Além da história deste inusitado encontro, vamos conhecer um pouco sobre um dos mais importantes grupos musicais do Nordeste do Brasil e que ficaram conhecidos os “Beatles de Caruaru”
Autor –
Rostand Medeiros
Uma dos mais
importantes, tradicionais e representativos grupos musicais do Nordeste do
Brasil é sem dúvida alguma a Banda de Pífano de Caruaru. Verdadeira virtuose
daquilo que significa nordestinidade e tradição, este grupo é também um dos
mais antigos do país ainda em atividade.
Tudo começou
em 1924, em um povoado chamado Olho D’água do Chicão, da cidade alagoana de
Mata Grande, distante mais de 400 quilômetros da capital Maceió e localizado em
pleno sertão. Foi quando o agricultor Manoel Clarindo Biano, casado com Maria
Pastora da Conceição, observou que seus filhos Sebastião e Benedito, então com
cinco e onze anos de idade, brincavam com canudos de carrapateira, jerimum e
mamão, soprando-os como apitos, que eles chamavam “Gaitinha”, ou “Pifinho”.
Depois passaram para um instrumento feito de madeira de taquara, com sete
furos, sendo um para o sopro e seis para os dedos, que todos chamavam de pife[1].
Banda de
pífanos – Marcelo Soares
Na pausa dos
afazeres da roça, sem repreender, Manoel deixou os garotos se divertirem.
Percebendo que seus filhos tinham um dom para música ele encomendou pifes
melhores a um amigo. O grupo passou a tocar e logo ficou conhecido como
“Zabumba de Seu Manoel”.
Fosse apenas
para ampliar a brincadeira dos garotos, ou para aumentar suas capacidades
musicais visando melhorar o sustento da família, aquela iniciativa mudaria a
vida de todos, criando um grande ícone da cultura nordestina, com
características próprias e importantes na música popular brasileira[2].
Tempos depois
a família Biano deixou a cidade natal e tentou chegar até Juazeiro do Norte, no
Ceará, em busca de uma bênção do Padre Cícero. Fugindo da seca e da miséria
Manoel juntou a família e começaram a percorrer as estradas do sertão fazendo
apresentações em quermesses, novenas, casamentos, batizados, enterro de
“anjos”. Tocavam Marchas, Benditos de santos, Dobrados e o que surgisse na
mente.
Seguiram nesta
jornada pelo interior de Pernambuco, onde passaram por Vila Bela (Hoje Serra
Talhada), Sítio dos Nunes. Neste último local interromperam a jornada, pois era
época de Semana Santa e era pecado prosseguir viagem neste período. Depois
rumaram para Santa Cruz da Baixa Verde, ainda em Pernambuco e logo adentraram a
Paraíba, seguindo para Conceição do Piancó e Bonito de Santa Fé. Depois
retornaram para Pernambuco[3].
Nesta época no
grupo, além de Manoel Biano, tocando zabumba, os seus imberbes filhos Benedito
e Sebastião nos pífanos, havia um sobrinho chamado Martim Grande, também
conhecido como Martinho Grandão, também criança e que tocava a caixa.
Banda de
Pífanos de Caruaru na década de 1970.
Manoel fazia o
grupo tocar uniformizado, todo de branco e usando chapéus de couro para se
destacar das outras bandas de pífano. Ninguém sabia nada de métrica, partitura
musical, notas e etc. Era tudo de ouvido mesmo. Mas eram competentes no que
faziam.
Um dia quis o
destino que estes músicos tocassem para ninguém menos que Lampião e seu bando.
“Lá vem o
hômi!”
Segundo o
padre Frederico Bezerra Maciel, escritor, pesquisador do tema cangaço e autor
da série de livros “Lampião, seu tempo e seu reinado”, entre os dias 2 e 27 de
setembro de 1926, Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, comandou um grupo que
na maior parte do tempo era composto por mais de cem cangaceiros em Pernambuco.
Durante este tempo eles assaltaram e mantiveram combates com forças volantes em
diversas localidades entre a região do Pajeú e as margens do rio São Francisco[4].
