincadeiras de roda ou com bonecas de sabugo de milho vestidas de chita. Vez por outra, gastava a infância no labor modorrento das roças da família. Maria Déa casouse bem jovem com o primo, o sapateiro José Neném. Cultivaram no casamento vasto pé de briga, com esparsas separações em que Maria refugiava-se na casa dos pais. Num destes retiros de Maria, por volta de 1929, Lampião rondava pelas cercanias de Santa Brígida, quando, surpreso, deparou-se com Maria Déa, ficando encantado, enlouquecido com sua beleza. durante um ano, Lampião vagou apaixonado pelas redondezas da fazenda, visitando-a regularmente. Aí é que nasceu o personagem Maria Bonita, a bandoleira que Virgulino amaria até o fim da vida, a primeira cangaceira batizada pela mão de Lampião, num bando que era estritamente masculino.

A entrada de Maria Bonita no bando, com festiva e calorosa recepção de baile perfumado, estimulou o aparecimento de um numeroso e crescente séquito de mulheres guerreiras que mudaram o modo de vida no cangaço. Após a chegada de Maria Bonita, viriam Dadá, Lídia, Inacinha, Maria de Juriti, Verônica, entre outras. Os pequenos grupos relativamente autônomos, chefiados por diversos cangaceiros, ganharam características mais familiares. No chapéu de couro de Lampião, apareceu bordado com moedas de ouro a palavra amor. Maria Bonita foi a única pessoa que teve forte ascendência sobre Lampião, e é este signo de mulher firme e libertária que, de certa forma, modelou o comportamento das demais cangaceiras.


PEQUENA GÊNESE DO CANGAÇO

Nada, nem ninguém, impunha limite à criatividade efervescente daquele bando que perambulava incansável debaixo de sol e chuva, através dos sertões dos Estados nordestinos: ora como mendigos maltrapilhos das agrestes veredas sem futuro, ora como pomposa e perfumada corte cigana reluzente de ouro e pedras preciosas, porém, sempre portando a canga, seu penduricalho belicoso de armas e munições que deram nome à espécie cangaceira, isto é, os que carregam os apetrechos de guerra.


Foi por volta de 1877 (mas existem rastros do cangaço já em 1770, com atividades do bando de Cabeleira), durante a grande seca que culminou em grandes convulsões sociais, que se espalharam os primeiros rumores sobre esses bandos, que se opunham ferozmente à ação armada de mercenários que se agrupavam em milícias sob o mando e desmando de políticos, fazendeiros, coronéis, grileiros e latifundiários sedentos por fortuna. Lembrando que cangaceiros nunca tiveram teoria, projeto, nem visão política reformista ou revolucionária. Eram insubmissões, revoltas espontâneas, imediatas, movidas geralmente por desejos de vingança, como inicialmente ocorreu a um dos precursores desses bandos, Antônio Silvino, que buscava vingar o pai assassinado por uma dessas milícias. Entretanto, revolucionários ou não, o escritor Ruben Braga enfatizou o seguinte comentário no Diário de Pernambuco em 1935: “O cangaceiro é um homem que luta contra a propriedade, é uma força que faz tremer os grandes senhores feudais do sertão. Se alguns desses senhores se aliam aos cangaceiros, é apenas por medo, para poderem lutar contra outros senhores, para garantir sua própria situação.

Ora, para as massas pobres e miseráveis da população do nordeste, a ação dos cangaceiros não pode ser muito antipática. É até interessante.” Só lá pelos idos de 1920, é que vem à tona a figura lendária de Lampião, reformando e estabelecendo um código de honra muito peculiar no cangaço, com ritos de passagem e religiosidade próprios, fazendo do cangaço um estilo de vida e uma profissão, paramentando o cangaceiro com uma indumentária muito característica e ostentatória, e de uma soberania e autoestima que colocava o cangaceiro, chefe de grupo, num poder de negociação à altura de coronéis e autoridades locais, mesmo que na clandestinidade, e desprovidos do aparato jurídico. A imagem pública do cangaço nos meios de comunicação oficial ficava sob a vigilância e censura do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), órgão que controlava a informação na ditadura Vargas, mas a literatura de cordel também informava – de maneira mais livre – acerca do paradeiro de cangaçeiros e suas novas aventuras.

