Por Jornal Diário do Nordeste
Os cinco de frente foram fuzilados. Lua Branca, último Marcelino, estava sentado, ferido. Atrás deles, os soldados e, em pé, Sargento José Antonio da Acauã
Só na década de 1960 a história do assassinato dos cangaceiros foi resgatada
pelo médico Napoleão Tavares
O local onde os cangaceiros foram enterrados está abandonado ( Fotos: Antonio
Rodrigues)
por Antonio Rodrigues - Colaborador
O secretário
de Cultura de Barbalha, Rômulo Sampaio, visitou o local, que pretende
desapropriar para construir uma pequena praça, com a restauração das covas. Mas
ainda não tem nada de concreto, pois depende de uma verba que ainda não existe.
Barbalha. "O audacioso grupo de bandoleiros chefiados pelos irmãos
Marcelinos continua a praticar os mais audaciosos crimes no Cariry, de onde,
todos os dias, chegam notícias de suas façanhas", anunciava o jornal
sobralense "A Ordem", do dia 7 de setembro de 1927. Quatro meses
depois, outro veículo cearense, de Fortaleza, "O Ceará", noticiava a
morte do grupo de cangaceiros, em Barbalha. Neste sábado (6), o fuzilamento do
bando pela Polícia completa 90 anos.
No dia 3 de
janeiro de 1928, o mais velho dos irmãos Marcelinos, o João 22, entra morto na
cidade de Barbalha, pendurado num pau, com seu cabelo arrastando no chão. Como
heróis, os policiais acompanham o corpo, que depois seria enterrado como
indigente numa cova qualquer. Algo raro para um cangaceiro, que normalmente
tinha sua cabeça decepada e o corpo deixado aos urubus.
Três dias
depois, ferido do combate, Raimundo Marcelino, o Lua Branca, caçula do bando, é
capturado junto com mais quatro homens e levado à delegacia pública de
Barbalha. No dia 6 de janeiro, os cinco rapazes seriam transferidos de trem
para Fortaleza, para serem ouvidos e julgados pelos seus crimes. Mas o trajeto
foi interrompido no Sítio Alto do Leitão, em Barbalha, onde foram obrigados a
cavarem suas próprias covas, antes de serem assassinados pela Polícia.
Bandido
fardado
O fuzilamento
foi ordenado pelo Sargento Zé Antônio da Acauã, de Juazeiro do Norte. Morreram
Pedro Miranda, Joaquim Gomes, João Gomes, Manoel Toalha e Lua Branca. "Ele
era um bandido fardado, violento, que não respeitava limites da lei. Na época,
o bando estava esfacelado. Muitos nem viviam no cangaço, eram amigos, meninos
de recado", conta o médico Leandro Cardoso, pesquisador da Sociedade
Brasileira de Estudos do Cangaço.
Manoel Toalha,
por exemplo, foi morto inocentemente. Na verdade, ele era garçom e, por
ventura, estava com o grupo quando foi capturado. Ele foi um dos que tentou
fugir, quando percebeu que seria assassinado e chegou a correr por 50m, antes
de ser alvejado. Foram enterrados em cova rasa e esquecidos.
"O erro
está quando o policial, Sargento José Antônio, se arbitra senhor do bem e do
mal e faz justiça com as próprias mãos. Nesse episódio, ele se torna até pior
do que os cangaceiros. Ele, como militar, deveria preservar a integridade
física e levá-los para pegar o trem para Fortaleza", completa Leandro.
Só na década
de 1960 a história do assassinato dos cangaceiros foi resgatada pelo médico
Napoleão Tavares, que descobriu os túmulos enquanto ia, a cavalo, estudar no
Crato. "Quando me formei em Medicina, em Recife, retornei e fui bater lá.
Encontrei as cruzes dentro do mato, sem referência nenhuma", lembra
Napoleão.
Por iniciativa
sua e do advogado Josafá Magalhães, a área onde estão enterrados os cangaceiros
foi restaurada e foi feita uma celebração. "Botamos um cercado de arame
farpado, restaurei o lugar central, onde tinha a cruz e os túmulos. Fizemos uma
missa no cair da tarde, com os grupos de folclore saindo da mata. Eram
penitentes, rezadeiras, beatos, saindo de cada vereda", acrescenta o
médico.
Os dois também
compraram madeira e cobriram os túmulos com telha, mas, seis meses depois, tudo
foi roubado. Hoje, as covas estão cercadas por arame farpado, cobertas por mato
e uma das cruzes caída no chão. As mais antigas, sumiram. Uma estrada fica a
poucos metros e as sepulturas podem ser vistas de longe, mesmo encobertas com a
vegetação.