Entre idas e
vindas, assaltos a cidades, combates em fazendas, emboscadas contra policiais e
outras peripécias, um dia este grupo de cangaceiros se dirigiu à propriedade
denominada Olho D’água do Bruno, com a intenção de participar das festividades
do padroeiro da capelinha do lugarejo.
Igreja de
Nossa Senhora da Saúde em Tacaratu, Pernambuco – Foto – Ricardo Sabadia
Enquanto isso
o cônego Frederico Araújo de Oliveira, pároco de Tacaratu, chegou ao Olho
D’água do Bruno depois de haver percorrido os mais de 18 quilômetros de estrada
que separam esta propriedade da sede deste município fincado no sertão
pernambucano[5].
O lugar estava
animado. Viam pessoas de várias propriedades da região. Como da Salgadinha, do
Mulungu, da Tiririca e da Baixa do Capim. Eles chegavam a pé, montados em
animais, em carroças, trajando suas melhores roupas e trazendo no semblante a
certeza de um momento de união de todos ali presentes junto a Deus.
Quando os
cangaceiros chegaram na festa religiosa, a imagem provavelmente pouco diferia
desta foto.
O Olho D’água
do Bruno tinha como seu proprietário Manoel Gomes de Souza Lima, conhecido na
região como “Faceiro”. Para incrementar os festejos ele mandou chamar a banda
de pífano de Manoel Biano[6].
Os músicos passaram os nove dias da novena na propriedade, participando e
animando a todos durante aqueles dias.
Por volta das
nove da manhã do último dia da novena, o cônego Frederico deu a benção aos
fiéis e do lado de fora da capelinha a zabumba começou a tocar um hino,
significando o final da cerimônia. Logo os membros da comunidade saiam do
templo religioso e se reuniam para escutar a bandinha de pífanos[7].
Foi quando
alguém gritou: – “Lá vem o hômi!”.
Neste instante
chegou ao terreiro da capela Lampião montado em seu cavalo, acompanhado por
Luís Pedro, Sabino, Arcoverde e um grupo de cangaceiros que variava entre 40 a
50 homens. O grupo, totalmente equipado e armado, parou suas montarias em meio
a uma grande nuvem de poeira. Os cavalos estavam suarentos e bufando.
Diante daquela
figura imponente, superior, ostentando suas armas e atavios, Sebastião, então
com sete anos, segurou a mão do irmão Benedito, mais velho e com 13 anos, dando
a ideia de fugirem juntos. Mas seu pai advertiu “Ninguém corre”. Sebastião
Biano narrou que então um rapaz da região desandou a correr do local, foi
atingido por disparos de um dos cangaceiros e morreu na hora[8].
Certamente
muitos outros teriam desejado correr, mas faltaram forças e coragem diante
daquela morte. Os presentes estacaram no mais puro pânico. Estavam pálidos, com
os pés fincados no chão e alguns tremendo feito vara de marmeleiro.
O Baile de
Lampião
Lampião desceu
do seu cavalo primeiro e os “cabras” ficaram na retaguarda. Nessa hora o “Rei
do Cangaço” gritou: “Não corre ninguém e os meus cabras não vão mexer com
vocês”. O silêncio era intenso. Lampião então se dirige ao pároco Frederico e
ao proprietário Manoel Gomes e trocam cordiais apertos de mão. Depois todos
seguiram para a casa grande do Olho D’água do Bruno, a uns cem metros da
capela.
Consta que
Lampião cavalgou intensamente com seus cangaceiros para pegar o início da
missa, mas não conseguiu. Entretanto, entre sorrisos e atenções, o chefe dos
cangaceiros entregou uma grande quantidade de dinheiro ao pároco Frederico. Ele
saldava assim uma promessa com Nossa Senhora da Saúde, a padroeira de Tacaratu.
Sebastião comentou em uma reportagem realizada em 1972, que o cangaceiro tirava
o numerário de algumas caixas que estavam nos cavalos e dos bolsos da corona da
sela e era muito dinheiro[9].
