Material do acervo do pesquisador Antônio Corrêa Sobrinho
Três autores de obras sobre Lampião – Luiz Luna, Nertan Macedo e Estácio de Lima – contestam a tese de que Virgulino Ferreira morreu envenenado. Segundo os três, o líder do cangaço foi realmente morto a tiros, pela volante que o cercou de surpresa.
Ao contestar a tese do padre Frederico Bezerra Maciel, de que Lampião morrera envenenado, o professor e escritor pernambucano Luiz Luna – que esteve em Angicos três dias após a morte do líder dos cangaceiros e entrevistou os principais personagens do episódio e várias pessoas da região -, disse ao “O GLOBO” que o capitão Virgulino Ferreira foi morto realmente a tiros de fuzil e metralhadora, de madrugada, cercado pelas volantes do tenente João Bezerra e do sargento Aniceto.
O padre Maciel afirmara em Recife ao “O GLOBO” – em reportagem publicada na edição de ontem – que foi o veneno que o coiteiro Pedro de Cândido colocou no café e provavelmente na comida que matou Lampião; quando a volante do tenente João Bezerra entrou em ação o cangaceiro já estaria morto. Esta versão será detalhada em seu livro “Lampião, seu tempo e seu reinado”, a sair brevemente.
O escritor pernambucano Luiz Luna, 59 anos, autor do livro “Lampião e seus cabras”, e que mora no Rio há mais de 15 anos, diz que Lampião sempre preparava a sua própria comida por questão de segurança, e no momento em que ocorreu o ataque da polícia ele tomava café com Maria Bonita – “o que contraria por completo a tese do padre Frederico Bezerra Maciel”.
PESQUISA
Em julho de 1938, Luiz Luna, então repórter da “Folha da Manhã”, de Recife, foi a Angicos documentar “os últimos dias de Lampião”. Os dados que ele colheu durante uma semana indicaram que o combate entre as volantes policiais e o “bando de Lampião” não durara mais que 30 minutos e que o capitão Virgulino nem sequer participara da luta, atingido de surpresa pelos primeiros disparos.
- Quase que o plano da polícia fracassa devido ao atraso de algumas horas. Bezerra e Aniceto tinham um pacto de honra: quem encontrasse primeiro Lampião teria que avisar ao outro. Um vaqueiro, não me recordo o nome, foi quem traiu o cangaceiro, avisando ao sargento Aniceto o local onde o bando estava acampado. Aniceto imediatamente comunicou-se com Bezerra e a necessidade de reforçar a tropa, atrasou em algumas horas o cerco final.
Para Luiz Luna, essa é a única verdade acerca do fato, confirmada por muitos outros historiadores. Ele disse que a tese do padre Maciel já havia sido levantada por outros pesquisadores, mas sempre esbarrou em dados concretos nos pormenores do combate e inclusive no depoimento de alguns sobreviventes, como Sérgia Silvia Chagas, a Dadá, ex-mulher de Corisco, “um dos cabras mais valentes que o cangaço já conheceu”.
- Há autores que desconhecem a presença de Corisco na luta final de Angicos. Ele lutou ao lado de Lampião e conseguiu escapar, junto com Dadá e com o cabra Mané Pedro, morto mais tarde em uma outra batalha pelos sertões de Sergipe.
- Para esclarecer ainda mais o assunto, devo dizer que o capitão Virgulino Ferreira e boa parte do seu grupo não tomavam bebida alcoólica, condição que Lampião exigia para manter a ordem e a disciplina. A bebida predileta do cangaceiro era a “gasosa”, um refrigerante de limão e maçã, comum na Bahia e em Pernambuco. Toda a comida era muito bem cuidada e o bando se encarregava a de examinar tudo. Não há realmente nenhuma chance de morte por envenenamento.
MITO
Lampião, para o professor Luiz Luna, era um misto de herói e covarde, e, às vezes, até ingênuo. No começo, diz ele, a vontade de fazer justiça o tornou um combatente puro, simbolizando um protesto violento e desordenado conta as injustiças e misérias da vida do sertão. Depois, suas ligações com pessoas influentes e religiosas, como o padre Cícero Romão Batista, o levaram a transferir sua luta para outras fronteiras que nada tinham em comum com seus ideais de justiça.
Em seu livro, o professor Luiz Luna detalha a linguagem e o sentido do cangaço, as lutas e as revoltas do sertão. Lampião, ressalta, foi produto de tudo isso.
- O cangaceiro era cruel como as secas, às vezes generoso e violento como as invernias, e às vezes cheio de ternura.
