Por José Mendes Pereira
É apenas uma brincadeirinha com o capitão Lampião que eu escrevi em 2010, sem desrespeitar ou ferir a família Ferreira. Mas lembrando ao leitor que aqui existem palavras ditas por ele mesmo.
Como
já faz mais de dois anos (eu escrevi em 2010) que eu venho estudando a literatura lampiônica, e que
muito me tem dado bons conhecimentos, no que se refere a cangaço, e ao famoso e
lendário cangaceiro do nordeste, o capitão Lampião como é conhecido
mundialmente; e quando eu leio algo sobre este desastroso movimento social
daqueles perigosos jovens, tenho a impressão de que estou caminhando com eles
pelas caatingas do Nordeste, apesar de não as
conhecer.
Mas
em cada lugar que eles passaram eu tenho na mente como eram os cerrados, as
caatingas, os rios, as invasões, o rio São Francisco, o Raso da Catarina, os
coitos que eles faziam, os bailes perfumados, as negociações com os
fazendeiros, as tocaias... É como se eu estivesse dentro do cangaço, vivendo
todos os movimentos que eles faziam.
Certo dia, eu
tive um sonho, e nele, me tornei num repórter, aonde cheguei a fazer algumas
perguntas ao famoso Lampião. Apesar de ter sido um homem perverso,
mas ele me recebeu muito bem, obrigado, respondendo as minhas perguntas, as
quais eu passo para os meus leitores como aconteceu esta sonhadora
entrevista.
JMP –
Por que entrou para o mundo do
crime?
Lampião –
Primero qui tudo têno qui mi indentificá quêim eu sô. Chamu-mi Virgulino
Ferreira da Silva, e pertenço à humide famia Ferreira, do Riacho de São
Dumingo, municipe de Vila Bela. Meu pai, pur ser cunstantimente pirsiguido pela
famia Nogueira e em especiá, pur Zé Saturnino, um dos nosso vizinhos,
arresoiveu ritiraçe para o municipe de Água Branca, no istado de Alagôa. Nêim
pur isso ceçô a pisiguição. Im Água Branca, mina mãe faliceu. A
causa: caiu im dipreção, divido a pisiguição daquele dirgraçado, o Zé Saturnino.
Tumbêim, lá foi açacinado o meu pai, José Ferreira da Silva, pelos Nogueira e
Saturnino, no ano de 1920. Não cunfiando na ação da justiça púrbica, pur quê os
açacino contava cum a iscandaloza potreção dus grande, risoivi fazê
justiça pur mina conta pórpia, isto é, vingá a morte do meu prugenitor.
Não pirdi tempo, e risolutamente arrumei-me e infrentei a luta. Não iscuí gente
das famia inimiga para matá, e ifitivamente cunsigui dizimá-las
cunsideravimente. Pur isso digo qui eu intrei pru mundo do crime, não pur
mardade mina, maiz pur mardade dos outo. (Nesta resposta muitas palavras ditas por ele mesmo ao Dr. Otacílio Macedo quando de visita a Juazeiro do Norte em 1926).
JMP –
E quais foram as
maldades?
Lampião –
Veja se eu têio ou num razão. Em 1915, ocorreu uma das maió secas da
rigião nordistina, de intencidade e duração até intão nunca vista. Us meus
paiz, coitado, sofrendo cumo tanta ôtras famía, risoiverum viajá até Juazero do
Norti, im visita a meu padim padi Cíço. Cumo era custume de muita famia
nordistina irem à prucura de ajuda riligiosa, meu pai tumbém dicidiu prucurá os
riligioso. E para qui a prupriedade num ficaçe abundonada, eu num viagei cum os
meu paiz. Fiquei no sítio prá cuidá dos afazer rutineirus. Dias dispois,
cumeçou a dizaparecê caprinus. Eu cumeçei a investigá, tentando discobrí o
respunsávi e ricuperar os nosso animá. Insisti até principe do ano de
1916.
JMP –
E daí, capitão, o que aconteceu? – interrompi-o, mas ele nem
gostou.
Lampião
– Caima! Vosmicê mi parece vexado!... Certo dia, eu discubri quêim era o
ladrão dos nosso animá.
JMP
– E quem era o ladrão,
capitão?
Lampião –
Espera sugeto! Vosmicê é ingual aquele apresentadô da Grobo, um tá de Fastão.
Num ispera que ninguém dê a resposta!...Poiz bêim! Ontonse intrei na casa de um
moradô na fazenda Pedrera, de purpriedade do dito Zé Saturnino. Cumo
eu sempre fui um sugeito curioso (e com isso, eu cunsegui vivê mais de
vinte ano no cangaço), vi város côro de cabra e bode, ainda trazendo nais
zurêia, as marca dos noço animá. Daí, num tive durda, que aqueles côro erum dus
nosso animá que havia dizaparicido. A partir disso, cumeçêi uma guerra cronta
aquele safado ladrão, o Zé Saturnino.
