Por Cicero
Aguiar Ferreira, com a colaboração de Renato Rocha (neto de João Lica), José
Romão Batista Targino (Zé de Penhinha) e Rogério Ferreira Barboza (Rogerio de
Lulú).
Foi a partir
da década de 20 que o cangaço lampiônico se intensificou nos sertões
nordestino, para ser mais preciso, a partir do mês de agosto de 1922 na fazenda
Preá município de Serrita-PE divisa com o município de Jardim, na propriedade
pertencente à época a Napoleão Franco da Cruz Neves, quando Sebastião Pereira
da Silva (Sinhô Pereira) resolveu deixar o Nordeste e seguir para o norte de
Goiás onde Luiz Pereira da Silva Jacobina (Luiz Padre) seu primo já se
encontrava. Lampião e os irmãos (Os Ferreiras) entraram no grupo de Sinhô
Pereira em meados do ano de 1921 depois das desavenças com José Alves de Barros
(Zé Saturnino), foram aproximadamente 1 ano e alguns meses ao lado de Sinhô
Pereira. Mais foi a partir de agosto de 1922 que Virgolino Ferreira da Silva
(Lampião) se torna definitivamente comandante do bando, entrando para a
história como maior líder cangaceiro que já existiu.
Com a
liderança do grupo, Lampião intensifica suas ações na região do sertão,
deixando o sertanejo apreensivo e temeroso, além da seca e da fome que
periodicamente assolava, soma-se também a violência do cangaço lampiônico. Era
nessa conjuntura que o sertanejo Arlindo Rocha vivia na sua propriedade
Barrocas, município de Salgueiro-PE, cuidando das suas propriedades e de um
pequeno comercio que vendia fazenda “tecidos”, e exercendo o cargo de delegado
da cidade de Salgueiro-PE. Arlindo Rocha nasceu em 23 de março de 1883, faleceu
em 07 de outubro de 1956, era filho de Joaquim de Aquino Rocha e de Isabel
Matias Rocha, casou-se duas vezes, dos dois casamentos nasceram 17 filhos, 11
filhos do primeiro casamento com Maria e 6 do segundo com Tereza (Têca).
FOGO DOS
PILÕES
No exercício
da função de delegado da cidade de Salgueiro, Arlindo Rocha emprega a pessoa
conhecida como Antônio Padre, que sendo absolvido de um júri popular de um
crime que cometeu, recorreu ao delegado para ajuda-lo, Arlindo atendendo ao
pedido o leva para trabalhar na fazenda Barrocas. Arlindo Rocha e sua família
residiam nas Barrocas, tinha mais outras duas propriedades, fazenda Melancia e
Caieiras. O trabalho na fazenda e a convivência com a família, desperta em
Antônio Padre uma paixão pela filha mais velha do patrão que se chamava
Generosa Leite da Rocha (Generosa). Antônio, certamente ciente que Arlindo não
aceitaria o relacionamento, e que se ele tomasse conhecimento, tomaria a sua
atitude como uma desfeita, resolve propor a Generosa que ela fugisse com ele.
Quando Arlindo fica sabendo das intenções de Antônio, se senti afrontado e
expulsa o seu até então protegido de sua fazenda. Antônio Padre ruma em direção
ao Ceará, parando nas terras de Francisco Pereira de Lucena (Chico Chicote) que
aproximadamente 3 anos mais tarde é morto no famoso cerco a sua propriedade,
pelas volantes policiais “ Fogo das Guaribas” uma dessas volantes era a do
tenente Arlindo Rocha. Sobre a proteção do valente Chico Chicote e a
aproximação com Lampião, Antônio Padre junto com Lampião de tempos em tempos
enviava recados desaforados para Arlindo Rocha, ameaçando roubar a sua filha
Generosa, como bem nos relatou a neta do Cap. Arlindo Rocha a Senhora Maria
Leite Rocha que ainda reside nas Barrocas, em um desses recados Lampião dizia
que ia “Partir a Melancia, aterrar as Barrocas e derrubar as Caieiras”, se
referindo as propriedades de Arlindo. Com as constantes ameaças recebidas,
Arlindo Rocha deixa alguns parentes e amigos em alerta para um eventual ataque
de Lampião e Antônio Padre a uma de suas propriedades.
