Por José
Tavares de Araújo Neto
Arlindo Rocha, (nascido em 23 de março de 1883 e falecido em 07 de outubro de
1956), na condição de delegado da cidade de Salgueiro, Pernambuco, tinha sob
sua guarda o indivíduo conhecido por Antonio Padre, suspeito de ter cometido um
crime na região. Inocentado, Antonio Padre roga um emprego ao delegado, que o
leva para trabalhar em uma de suas fazendas de nome Barrocas, onde reside com
sua família. Nessa relação próxima à família, nasce em Antonio Padre uma forte
paixão por uma das filhas de patrão, que chega a propor que a jovem fuja com
ele. Ao ter conhecimento da intenção do seu empregado, Arlindo o expulsa
imediatamente de sua propriedade.
Injuriado pela humilhação a que foi submetido, Antonio Padre declara guerra ao
seu ex-patrão, e vai em busca de proteção junto ao coiteiro Francisco Pereira
de Lucena, o temível e poderoso Chico Chicote, proprietário da fazenda
Guaribas, no município Brejo dos Santos (hoje Brejo Santo), localizado no
cariri cearense, na divisa com Pernambuco e Paraíba.
Antonio Padre,
vez por outra, enviava bilhetes extorsivos e recado ameaçadores dizendo que
além de roubar a filha, iria “partir a MELANCIA, aterrar as BARROCAS e derrubar
as CAEIRAS”, referências as três propriedades de Arlindo Rocha. Diante dessas
ameaças, Arlindo Rocha forma um grupo armado, com pessoas de sua extrema
confiança, constituído por parentes e agregados, pois sabia da alta
periculosidade do seu antigo empregado, agora um afamado bandoleiro do bando do
famigerado Lampião.
Em meados de
1924, Arlindo articula uma bem-sucedida emboscada contra o subgrupo de Antonio
Padre, ocorrendo uma forte troca de tiros, no episódio que ficou conhecido como
o “Fogo de Pilões”, que resultou nas mortes de Antonio Padre e Gavião. Em 26 de
novembro de 1926, já promovido tenente, Arlindo Rocha participa da sangrenta
Batalha de Serra Grande, considerada a mais importante vitória de Lampião sob
as forças volantes. Nesta batalha, que havia dito que os cangaceiros iriam
comer bala, foi acertado por disparo na boca que quase lhe destruiu a
mandíbula, que lhe trouxe problemas de mastigação e cicatriz pelo resto da
vida, sendo então chamado pelos cangaceiros pelo apelido pejorativo de “Queixo
de Ferro”. Em fevereiro de 1927, Arlindo comanda uma as das volantes no
histórico cerco a Fazenda de Chico Chicote, evento que ficou conhecido como o
“Fogo de Guaribas”, no qual é morto o temível fazendeiro e coiteiro cearense.
Em 13 de março
de 1928, três forças volantes, comandadas pelos tenentes Arlindo e Eurico Rocha
e o bravo sargento nazareno Manoel Neto, intensificam o cerco ao bando de
Lampião no cariri cearenses, precisamente no município de Macapá, atual Jati,
na fazenda Jati, do fazendeiro Antonio Teixeira Leite, o celebre coiteiro
Antonio da Piçarra. Já era tarde da noite, sob forte chuva, o céu entrecortado
por raios e trovões, que um dos soldados da volante de Arlindo Rocha deflagrou
um tiro certeiro no vulto de uma pessoa que atravessava um passadiço, pondo fim
a vida do célebre Sabino Gomes, o mais importante cangaceiro do bando de Lampião,
que, em entrevista em Juazeiro/CE, já o havia apontado como seu potencial
sucessor.