Estácio de Lima
ESTÁCIO: A TESE DO VENENO É INGÊNUA
SALVADOR (O GLOBO) – O professor Estácio de Lima, autor do livro “O Mundo Estranho dos Cangaceiros”, o grande estudioso do cangaço, disse ontem que a tese defendida pelo padre Frederico Bezerra Maciel, de que Lampião morreu envenenado, “só pode ser classificada como ingênua, pois reflete o pensamento de quem não viveu e não sentiu de perto o problema e olha a distância a questão”.
- Não há dúvida de que tanto Lampião quanto sua mulher, Maria Bonita, e vários outros cangaceiros foram abatidos a tiros por forças policiais alagoanas comandadas pelo tenente Bezerra. Este fato já foi narrado não só por diversos companheiros de Lampião com por sua própria filha, não havendo, portanto, margem para dúvidas.
Estácio de Lima vem estudando o problema do cangaço desde o tempo em que Lampião era vivo, tendo conseguido, inclusive, um contato direto com o cangaceiro através do então vigário da cidade baiana de Jeremoabo, padre Magalhães.
Como professor de Medicina Legal, ele sempre lutou pela redução da pena e liberdade dos cangaceiros apreendidos pela polícia, “principalmente porque não os considerava criminosos irrecuperáveis, mas apenas produto do meio social em que viviam”.
- Quando o Marechal Dutra ocupava a Presidência da República, apelei para que ele concedesse liberdade a vários cangaceiros presos. Meu pedido foi atendido e, entre outros, foram postos em liberdade o Volta Seca (hoje funcionário da Leopoldina, no Rio), Labareda (que morreu há dois meses, como porteiro do Museu Penitenciário da Bahia) e Saracura, hoje um excelente funcionário do Instituto Médico Legal Nina Rodrigues.
O autor de “O Mundo Estranho dos Cangaceiros” dispõe de depoimentos de todos estes ex-cangaceiros sobre a morte de Lampião, além do que lhe foi contado por Dadá, mulher de Corisco, e a filha do rei com cangaço. Em seu livro, ele conta até detalhes do tiroteio que acabou com a morte do cangaceiro, ocorrida em fins de julho de 1938.
As cabeças de Lampião, Maria Bonita e todos os cangaceiros mortos no tiroteio foram doadas ao Museu de Antropologia Criminal Estácio de Lima, pelo governo do estado de Alagoas, sendo os corpos sepultados no local da morte. Depois de 40 anos, as cabeças foram também sepultadas, devido, segundo o professor Estácio de Lima, “ao falso sentimentalismos de pessoas cujos nomes não vale a pena mencionar”.
Nertan Macedo
NERTAN: AS LENDAS NÃO DATAM DE AGORA
BRASÍLIA (O GLOBO) – O escritor Nertan Macedo, autor do livro “Lampião, Capitão Virgulino Ferreira”, disse ontem a “O GLOBO” não acreditar na versão do padre Frederico Bezerra Maciel de que Lampião morreu envenenado.
Frederico B. Marciel
- Não acredito que o reverendo pernambucano possa desmentir uma volante inteira que, sob o comando do falecido tenente João Bezerra, atacou e matou Lampião, Maria Bonita e vários outros cangaceiros no grotão de Angicos, do lado de Sergipe, - afirmou.
Nertan Macedo, afirmando que tem o maior respeito pelas pesquisas do padre Maciel, “que há muitos anos se dedica à história do Nordeste e particularmente à do cangaceirismo”, disse que espera a publicação do livro do padre Maciel para analisar sua tese.
Segundo Nertan Macedo, “o lendário sobre a morte de Lampião não data de agora”. Além da tese do envenenamento, o escritor lembra algumas outras histórias correntes pelo Nordeste desde a morte de Lampião.
- Por exemplo, diziam que Lampião, muito rico, tinha ido morar em Paris, onde levava vida de nababo. Outras: que Lampião, segundo um velho conselho do padre Cícero, fingira-se de morto e fora morar em Goiás, como rico fazendeiro e sob outro nome e disfarçado.
Nertan Macedo acha que “dificilmente se poderia impingir à Nação uma farsa como a do envenenamento. Na época, autoridades e povo do Nordeste, além de diversos jornalistas estiveram no local do combate onde Lampião morreu, ao lado de Maria Bonita”.
O escritor cearense diz que a verdade é que o tenente João Bezerra, levemente ferido no início do combate, não teve durante o tiroteio uma noção exata do que ocorrera:
- A manhã estava enevoada e chuvosa e o comandante da volante só soube da morte de Lampião quando um de seus soldados chegou perto e ele informou, laconicamente: “Tenente, o cego também morreu”.
Fonte: facebook
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