AS NOTÍCIAS DE
QUE LAMPIÃO ESTAVA NA REGIÃO
Quando se
tinha notícias que Lampião estava na região, todos ficavam em alerta máximo,
tratavam de esconder a família em um lugar mais seguro possível. Seu Manoel
Matias Rocha (Manoelzinho) nascido aproximadamente um ano depois do Fogo dos
Pilões no dia 06/03/1925 hoje com 93 anos, filho de João Matias Rocha (João
Lica), João Lica sendo primo e soldado de Arlindo, relata que quando se tinha
notícias que Lampião estava nas redondezas, seu pai pegava os filhos e a esposa
e levava para o sítio Lagoa Preta onde morava seu sogro Francisco Pedro da Silva,
e depois ia se juntar a volante de Arlindo Rocha, isso já depois do acontecido
nos Pilões.
A BATALHA
Era meados do
ano de 1924, e o delegado Arlindo Rocha vivia de sobreaviso devidos os recados
desaforados que recebia de Antônio Padre e Lampião, e sabedor da movimentação
de Antônio Padre nos arredores do sitio Pilões, e que um morador da localidade
poderia está dando guarida ao bando de seu desafeto, reúne alguns homens sendo
a maioria deles seus parentes: João Matias Rocha (João Lica), Manoel Matias Rocha
(primos de Arlindo), Vicente Pereira Matias, Marcolino Matias Leite,
(cunhados), Antônio Matias de Santana (genro), Acilon Faustino (amigo), e Pedro
Aureliano (morador da Fazenda Melancia de sua propriedade), partem da sua
fazenda Barrocas em direção aos Pilões distante dali aproximadamente duas
léguas. No final da tarde cercam a casa de José Targino o morador que diziam
está dando abrigo a Antônio Padre e seus cabras. Não encontrando o bando ali,
Arlindo energicamente inqueri o dono da residência sobre o paradeiro de seus
inimigos. Com sua casa cercada, José Targino conta ao delegado Arlindo, que
Antônio Padre e seus homens, estavam arranchados debaixo de dois pés de
umbuzeiros a cerca de 500 metros de distância de sua residência, e que na parte
da manhã, todos os dias ia deixar comida e água para os bandoleiros ali
alojados. Com a informação precisa da localização do bando, Arlindo traça uma
estratégia e resolve pernoitar na residência de José Targino, tomando as
devidas precauções para que sua presença e de seus homens não fosse notada por
nenhum membro do bando inimigo ou até mesmo por outros moradores da localidade.
Logo no início da manhã, o delegado começa a colocar seu plano em pratica, fala
para José Targino providenciar o almoço para o bando de Antônio Padre como
normalmente vinha fazendo, e que no horário costumeiro seu José Targino ia
levar a comida, porém, a água não, e que ao chegar lá sem a água, desse a
desculpa que tinha esquecido e que ia voltar para buscar. Como os umbuzeiros
ficavam na caatinga fechada, e a área era cortada por veredas muito estreitas,
Arlindo pede que seu José Targino na sua volta para buscar a água, viesse
quebrando alguns galhos para sinalizar melhor a direção, para não correrem o
risco de tomarem um caminho errado, que ao invés dos alojados receberem a água
iam receber fogo. Arlindo estava seguro que seu portador ia fazer de tudo para
cumprir o que foi combinado, ficou com seus homens fortemente armados na casa
junto com a família de seu José. Falar alguma coisa sobre a presença de Arlindo
na sua residência e de seu plano de ataque, era colocar a família em grande
perigo, obviamente era melhor para seu José Targino que o tiroteio ocorresse
longe de sua casa e de seus familiares. O local dos umbuzeiros ficava em um ponto
mais elevado em relação a casa da família Targino, a edificação estava
localizada em um baixio onde se cultivava arroz na época de inverno bom. Talvez
pela elevação do terreno, Arlindo tenha decidido seguir todos pelo mesmo
caminho e não se dividirem para cercar o local, esse tipo de manobra era
perigosa e que a movimentação de seus homens poderia alertar os arranchados,
fora o risco até de um fogo amigo, não tinha tempo a perder, o delegado e seus
homens rumam em direção ao coito do bando. Chegando perto dos umbuzeiros quando
avistaram os cabras, Arlindo Rocha e seus companheiros abrem fogo contra o
grupo de inimigos, onde alguns homens do bando de Antônio Padre tombam
mortalmente, porém, Antônio Padre e Gavião mesmo gravemente feridos, conseguem
fugir do local do tiroteio. Do grupo de Arlindo Rocha, apenas João Matias Rocha
(João Lica) sai com um ferimento ocasionado pelo estilhaço de pedra, na ocasião
João Lica pensou que tinha sido baleado, saia muito sangue do ferimento de seu
pé, chamando um dos companheiros para dá uma olhada, verificou-se que uma bala
acertou uma das muitas pedras do local, vindo um pedaço de uma delas acertar o
pé de João. Providenciaram o enterro dos inimigos mortos ali nos arredores onde
ocorreu a luta, logo depois voltam para a fazenda Barrocas.