Lampião então
se aproximou dos garotos e perguntou: “Meninos, vocês conhecem o toque de
Lampião?”. Estes balançaram suas cabeças afirmativamente e o cangaceiro ordenou
que eles executassem o pífano. “Se sabem, toquem.” Naquele momento os dois
meninos se urinaram de medo. “Minha língua estava grudada na boca, eu mal
conseguia soprar”, recordou Biano.
O pife
finalmente soou, inicialmente com erros devido ao medo, mas logo os garotos
foram se acostumando, tomando gosto pela brincadeira, se soltando e a música
encheu a casa grande.
“É Lamp, é
Lamp, é Lamp. É Lamp, é Lampião, Meu nome é Virgulino, Apelido Lampião”.
Nisso Lampião
mandou buscar dois cangaceiros do bando – os responsáveis pelas músicas durante
as viagens – e bradou: “Esses dois meninos tocam melhor que vocês, seus dois
cavalões velhos!”.
Arte de Cavani
Rosas, 1973.
Animado o
“hômi” mandou preparar o lugar para realizar “um baile” e foi àquela correria
para aprontar tudo ao gosto do “Capitão Virgulino Ferreira”. Os presentes logo
se colocaram a disposição para realizar danças e segundo Sebastião aquilo foi
um “arrasta-pé vingado”.
Os próprios
cangaceiros encararam os instrumentos musicais. Lampião tocou algumas modinhas
com um fole de oito baixos que arranjaram por lá e outros cangaceiros pegaram
outros instrumentos.
Homens e
mulheres que normalmente nem praticavam o tradicional “dois pra lá e dois pra
cá”, dançaram até tango e rumba. Alguns idosos com limitações devido ao
reumatismo nem se lembraram disso e bailaram até quando encerrou a festa.
Os cangaceiros
comeram toda a comida do evento. “Nem para o padre sobrou. O que não cabia na
boca, botavam no chapéu. E a gente, nem fome sentiu, de tanto medo. Quando
acabaram de comer, ainda pediram palha de milho para dar aos cavalos”, lembra
Biano.
Mas para
Sebastião o melhor veio mesmo no final do frege.
Animado,
falante, feliz e tranquilo, Lampião literalmente abriu o bisaco e distribuiu
uma boa soma de dinheiro com os presentes. Uma grande quantidade de moedas de
prata e níquel foi entregue as damas que ali se encontravam e estas não
sofreram nenhuma violência por parte dos bandoleiros.
Os cangaceiros
puxavam do bolso sem nem contar. Todos esbanjaram muito dinheiro naquele dia no
Olho D’água do Bruno. O menino Sebastião mesmo ganhou algumas boas moedas de um
cangaceiro, por ter arranjado capim e água para o cavalo deste.
Às quatro
horas da tarde o grupo de guerreiros encourados partiu ao som do “Toque de
Lampião”, executado pela bandinha de Manoel Biano.
“Os Beatles de
Caruaru”
Depois daquele
encontro os irmãos Sebastião e Benedito foram crescendo e tocando pífano onde
fosse possível. Tudo era válido pela sobrevivência.
Benedito e
Sebastião Biano em 1972.
Circularam por
vários anos em Pernambuco. Estiveram em Poço Comprido, depois na cidade de
Buíque, onde Manoel Biano adoeceu em 1934. Na sequência tentaram a sorte nas
cidades de Pesqueira, Belo Jardim, até que finalmente, no dia 15 de julho de
1939, chegaram à uma região próxima a grande cidade de Caruaru, onde se
estabeleceram em um sítio entre os povoados de Rafael e Contendas.
Com o tempo
Manoel Biano deixou a incumbência do toque para aos filhos. Ele faleceu em
1955, mas pediu para seus filhos continuassem a tradição e eles formaram a
Banda de Pífanos de Caruaru.
Tempos depois
a família Biano foi morar na “rua” de Caruaru, onde Sebastião Biano trabalhou
durante muitos anos em uma fábrica de estopas e os filhos mantinha uma pequena
oficina de sapatos[10].