JMP –
E o que aconteceu depois que o senhor descobriu que haviam roubados os seus
animais?
Lampião - Se vosmicê
calá eça sua forragera, sugeitinho que num sabe intrevistá ninguêim, eu vô
lhe respondê. Maiz se continuá se intrometendo nas mina rispostas, eu coito a
sua língua cum o meu punhá. E acho mió agente incerrá eça intrevista
pur aqui...poiz chim! Ontonsse cumo eu ispaiei o açunto, afirmando a
quêim eu incrontava, que Zé Saturnino istava robando as nossa cabra, ele
virô-se contra a mina famia. Maiz me fartô a paciênça. Findêi matando um dos
seus aduladô. E tive que me refugiá lá no istado de Alagôa, juntando-me a meu
irmão Livino, que já istava lá. Nóiz ficamo sêim sabê o que fazê. Tumêi uma
sulução. Ô tudo ô nada. Cumo o Sinhô Perera sempre foi meu amigo, e já era dono
de um bando de cangacero, aliêi-me a ele, isperando que mi deçe apôio.
JMP – Nessa
época, quantos anos o senhor tinha?
Lampião –
Eu já tava cum 22 ano de idade. Eu ainda era uma criancina.
JMP
– Sinhô Pereira foi uma influência na sua vida?
Lampião
– Foi um grande ôme e muito importante na mina vida de bandulero. È tanto
que se ele e eu vortássim a viver novamente, e ele fosse cangaceiro, eu iria sê
um sordado dele.
JMP –
A morte de sua mãe, qual foi a
causa?
Lampião
– Parece-me que vosmicê ainda num intendeu nada. Ora sebo! Se cum eça
cunfuzão tôda, dus rôbo que Zé Saturnino feiz dos nosso animá, cumo eu num
deixêi a mina boca calada, e dizia que êle era um verdadero ladrão, cumo êle
ficô decipcionado, feiz cum que o meu pai e mina mãe saíçe das terra de Pernambucu
pá morá lá im Alagôa. Mina mãizinha num suportando a pressão daquêle
dizaforado, caiu im dipreção, vindo a falicê nu ano de 1920.
JMP
– E o seu pai, como foi a sua morte?
Lampião
– Eu nêim gosto de cumentá. – disse ele com os olhos cheios de lágrimas.
Mas cumo vosmicê me preguntô, eu vou lhe explicá..., o disgraçadu munipulô o
Zé... eu nêim gosto de falá o nome daquela peste.
JMP – E
quem é o desgraçado, capitão Lampião?
Lampião –
Vosmicê me pareçe que bebe? Num istá acumpãiando o meu raciocino, seu cabra?
JMP –
Estou capitão, mas o senhor falou num dergraçado e não disse quem é...
Lampião
– O disgraçado é o Zé Saturnino! Pôiz bem. Ele num teve corage de me
infrentá, cumo lá diz, foi pidir ajuda ao Zé Lucena, ôta poiquera que eu
incontrêi no meu camino de bandolêro. Munipulado pur Zé Saturnino, o peste ruim
foi lá onde o meu pai morava cum as minas irmã.
JMP
– E a mãe?
Lampião
– A mãe de quêim? – interrogou ele com ignorância, e já com a mão no
mosquetão.
JMP
– Capitão, eu estou lhe perguntando por que a sua mãe não estava com o
seu pai no momento?
Lampião
– Vosmicê num istá prestando atenção a mina resposta, seu
dizaforado?
JMP
– Estou capitão. Mas por que ela não estava com seu pai?
Lampião – Ela já havia falicidu, coisa bêsta!... cumo o Zé Lucena
foi munipulado pelo Saturnino, foi lá e açacinô o meu véio pai, a quêim tanto
devo.
JMP – Nesse período o senhor ainda se encontrava nas terras de
Alagoas?
Lampião
– Ainda. Maiz nesse dia eu istava bem póximo da fazenda que o meu pai
morava. Quando eu arricibi a nutiça, para mim foi a maió dô que eu paçei na
mina vida.
JMP
– O senhor foi para lá?
Lampião
– Fui não seu disaforado! Que pregunta idiota essa que vosmicê me feiz
dinovo. Se o meu pai tina sido açacinado, pru quê eu num ir lá?... Ora! Qui
sebo! Assim que eu cheguêi, que vi meu pai invoivido num linçó de sangue, eu
pirdi o tino. Ah, se eu tiveçe me incrontado cum ele naquele dia! Eu tiria o
pego e matado divagazim, cortando pur pedaço. Eu cumeçava pelos dedo, dispois
os braço, im siguida, as perna, as zurêa para dexá-lo lambido cumo cabra. E
dispoiz infiava o meu punhá na cravica, só para vê-lo morrendo
afogado im sangue...