A MORTE DE
GAVIÃO
Gavião ao
conseguir fugir do ataque, mesmo muito ferido toma o sentido do sitio alazão,
cerca de meia légua de distância do combate, ali morava um tio dele por nome de
Antonio Ricart. Era início da noite quando a tranquilidade e o silêncio da casa
são quebrados pelos latidos dos cachorros, seu Antonio pede para seu filho
Joaquim bradar os cachorros e ver do que se tratava. Os cães enfurecidos não
obedeciam ao pedido, então Joaquim pega uma pequena pedra e joga em direção ao
alvoroço, uma voz de dentro do mato ecoa –é Quinca? Joaquim confirma que sim,
não atire pedra não, cadê meu tio Antonio? aqui é Gavião, chame meu tio Antonio
eu quero falar com ele. Seu Antonio Ricart vai de encontro a ele que se
encontrava deitado muito debilitado devido os ferimentos, então Gavião pede sua
benção e proteção, num primeiro momento o tio responde que na sua casa não, não
podia dá guarida a cangaceiro porque certamente sua residência seria cercada
pela polícia. Seu Antonio decide deixar Gavião passar a noite na sua casa, mais
que pela manhã ia leva-lo para um local mais afastado debaixo de um pé de
juazeiro e ia ficar levando comida e água. Durante o decorrer da noite tratam
os ferimentos do cangaceiro, usando raspa de casca de juá e creolina, e assim
que amanhece transportam o ferido para o local escolhido. Antonio Ricart
resolve procurar o seu compadre Arlindo Rocha e colocá-lo a par da situação do
seu sobrinho cangaceiro, talvez sem saber que Gavião estava no grupo de Antonio
Padre, inimigo mortal de seu compadre. Arlindo Rocha ao saber de onde se
encontrava um cabra ferido e que tinha participado do fogo dos Pilões, chama
seu primo João Matias Rocha (João Lica), Marcolino Matias Leite e mais um outro
homem, e ordenou que fossem atrás do cangaceiro. Os três homens de sua
confiança seguem rumo ao local indicado por Antonio Ricart, mesmo informados da
situação em que se encontrava o indivíduo, foram bem armados para qualquer
eventualidade. Ao chegarem no sitio Alazão, se aproximam com o máximo de
cuidado do pé de juazeiro e observam que o homem está ali deitado, logo cercam
o local e pegam Gavião, esse não esbouçou nenhuma reação estava gravemente
ferido, suas pernas estavam varadas de bala. Os homens vasculham os arredores
do juazeiro a procura de armas e não encontram, perguntam ao cangaceiro por sua
arma, Gavião diz que a escondeu em um tronco de catingueira entre o seu trajeto
dos Pilões até aquele local, não podia carrega-la, por causa de seus ferimentos
nas pernas, praticamente só se arrastava. Com Gavião dominado, Marcolino
pergunta ao cangaceiro o que ele faria se encontrasse o inimigo ferido? Gavião
então responde, o mesmo o que vocês vão fazer comigo, só peço que me coloquem
de costas para vocês. Marcolino era conhecido pela sua inclemência para com o
inimigo, inclusive tinha um habito macabro de cortar as orelhas dos seus
desafetos salga-las e depois colocar em um cordão, terminou seus dias sofrendo
de problemas mentais. O último pedido de Gavião foi atendido, o colocaram de
costas e o crivaram de bala.