Segundo
Leandro Cardoso, a história do fuzilamento dos Marcelinos deve ser preservada e
recontada, não como apologia ao cangaço, ou sobre a repressão, mas pela maneira
como foram mortos. "Não deram a chance de que a Justiça pudesse ser feita,
pagar pelos seus crimes e serem condenados de maneira justa", acredita.
O secretário
de Cultura de Barbalha, Rômulo Sampaio, visitou o local há pouco tempo. Sua
ideia é fazer um projeto, com desapropriação, que torne o local uma pequena
praça e com a restauração das covas. "A ideia é trazer turistas. A gente
considera ali um monumento histórico. Mas ainda não teve condição. Hoje, não
tem nada de concreto, pois depende de verba, que não tem, até o momento. Eu
sairia frustrado da gestão sem uma restauração", afirma.
Os irmãos
"Telegramas
recebidos ontem nesta capital informavam que os mesmos bandoleiros haviam
atacado o estafe dos Correios no lugar Baixios, a meia légua do Crato, tendo
roubado, no mesmo local, cerca de 30 pessoas que se dirigiam para a feira do
Crato", detalha o jornal "A Ordem", do dia 7 de setembro de
1927. Os Marcelinos praticavam pequenos assaltos, sobretudo nas cidades de
Jardim, Barbalha, Crato e Cariri-Mirim (PE).
Eles entram na
vida de cangaço quando o mais velho, João Marcelino, até então vaqueiro, é
humilhado pelo delegado Ioiô Peixoto, no meio da feira de Serrita (PE). Ele
resolve se vingar e, com ajuda de seu irmão, Manoel, começa a perseguir até
matar o policial. "Aí não teve mais sossego, vendeu tudo que tinha,
comprou arma e foi ser cangaceiro na Chapada do Araripe", conta Napoleão
Tavares.
Manoel e João
Marcelino começam sua vida de banditismo pela região, por volta de 1923. O caçula,
Raimundo, mais tarde se une, ganhando a alcunha de Lua Branca. Os três servem
por um tempo o bando de Lampião, inclusive, Manoel, ganha dele o nome de Bom de
Veras, e passa a ser respeitado pelo sertão, por sua agilidade, coragem e
destreza com as armas.
"Virar
cangaceiro, naquela época, era a coisa mais fácil do mundo. Se olhar a
colonização do Brasil, em 400 anos, a tônica é a imposição do terror, a
violência. Se sobressaia socialmente aquele que era mais violento, quem
manejava melhor as armas de fogo ou brancas, porque não existia o Estado, não
chegava em todos lugares. Para defender sua terra, propriedade, sua família,
tinha que lançar mão da violência contra índio, contra ladrão, polícia, onça,
contra tudo", explica Leandro Cardoso.
Os Marcelinos
optam por não seguir o bando de Lampião e praticar seus pequenos crimes no
Cariri, como assaltos e roubos. Chegam a matar pessoas inocentes, como o
agricultor Joaquim Guida, residente no Baixio do Muquém, em Crato. Sem piedade,
ele é assassinado pelo grupo, que não leva nada dele, nem mesmo a feira e seu
dinheiro.
Mas o momento
mais marcante dos Marcelinos é a invasão de Barbalha para matar o coronel
Antônio Xavier. Na calada da noite, se escondem nos arredores do casarão do
rival, que dá um jantar para familiares e amigos. Avistando o alvo da janela,
os cangaceiros atiram, acertando um espelho e não o coronel. Percebendo o
fracasso, fogem dos capangas do poderoso homem.
"Os
cangaceiros Marcelinos não tiveram uma representatividade grande, como os
Curisco, Labareda. Eles fizeram pequenos assaltos aqui. Não foram de grande
importância na historiografia do cangaço. Talvez, a coisa mais importante é a
maneira brutal como foram mortos", acredita Leandro Cardoso.
Por outro
lado, a morte dos Marcelinos teve destaque em página inteira no jornal de
Fortaleza "A Ordem", do dia 7 de janeiro de 1928, descrevendo ação da
Polícia que matou João 22 e capturou Lua Branca.
"O Cariry
vai agora dormir sossegado, livre de seu pesadelo sinistro. A ação policial
contra os bandoleiros, até agora considerada nula, determinou o ânimo do povo
em um estado psicológico de completo desalento", narra o periódico.
Facebook, página do pesquisador do cangaço José Irari
https://www.facebook.com/groups/lampiaocangacoenordeste/
http://blogdomendesemendes.blogspot.com