Banda de
Pífanos de Caruaru
Em meio à dura
luta pela sobrevivência, o grupo continuou tocando, incentivado por várias
pessoas de Caruaru. Não era difícil encontrá-los realizando apresentações nas
quartas e sábados, nas esquinas da cidade e na famosa Feira de Caruaru. Durante
as festas juninas o dinheiro crescia mais um pouquinho, pois havia uma grande
procura para eles animarem inúmeras festas.
Mas a família
Biano passaram a ficar bastante conhecidos na região após algumas apresentações
nas rádios Difusora de Caruaru e Difusora do Nordeste, fazendo com que seu som
alcançasse uma dimensão que eles não previam[11].
No início de
1967, antes do surgimento da Tropicália, Gilberto Gil realizou no Teatro
Popular do Nordeste seu primeiro show em Recife. Foi quando Gil conheceu o
compositor Carlos Fernando e trocaram ideias sobre a musicalidade local. Logo surgiu
o convite para o músico baiano seguir a Caruaru e conhecer uma banda de pífanos
de ótima qualidade que tocava na região e que o próprio Gil já ouvira
comentários.
Foto histórica,
Caruaru 1967: em 1º plano, da esq. para a dir.: Carlos Fernando, casal Roberto
Lira, Gilberto Gil, João Lira Neto, Fernando Lira, rapaz não identificado e
Onildo Almeida – Fonte – http://www4.interblogs.com.br/homerofonseca/
Em Caruaru o
grupo foi recebido pelo então prefeito Anastácio Rodrigues, que mandou chamar a
Banda de Pífanos de Caruaru e o encontro aconteceu no Clube Intermunicipal.
Este momento foi verdadeiramente emocionante para o músico baiano natural da
cidade de Ituaçu. Consta que Gil chegou a chorar, além de ficar embasbacado com
o que viu. Ele percebeu certas relações musicais que o grupo fazia no palco,
com o que a banda inglesa The Beatles fazia na Europa na época. A partir deste
momento os filhos de Manoel Biano ficaram igualmente conhecidos como “Os
Beatles de Caruaru”[12].
Gil então
retornou ao Rio e comentou com o amigo Caetano Veloso sobre o que viu na sua
viagem pelo Nordeste. Este encontro em Caruaru é considerado pelos
pesquisadores da Música Popular Brasileira uma das experiências que vão gerar e
impulsionar o Movimento Tropicalista.
Depois, em
1972, no mesmo ano que a Banda de Pífanos de Caruaru lançou seu primeiro LP,
Gilberto Gil incluiu no seu trabalho “Expresso 2222” o tema instrumental
“Pipoca Moderna” e depois foi Caetano Veloso que colocou letra e a gravou no
álbum “Joia”, de 1975[13].
Consta que depois do lançamento de “Expresso 2222”, Gil retornou a Caruaru,
acompanhado do poeta e músico baiano José Carlos Capinam, para apresentar o
resultado do seu trabalho a Sebastião e Benedito Biano[14].
Sobre o
primeiro disco da Banda existe a informação que a gravadora CBS não acreditava
na venda daquele projeto. Aí novamente entrou em cena o prefeito Anastácio
Rodrigues, que adquiriu 500 mil cópias do disco e o disco foi lançado.
Logo o grupo
estava se apresentando em outras paragens do Brasil.
No MAM do Rio
de Janeiro em 1974 tocaram juntos o sanfoneiro Dominguinhos, o grupo Quinteto
Violado e a Banda de Pífanos de Caruaru.
Em agosto de
1974, no palco de apresentações do Museu de Arte Moderna, o MAM, localizado no Parque
do Flamengo, Rio de Janeiro, ocorreu um dos shows mais antológicos da música
nordestina na Cidade Maravilhosa. No palco tocaram juntos nada menos que o
sanfoneiro Dominguinhos, o grupo pernambucano Quinteto Violado e a Banda de
Pífanos de Caruaru. Pena que, até onde sei, não ficou registro gravado deste
maravilhoso espetáculo musical[15].