http://racabrasil.uol.com.br/cultura-gente/154/artigo214859-1.asp/

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A HISTÓRIA DE LAMPIÃO, O "REI DO CANGAÇO"


Virgulino Ferreira da Silva, mais conhecido como Lampião, nasceu em 7 de julho de 1897 na pequena fazenda dos seus pais em Vila Bela, atual município de Serra Talhada, no estado de Pernambuco. Era o terceiro filho de uma família de oito irmãos.

Lampião desde criança demonstrou-se excelente vaqueiro. Cuidava do gado bovino, trabalhava com artesanato de couro e conduzia tropas de burros para comercializar na região da caatinga, lugar muito quente, com poucas chuvas e vegetação rala e espinhosa, no alto sertão de Pernambuco (chama-se Sertão as regiões interiores e distantes do litoral, onde reinava a lei dos mais fortes, os ricos proprietários de terras, que detinham o poder econômico, político e policial). Em 1915, acusou um empregado do vizinho José Saturnino de roubar bodes de sua propriedade. Começou, então, uma rivalidade entre as duas famílias. Quatro anos depois, Virgulino e dois irmãos se tornaram bandidos. Matavam o gado do vizinho e assaltavam. Os irmãos Ferreira passaram a ser perseguidos pela polícia e fugiram da fazenda. A mãe de Virgulino morreu durante a fuga e, em seguida, num tiroteio, os policiais mataram seu pai. O jovem Virgulino jurou vingança.

Lampião formou o seu bando a princípio com dois irmãos, primos e amigos, cujos integrantes variavam entre 30 e 100 membros, e passou a atacar fazendas e pequenas cidades em cinco estados do Brasil, quase sempre a pé e às vezes montados a cavalo durante 20 anos, de 1918 a 1938.

Existem duas versões para o seu apelido. Dizem que, ao matar uma pessoa, o cano de seu rifle, em brasa, lembrava a luz de um lampião. Outros garantem que ele iluminou um ambiente com tiros para que um companheiro achasse um cigarro perdido no escuro.

Comparado a Robin Hood, Lampião roubava comerciantes e fazendeiros, sempre distribuindo parte do dinheiro com os mais pobres. No entanto, seus atos de crueldade lhe valeram a alcunha de "Rei do Cangaço". Para matar os inimigos, enfiava longos punhais entre a clavícula e o pescoço. Seu bando seqüestrava crianças, botava fogo nas fazendas, exterminava rebanhos de gado, estuprava coletivamente, torturava, marcava o rosto de mulheres com ferro quente. Antes de fuzilar um de seus próprios homens, obrigou-o a comer um quilo de sal. Assassinou um prisioneiro na frente da mulher, que implorava perdão. Lampião arrancou olhos, cortou orelhas e línguas, sem a menor piedade. Perseguido, viu três de seus irmãos morrerem em combate e foi ferido seis vezes.

Grande estrategista militar, Lampião sempre saía vencedor nas lutas com a polícia, pois atacava sempre de surpresa e fugia para esconderijos no meio da caatinga, onde acampavam por vários dias até o próximo ataque. Apesar de perseguido, Lampião e seu bando foram convocados para combater a Coluna Prestes, marcha de militares rebelados. O governo se juntou ao cangaceiro em 1926, lhe forneceu fardas e fuzis automáticos.

Em 1929, conheceu Maria Déa, a Maria Bonita, a linda mulher de um sapateiro chamado José Neném. Ela tinha 19 anos e se disse apaixonada pelo cangaceiro há muito tempo. Pediu para acompanhá-lo. Lampião concordou. Ela enrolou seu colchão e acenou um adeus para o incrédulo marido. Levou sete tiros e perdeu o olho direito.