CORPO DE
ANTONIO PADRE
Passados
alguns dias do fogo nos Pilões, moradores observam a presença de muitos urubus,
saíram à procura do que estava chamando a atenção daquelas aves que são
conhecidas por se alimentarem de animais em decomposição “carniça”, entre esses
moradores estava seu José Targino. Quando seguiam por uma vereda estreita que
levava em direção a um córrego onde os urubus sobrevoavam, encontraram um
chapéu e umas alpercatas, ali a fedentina de carniça era grande, proveniente do
corpo de Antonio Padre que se encontrava logo a frente dentro do córrego em
avançado estado de decomposição. O corpo só foi reconhecido devido as
vestimentas, seu José Targino tinha estado com ele no dia do tiroteio. Seu José
Targino junto com outras pessoas cavam uma cova ali perto e enterram o que
sobrou do corpo do cangaceiro Antonio Padre.
CAPITÃO
ARLINDO ROCHA
Depois do
ocorrido nos Pilões, Arlindo Rocha viaja ao Recife e procura o secretário de
segurança, recebe armamento e é contratado como sargento e alguns parentes e
amigos como soldados, a partir desse momento monta sua própria volante e sai em
perseguição a Lampião, se tornando um dos maiores perseguidores do banditismo
rural do sertão. Arlindo Rocha participou de muitos combates contra cangaceiros,
um deles foi o do famoso combate da Serra Grande no dia 26 de novembro de 1926
que a época pertencia a Flores-PE, e hoje ao município de Calumbi-PE, saindo
Arlindo com um ferimento no queixo.
Observação: Os
dois pés de umbuzeiro que tinham as marcas de bala do tiroteio, onde os
cangaceiros ficaram arranchados não existe mais, o local foi desmatado para
passagem da transposição do rio São Francisco. As pessoas não souberam informar
o nome dos outros cangaceiros que teriam morrido nesse mesmo fogo.
Fontes: José
Romão Batista Targino (Zé de Penhinha), nascido nos Pilões e bisneto de José
Targino, sendo bisneto de Zé Targino ouviu muitas vezes de parentes como
aconteceu o fogo dos Pilões; Rogério Ferreira Barboza (Rogério de Lulú) formado
em História; Manoel Matias Rocha (Manoelzinho) filho mais velho de João Matias
Rocha (João Lica) hoje com 93 anos; Renato Rocha, neto de João Lica, que chegou
a gravar uma fita com seu avô contando como ocorreu o combate nos pilões e a
morte de Gavião, infelizmente a fita com a gravação foi extraviada; Maria Leite
Rocha, neta de Arlindo Rocha que nos contou sobre os recados que Lampião e
Antonio Padre enviavam para seu avô; Antonio Ricart (Padrasto de Zé de
Penhinha), neto de Antonio Ricart que era tio de Gavião, seu José Romão Batista
Targino (Zé de Penhinha) gravou um áudio com ele, onde ele fala como Gavião
chega na casa de seu avô no sítio Alazão; Adelaide Ferreira Campos, Odenar
Ferreira Rocha (seu Dida) e Maria Ferreira Rocha (Iaia) filhos de Generosa
Leite da Rocha (filha de Arlindo) e de Pedro Leandro Ferreira, cederam as fotos
do seu avô Arlindo Rocha e de seus pais. Maria Ferreira Rocha (Iaiá)
infelizmente faleceu no dia 19 de agosto de 2018, dias depois de gentilmente
ter recebido a gente na sua residência em Penaforte-CE. www.joaodesouzalima.com, Lampião e o Combate de Serra
Grande: por João de Souza Lima; blogdomendesemendes.blogspot.com, Arlindo Rocha O Queixo de
Ferro por Sávio Siqueira; cariricangaco.blogspot.com, A Saga de Chico Chicote e o
Fogo das Guaribas, por Manoel Severo.
Salgueiro-PE,
26 de outubro de 2018
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