As formações
da Banda de Pífanos de Caruaru mudaram ao longo do tempo, mas não a proposta,
fazendo da banda uma referência musical bastante sólida até hoje. A
expressividade conseguida com o pífano, instrumento rústico e de poucos
recursos, é notável e o nome da família Biano chegou longe[16].
Infelizmente
Benedito Biano partiu em 16 de dezembro de 1999, aos 89 anos de idade, quando
faleceu de insuficiência cardíaca em São Paulo, cidade para onde Sebastião
Biano passou a residir. Um ano antes a banda havia ganhado o título
internacional de melhor grupo percussionista brasileiro em um concurso na
Alemanha[17].
Mas o trabalho
continuou. Em 2004 a Banda de Pífanos de Caruaru recebeu um Grammy Latino de
Melhor Álbum de Música Regional ou de Raízes Brasileiras.
Continuidade
Mas
pessoalmente o incrível desta história toda é a garra, a disposição e a
longevidade vivamente positiva de Mestre Sebastião Biano.
Com o espírito
de menino solto na brincadeira, Mestre Biano lança seu primeiro disco solo
Rafael Pimenta/Divulgação
Em 2015, aos
96 anos de idade, Sebastião, o último remanescente da formação original da
Banda de Pífanos de Caruaru, lançou seu primeiro CD solo da sua longa e
virtuosa carreira.
Este trabalho
se intitulou “Sebastião Biano e seu terno esquenta muié” e contou com a
participação do famoso instrumentista Naná Vasconcelos em três das 18 faixas.
Além deste participaram Eder Rocha (Mestre Ambrósio), Renata Amaral (A Barca),
Filpo Ribeiro (Pé de Mulambo) e Júnior Kaboclo complementam a formação do grupo
“Terno Esquenta Muié”, projeto da carreira solo de Sebastião Biano. Mestre
Biano ainda se apresenta com a Banda de Pífanos de Caruaru, cuja formação atual
inclui Junior Kaboclo (pífano), João Biano (zabumba), Amaro Biano (surdo),
Gilberto Biano (caixa), José Biano (pratos) e Jadelson Biano (percussão)[18].
E os
descendentes de Manoel Biano continuam a povoar este nosso Nordeste com suas
toadas maravilhosas.
NOTAS
[1] A
taquara é uma madeira muito comum nas matas do sul de Pernambuco.
[3] Ver
Diário de Pernambuco, Recife – PE, edição de sábado, 2 de abril de 1977, pág.
6.
[4] Vale
ressaltar que esta foi uma fase do cangaço de Lampião onde as mulheres ainda
não participavam do bando. Ver Maciel, F. B. – Lampião, seu tempo e seu
reinado, Livro III, A Guerra de Guerrilhas, págs. 119 e 120. Ed. Vozes,
Petrópolis – RJ, 1985.
[5] No
dia 3 de janeiro de 1938, a cangaceira Durvinha (Durvalina Gomes de Sá)
deu à luz um menino na caatinga da fazenda Riachão, em Tacaratu. Quem
serviu de parteiro foi o seu companheiro Moreno (Antônio Ignácio da Silva). Com
muitas dificuldades para criar o menino Moreno e Durvinha decidiram doar a
criança para o cônego Frederico Araújo de Oliveira, o mesmo que em 1926
presenciou a chegada de Lampião e seus homens no Olho D’água do Bruno. A
criança foi então batizada com o nome de Inácio.
Após a morte
de Lampião e Corisco, o padre Frederico Oliveira fez insistentes apelos
para que o casal de cangaceiros fugisse, pois do contrário a presença
deles na região, caso fossem descobertos, poderia trazer grandes
problemas para o sacerdote. Moreno decidiu atender aos pedidos do
padre. No dia 2 de fevereiro de 1940, dia da Festa de Nossa Senhora
da Saúde, Padroeira de Tacaratu, os cangaceiros aproveitaram o
silêncio da noite e partiram.
O casal passou
66 anos no mais absoluto segredo. Nem os filhos sabiam de nada daquele
passado medonho. Em 2005, adoentado, Moreno pensou que ia morrer e
resolveu contar a longa e dramática vida que levaram no cangaço para os filhos.