O governo baiano ofereceu 50 contos de réis pela captura de Lampião em 1930. Era dinheiro suficiente para comprar seis carros de luxo.

Lampião morreu no dia 28 de julho de 1938, na Fazenda Angico, em Sergipe. Os trinta homens e cinco mulheres estavam começando a se levantar, quando foi vítima de uma emboscada de uma tropa de 48 policiais de Alagoas, comandada pelo tenente João Bezerra. O combate durou somente 10 minutos. Os policiais tinham a vantagem de quatro metralhadoras Hotkiss. Lampião, Maria Bonita e nove cangaceiros foram mortos e tiveram suas cabeças cortadas. Maria foi degolada viva. Os outros conseguiram escapar.

O cangaço terminou em 1940, com a morte de Corisco, o "Diabo Loiro", o último sobrevivente do grupo comandando por Lampião. 

http://www.eunapolis.ifba.edu.br/informatica/Sites_Historia_EI_31/cangaco/Site/imagens/lampiao.html

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As cangaceiras

Por Ana Paula Saraiva de Freitas

No rastro de Maria Bonita, dezenas de mulheres mudaram de vida ao integrar os famosos bandos do sertão.


Criminosas. Quando se fala da participação das mulheres no cangaço, geralmente elas são reduzidas a esta palavra. Uma imagem que perde de vista os medos, os desejos e as frustrações que rondaram as cangaceiras nas décadas de 1930 e 1940, e que ignora as razões que as levaram para essa vida. Enquanto algumas ingressaram nos bandos voluntariamente, outras foram coagidas e privadas do convívio com seus familiares.
 
Embora os motivos fossem variados, a maioria daquelas que aderiram ao cangaço carregava a ilusão de que viveria em festa e teria liberdade, sensação alimentada pela vida nômade e errante daqueles homens. A realidade revelou um cotidiano bem mais complicado: além dos embates violentos contra forças policiais, muitas vezes os cangaceiros ficavam mal alimentados, sem água nem lugar para repousar, caminhando quilômetros sob sol e chuva. 
 
A faixa etária das cangaceiras variava de 14 a 26 anos, e suas origens socioeconômicas eram diversas, incluindo mulheres de famílias abastadas. Elas viam no cangaço uma oportunidade para romper com os padrões sociais: naquele grupo poderiam conquistar outros espaços além da esfera privada do lar e tinham a oportunidade de escolher seus parceiros sem a interferência dos acordos familiares. 
 
Uma vez integradas aos bandos, as jovens tinham que se adaptar à nova vida, sem chance para arrependimento: tentar fugir implicava retaliações tanto por parte de cangaceiros quanto por parte das volantes, como eram chamados os grupos de policiais que perseguiam os “bandidos do sertão”. Nesse espaço permeado pela violência, eram submetidas aos desejos sexuais de seu raptor, sem contato com a família, sentenciadas à morte em caso de adultério e envolvidas nos confrontos com forças policiais. Capturadas pelas volantes, apanhavam, eram estupradas e sofriam diversas humilhações. 
 
No cangaço os papéis sociais eram bem definidos: ao homem cabia zelar pela segurança e o sustento dos bandos. À mulher, ser esposa e companheira. Durante a gestação, muitas ficavam escondidas. Depois do nascimento do bebê, eram obrigadas a retornar ao cangaço e entregar a criança a amigos. 
 
A convivência entre elas não era totalmente pacífica. Testemunhos dão conta de que uma queria ser melhor do que a outra. O status da cangaceira era medido pelos bens que possuía: joias, vestidos, animais. As qualidades bélicas também estabeleciam diferenças entre elas. Sérgia Ribeiro da Silva, conhecida como Dadá, tornou-se emblemática por sua coragem e desempenho com armas nos embates com as volantes. Chegou a assumir o comando do grupo no momento em que o líder Corisco se encontrava ferido. Mas o prestígio feminino acabava sempre associado ao lugar ocupado pelo companheiro na hierarquia dos grupos.
 