Após a
malfadada tentativa de Lampião de atacar a cidade de Mossoró, no oeste
potiguar, ocorrida em 13 de junho de 1927, os governos do Estados do Rio Grande
do Norte, Paraíba, Ceará e Pernambuco, uniram esforços no intento de eliminar
definitivamente o cangaço dos seus territórios. A bem-sucedida “Campanha de
1927”, comandada pelo oficial cearense major Moisés de Figueiredo, em solo
cearense, mas que também contava com contingentes policiais militares advindos
do Rio Grande do Norte e da Paraíba, promoveu baixas, forçou deserções e fugas
de cangaceiros rumo ao Estado Pernambuco. Em 21 de agosto de 1928, Lampião e
seu bando, reduzido a apenas seis componentes (Ele; Ezequiel, seu irmão;
Virgínio, seu cunhado; Luiz Pedro; Mariano e Mergulhão), em fuga, atravessam o
Rio São Francisco e vão se homiziar na Bahia.
Em 20 de
outubro de 1929, o Jornal Pequeno, de Recife/PE, veiculou uma entrevista
concedida pelo tenente Arlindo Rocha, que reveste-se de importante documento
para se entender melhor o mundo do cangaço.
Segue abaixo a
transcrição integral da entrevista:
O tenente
Arlindo Rocha, anteontem chamado ao Recife, é atualmente o comandante da forças
pernambucanas no sertão.
Vimo-lo ontem, à noite, na chefatura, conferenciando demoradamente com o dr.
Eurico de Sousa Leão. As indicações que se prestava, no mapa todo assinalado da
Repartição Central da Polícia, e o justo renome que usufrui aquele policial em
todo o sertão nordestino, levaram-nos a procurá-lo no intuito de conseguirmos
um testemunho seguro da situação do cangaceirismo, afora o prazer natural de
ouvir um homem que, anos a fio, dia e noite, tem batido cerrados e caatingas
numa luta de vida e morte contra os mais ferozes bandoleiros. O tenente Arlindo
Rocha é um homem moreno, alto e magro, muito tímido e que não fala nunca; tem
que ser provocado então. Na face esquerda ostenta uma cicatriz profunda: uma
bala de rifle em pleno rosto, às duas e meia da tarde, no dia 26 de novembro de
1926, no combate de Serra Grande.
Onde foi esse
combate? Perguntamos logo, com nossa curiosidade despertada!
_ Serra Grande fica perto de Custódia. Comandava as forças o bravo tenente
Hygino José Belarmino. Foi o início da campanha do atual governo estando no
poder o saudoso Júlio de Melo contra Lampião. Este tinha, ao tempo, sob seu
comando 125 homens. Estavam todos entrincheirados no alto da serra. A brigada
começou as 8 da manhã e terminou as 6 horas da tarde. Nós tínhamos duas
metralhadoras que Antonio Ferreira, irmão de Lampião, procurou cercar três
vezes e gritava: _ Hoje tomo uma costureira dessa.
E tomou?
_ Não. Parece que tomou foi uma bala, pois morreu três dias depois do tiroteio.
Os bandidos fugiram e desde então começou a debandada. O grupo fragmentou-se em
quadrilhas que operavam em zonas diferentes. Ferido, nesta luta, acrescentou o
tenente Arlindo, só escapei devido a meu irmão que me amparou. Os cangaceiros
me alvejaram a pouco passos de distância, no momento em que eu chamava por Manoel
Neto, ocupado em botar uma retaguarda.
Mas foi esse,
tenente, o seu primeiro encontro com Lampião?
O tenente Arlindo riu e respondeu, a voz pausada:
_ Não. Eu já tinha brigado há tempos. Desde em que era subdelegado em
Salgueiro, quando fui atacado e procurei tomar desforra. Mas isso no tempo em
que, no sertão, cada qual se defendia por si mesmo. Eu e meus parentes demos
uma brigada em Pilões. Brigada boa, aquela. Morreram de Lampião dois
cangaceiros dispostos: Gavião e Antonio Padre. De lá p´ra cá tem sido essa
marcha. Mas, de verdade, só melhorou a coisa com os drs. Estácio de Coimbra e
Eurico de Sousa Leão. Foram eles quem me ajudaram, fizeram minha carreira
militar; e é pór isso também que venho combatendo satisfeito sempre.