A emoção tomou conta de toda a família e começou uma busca na esperança
de localizar o irmão Inácio. Vale ressaltar que depois da morte do cônego
Frederico, no dia 14 de janeiro de 1944, Inácio foi levado à cidade de
Paulo Afonso e depois seguiu para o Rio de Janeiro, onde se tornou oficial
da Polícia Militar daquele estado.
O encontro de
Inácio com seus pais, seus irmãos e demais parentes, inclusive os tios,
irmãos de Durvinha, se deu no dia 5 de novembro de 2005 na casa de Moreno,
em Belo Horizonte. Durvinha faleceu em 2008 e Moreno em 2010.
[6] Nesta
época o Olho D’água do Bruno era provavelmente uma antiga propriedade que foi
repartida e suas terras vendidas. Pois além de Manoel Gomes de Souza Lima, o
conhecido Faceiro, segundo os dados coletados em nossa pesquisa, no início da
década de 20 do século passado existia na zona rural de Tacaratu três
propriedades registradas com a denominação Olho D’água do Bruno, sendo seus
proprietários José Maria Campos, Manoel Antônio Torres e Argemiro Lyra Barbosa.
O interessante é que Faceiro não constava desta listagem. Ver “Relação dos
proprietarios dos estabelecimentos ruraes recenseados no Estado de Pernambuco –
Recenseamento do Brazil, realizado em 1 de setembro de 1920”, pág. 365,
Typografia da Estatistica, Rio, 1925.
[8] Segundo
o padre Frederico Bezerra Maciel ninguém morreu neste acontecimento. Inclusive
o padre apontou que em 1947 entrevistou Benedito Biano sobre este episódio.
Entretanto esta afirmação tem de ser observada com reservas, pois o padre
Maciel caracterizou sua obra sobre a vida de Lampião por uma intensa defesa das
ações protagonizadas por este chefe cangaceiro. Para alguns o padre Maciel “só
faltou canonizar Lampião na sua série de seis livros”. Ver Diário de
Pernambuco, Recife – PE, edição de quarta feira, 2 de agosto de 1972, Primeiro
caderno, pág. 10 e Maciel, F. B. – Lampião, seu tempo e seu reinado, Livro III,
A Guerra de Guerrilhas, págs. 119 e 120. Ed. Vozes, Petrópolis – RJ, 1985.
[9] Ver
Diário de Pernambuco, Recife – PE, edição de quarta feira, 2 de agosto de 1972,
Primeiro caderno, pág. 10.
[10] Consta que outra influência para os
irmãos Biano seguirem com a bandinha criada pelo pai, estava no prestígio
alcançado por Vitalino Pereira dos Santos, conhecido como Mestre Vitalino, um
grande artesão do barro e exímio tocador de pífano. Ver “Jornal do Brasil”, Rio
de Janeiro – RJ, edição de terça feira, 18 de julho de 1972, pág. 11, “Diário
de Pernambuco”, Recife – PE, edição de terça feira, 20 de maio de 1972, pág. 8
e “Jornal do Brasil”, Rio de Janeiro – RJ, edição de sexta feira, 8 de dezembro
de 1972, pág. 15 e
[11] Ver “Jornal do Commércio”, Recife –
PE, edição de sábado, 16 de setembro de 1972, pág. 10.
[12] Ver “Diário de Pernambuco”, Recife –
PE, edição de sábado, 2 de abril de 1977, pág. 6.
[14] Ver “Jornal do Brasil”, Rio de Janeiro
– RJ, edição de terça feira, 18 de julho de 1972, pág. 11.
[15] Ver “Jornal do Brasil”, Rio de Janeiro
– RJ, edição de sábado, 5 de agosto de 1974, pág. 9.
Extraído do blog - http://tokdehistoria.com.br/2016/02/27/o-encontro-de-lampiao-e-a-banda-de-pifano-de-caruaru/ - do historiógrafo e pesquisador do cangaço Rostand Medeiros
http://blogdomendesemendes.blogspot.com