Maria Bonita (Maria Gomes de Oliveira), famosa companheira de Lampião, foi a primeira figura feminina a ingressar no cangaço, em meados de 1930. A partir daí, mais de 30 mulheres participaram da vida nos bandos. A Bahia foi o estado que forneceu maior número de moças ao banditismo do sertão nordestino, seguida por Sergipe, Alagoas e Pernambuco. 
 
As andanças dos cangaceiros repercutiam na imprensa, e a presença feminina era mencionada de forma genérica e depreciativa. Nos jornais O Estado de São Paulo e Correio de Manhã, aquelas mulheres eram chamadas de bandoleiras, megeras e amantes. Eram estereotipadas como masculinizadas, belicosas e criminosas, além de serem tratadas como objetos de satisfação sexual. 
 
A imagem apresentada pelos jornais, porém, difere daquelas que o fotógrafo sírio-libanês Benjamin Abrahão Boto produziu na década de 1930. Suas fotografias mostram como as cangaceiras pretendiam ser lembradas: realçam sua feminilidade, evidenciam cuidados com o corpo, a aparência e a postura, destacam a beleza dos trajes e o apreço por joias. Algumas se faziam retratar com jornais e revistas da época, sinalizando o desejo de serem identificadas como mulheres letradas. Essas preocupações ficam explícitas nas fotos em que algumas – como Maria Bonita – reproduziram a postura e o gestual das mulheres da elite rural e urbana, como se estivessem posando em estúdios consagrados. 
 
A maioria dos folhetos de cordel reforça esse aspecto da participação feminina no cangaço. Os versos destacam a preocupação das cangaceiras com a beleza, o amor e a cumplicidade dedicados às relações afetivas, além da coragem nos embates. Nesse tipo de literatura o perfil feminino é recriado a partir de uma perspectiva mítica, envolvendo um misto de heroína e de bandida.
 
As práticas e as representações das mulheres naquele universo da caatinga foram variadas, e elas não tinham um perfil único. Quando o cangaço chegou ao fim, cada uma teve de reconstruir sua vida conforme os parâmetros sociais vigentes. Do cotidiano duro e arriscado das andanças pelo sertão, as ex-cangaceiras largaram as armas e a fama de criminosas para encarar outros papéis: mães, donas de casa e, em alguns casos, trabalhadoras fora do âmbito doméstico. 
 
Ana Paula Saraiva de Freitas é historiadora e autora da dissertação “A presença feminina no cangaço: práticas e representações (1930-1940)”, (Unesp, 2005).
 
Saiba Mais
 
ARAÚJO, Antonio A. C. de. Lampião, as Mulheres e o Cangaço. São Paulo: Traço, 1985. 
BARROS, Luitgarde O. C. A derradeira gesta: Lampião e Nazarenos guerreando no Sertão. Rio de Janeiro: Faperj/Mauad, 2000.
QUEIROZ, Maria Isaura P. de. História do Cangaço. 2. ed. São Paulo: Global, 1986.
MELLO, Frederico P. de. Guerreiros do Sol. Violência e banditismo no Nordeste do Brasil. São Paulo: A Girafa Editora, 2004.

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O Poder Politico e Econômico de Lampião em Sergipe

Por Alcino Alves Costa
 Lampião e seu grupo no tempo que reinava em Sergipe

Lampião reinou durante quase 20 anos nos sertões de sete estados: Pernambuco, seu berço natal; Paraíba, Alagoas, Ceará, Rio Grande do Norte, Bahia e Sergipe. Os primeiros dez anos foram vividos nos estados do outro lado do rio São Francisco. A partir de 1928, naquele dia 21 de agosto, quando atravessou o grande rio sertanejo, para a Bahia, viveu mais dez anos de sua imensurável odisséia, até a sua morte na Grota de Angico, no dia 28 de julho de 1938.