_ O sr. pode alto e bom som, disse o tenente Arlindo Rocha, que o sertão do
Pernambuco está livre de cangaceiros. Pode acrescentar mais: os crimes de
sangue e os assaltos a fortuna alheia se acabaram de vez.
E Lampião,
tenente?
_ Lampião é, agora apenas, uma lembrança dos outros tempos. Dos tempos em que
fora o rei do cangaço, dominando de Vila Bela a Salgueiro, do Ceará às margens
do São Francisco. Avalie que eu mesmo, de uma feita, ao sair de Vila Bela com
12 homens, fui atacado na estrada pelos cangaceiros. Eram 26. Foi uma emboscada
que me deu trabalho. Agora, no atual governo, jamais se viu Lampião procurar as
forças para lutar.
Sempre na
emboscada?
_ Nunca. É a fuga pela caatinga. O trabalho dos contingentes é todo para
alcançá-lo e dar-lhe combate. Agora devemos argumentar com deficiência de
comunicações, de aviso, de transporte e de víveres, etc. Entra-se pela caatinga
adentro cinco, dez dias, um mês inteiro sem descanso. A comida é fruta e garapa
de açúcar. E a cama é de pedra – um pedaço de jurema ou angico como travesseiro.
Mas onde anda
Lampião? Inventam tantas coisas, às vezes ...
_ Bem sei, dr. Mas há muita mentira. O sr. argumente pelo pelos fatos da
capital. Dá-se um conflito ali na esquina e na outra rua os mortos e feridos já
estão triplicados. Basta notar o seguinte: seis meses atrás, Lampião com seis
homens, pretendeu atravessar Pernambuco com direção ao Ceará. Não o pode fazer.
Perseguimos o reduzido grupo um mês em Alagoas com o concurso esforçado e leal
das forças daquele Estado. Encurralado, o bandido fez uma coisa que sempre se
arreceara: Atravessou o São Francisco, rumo à Bahia. As nossas fronteiras, de
acordo com o plano traçado pelo dr. Chefe de Polícia, se acham inteiramente
resguardadas de um impossível retorno dos bandoleiros. O próprio Lampião, por
onde passa, diz que em nosso Estado não poderia mais viver. Na Bahia mesmo, a
perseguição lhe foi terrível. Nossas forças como as daquele Estado, lhe moveram
uma guerra tenaz. Na última corrida que lhe demos fomos pelo alto sertão baiano
botá-lo a uma distância de mais de 100 léguas além de Juazeiro.
_ Quando Estive em Juazeiro da Bahia, contou-nos o tenente Arlindo, o prefeito
perguntou-me porque sendo eu um homem doente e Lampião já em completa fuga, não
mandava eu os meus homens em perseguição do bandoleiro e me arriscava aos
percalços da caatinga. Respondi-lhe: É um entusiasmo que tenho pelo meu
governo; quero ajudá-lo, assim de perto, cumprindo o meu dever. Lampião só tem
cinco cangaceiros, segundo corre pelos sertões baianos, o seu objetivo é
alcançar Goiás. E diz que não se entregou às nossas forças porque não tinha
certeza se o trataríamos bem.
Sabe quais os
cangaceiros que vão com ele?
_ Sei. Ezequiel Ferreira, seu irmão; Virgínio Fortunato, seu cunhado; Mariano;
Menino Oliveira e Luiz Pedro do Retiro.
E o famigerado
Sabino?
_ Afirmam que morreu em Piçarra, no Ceará, num combate com minhas forças. O
choque foi a meia noite. Debaixo de muita chuva e muita trovoada. Era um velho
inimigo meu, o terrível Sabino. Lembro-me que num tiroteio ele gritava pra mim:
“Arlindo das Barrocas, já te arranquei um queixo, quero levar o resto”.
Mas não levou,
tenente ...
_ Não. Nem se cumpriram as promessas de Lampião, que me mandava dizer nos seus
tempos folgados: _ ”Quando passar na tua casa só deixo o chão molhado.”
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