JMP
– Capitão, dizem que o senhor conheceu Maria Bonita lá em Santa Brígida.
Maria Bonita era bonita mesmo?
Lampião – Óia lá, cabra! Veja o que istá me preguntando.
JMP
– Mas isso faz parte da entrevista, capitão.
Lampião
– Cumo vosmicê me preguntô e rialmente faiz parte da intrevista, eu lhe
rispondo. Maria era uma linda mulé. Tina umas perna bêim feitas, carinosa, e um
cafuné de Maria, me fazia um cordero.
JMP –
E Luiz Pedro, era um dos seus melhores amigos. O senhor nunca sentiu ciúmes com
Maria Bonita.
Lampião
– Vosmicê já istá indo muito lonje! istá querendo difamar a mina Maria,
cabra? – Fez ele encostando o seu punhal na minha goela.
JMP
– Não capitão, pelo amor de Deus!!!
Lampião
– Vô lhe respondê. Mas não me fassa maiz uma pregunta desse tipo. Poiz se
isso acuntecê, vosmicê vai prová do meu punhá..., não só Luiz Pedo, cumo tôda
cangacerada era lôca pur Maria. Maiz quêim comia a caine era eu. Eles nunca
tiverum direito nêim de ruê os oços.
JMP
– Por que o senhor não conseguiu sucesso na invasão de minha
Mossoró?
Lampião
– Ora! Cidade portegida pur santo, meu amigo, nunca foi para bico de
cangacero.
JMP
– Onde foi que o senhor errou quando arquitetou o ataque à Mossoró no Rio Grande do Norte e
saiu derrotado?
Lampião
– O meu grande êrro foi de tê mandado doiz biêtes para o prefeito. Se eu
tivesse intrado sêim cumunicá-lo, cum ceiteza eu tinha levado todo diêro
daquela cidade. Massilôn, Jararaca e Sabino num
quiria que eu mandaçe. Maiz infilismente eu teimei e mandei. Tumbêim eu num tina
muito intereçe de assaltá Moçoró, purqui eu sô divoto de Santa Luzia. E a
paduêra de sua cidade é ela.
JMP
– O bando estava com quantos homens?
Lampião
– Eu levava un 60 cabras. Mandêi dizê que erum 150 ômis, pá vê se
açombrava aquelas pestes. Elis erum maiz de 300 na luta e ôutro bocado no
apôio, iscondidus dentro da igreja de Sum Vicente..., e ainda ôje conde passo
numa cidade e vejo Sum Vicente, eu dô vontade de atirá bem no mei da testa, só
pá vê a cabeça do disgraçado cair os pedaçus. Naquêli dia, Moçoró istava cum a
febre dus capetas e a gripe dos poico. E para me atrapaiá, vêi uma chuva dus
diabos, caindo do céu e a chuva de bala cumendo pur baixo.
JMP – O senhor já se encontrou com Benjamim?
Lampião –
Não. Maiz tenho vontade de me incrontá cum ele. Foi ele quêim me feiz herói no
Brasil e no mundo inteiro, atravéiz dais foto que ele feiz prá mim e meus
cabra. Se num fôce ele hoje quase ninguêim me conecia.
JMP –
Se o senhor voltasse a viver na terra quais os homens que o senhor os mataria?
Lampião
- Era o Zé Saturnino. O segundo seria Zé Lucena. E o terceiro, o ômi que antecipô a mina ida lá prá onde eu tô morando. Síria o João Bezerra,
o boi veaco.
JMP
– E onde o senhor está morando?
Lampião
– No inferno eu num tô não. Quem divia tá lá, é esse bando de pulítico que
roba o Brasil, deixano as famía cum fome. Eu robava, maiz dava tumbém ao pobe.
JMP
– Fale sobre a baronesa de Água Branca...
Lampião
– Deixô-me rico, rico... Deixa prá lá...
JMP
- Se o senhor voltasse a viver novamente aqui na terra, com
certeza seria um homem que fazia o bem?
Lampião
– Prá quê? Prá sê prezo? Nem morto! Sê onesto é que eu num quiria sê.
Nesse seu Brasí, quem vai preso é o ôme onesto. Passei quasi vinte
ano robando, matando e nunca fui prezo. O mundo mió qui inziste nessa terra é
sê ladrão. Se vai prezo, no ôto dia tá na rua. Agora veja quêim fica lá na
cadêa inté mofar..., são os paiz de famia. Maiz ladrão tem o seu lugá garantido
no
Brasí.
Observação: Não use este material na literatura lampiônica. É apenas uma brincadeirinha com o capitão Lampião que eu escrevi em 2010, sem desrespeitar ou ferir a família Ferreira. Mas lembrando ao leitor que aqui existem palavras ditas por ele mesmo.´
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