As andanças de Lampião por Sergipe tiveram início em 1929, quando no dia 01 de março, o afamado bandoleiro e seu bando invadiram o então povoado de Carira. No mês seguinte (19 de abril de 1929) Virgulino Ferreira adentrou ao povoado Poço Redondo, se hospedou na casa de China e assistiu uma missa celebrada pelo padre Artur Passos.

 Fotografia de Lampião, na fazenda da família Carvalho

Foi em Sergipe que Lampião alcançou o maior apogeu de sua vida bandoleira. Foi o coronel dos coronéis; foi soberano, temido, respeitado por todas as autoridades; amigo dos homens mais influentes do Estado. Poderosos senhores, tais como os coronéis Hercílio Britto; Antônio Caixeiro, que era o pai de governador de Sergipe, Eronides de Carvalho; era amigo dos famosos fazendeiros da Serra Negra, Piduca e João Maria, ambos eram irmãos do temido tenente Liberato de Carvalho, famoso militar do exército brasileiro que caçava tenazmente os grupos bandoleiros e fez parte do histórico “Fogo da Maranduba”, em janeiro de 1932; e muitos outros homens de enorme importância e influência na terra sergipana.

O poder de Lampião era tão grande que ele teve a ousadia de dividir partes do Estado de Sergipe nos moldes das antigas sesmarias, colocando seus principais homens, como se fossem sesmeiros, à frente de vastas glebas de terras, por exemplo: na região que compreende os municípios de Frei Paulo, Carira, em Sergipe, e Paripiranga, na Bahia, o domínio de Zé Baiano; em Porto da Folha, Gararu e N. S. da Glória, o senhor daquelas terras era o cangaceiro Mariano, em Poço Redondo e Monte Alegre de Sergipe, o domínio era de Zé Sereno e em Canindé, o poder estava nas mãos de Juriti.

Enganam-se aqueles que imaginam ter Lampião destroçado a economia sertaneja. Muito pelo contrário. O “Rei dos Cangaceiros” e o banditismo foram fontes de renda. Como? A caça aos bandoleiros deu emprego a centenas de sertanejos que se engajavam nas volantes do governo, alguns como policiais e outros na condição de “contratados”, e assim, tinham ordenado garantido, algo muito difícil naquela época. Além do grande contingente de sertanejos que fizeram parte do bando de Lampião, o que não deixava de ser um meio salutar de “se ganhar à vida” – como diziam os que viviam nos cafundós do sertão.O perambular incessante dos perseguidores de Virgulino Ferreira custava caro aos cofres do governo. Quase que a totalidade das despesas acontecia nas fazendas e escondidos povoados das caatingas. E aqueles gastos injetados numa região de pobreza absoluta eram de uma serventia maravilhosa.   

 Grupo de Lampião na Fazenda Jaramataia

Como se vê, um domínio tão imenso como este não poderia de maneira alguma ficar no esquecimento, consequentemente o seu poder político se tornou grandioso, sua palavra e suas decisões eram leis que todos respeitavam e acima de tudo temiam.  E assim, o incrível épico deste extraordinário pernambucano foi parar nos livros da história do Brasil.
Como se verifica, apesar do rasto de destruição deixado pelo maioral do cangaço e sua sanguinolenta malta, naqueles tempos chamados de “os tempos de Lampião”, ocorreu um fluxo econômico que tinha na mão de obra dos “contratados” do governo, em sua totalidade jovens homens dos sertões que jamais haviam recebido um salário e, ainda, os custos com os deslocamentos das forças volantes que faziam com que o dinheiro chegasse naquele mundão de escassez de recursos pecuniários.  

E assim, mesmo sendo responsável por tanto sofrimento, o cangaço obrigou os poderes constituídos a injetar vultosas quantias pelos campos sertanejos – Poço Redondo foi dos mais beneficiados – criando, dessa maneira, uma fonte de renda que perdurou por longos anos nos mais distantes, abandonados e desconhecidos rincões nordestinos.

Alcino Alves Costa    

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