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sexta-feira, 26 de outubro de 2018

O SERTÃO DE ARLINDO ROCHA, O CAPITÃO DAS BARROCAS (O FOGO DOS PILÕES)



Por Cicero Aguiar Ferreira, com a colaboração de Renato Rocha (neto de João Lica), José Romão Batista Targino (Zé de Penhinha) e Rogério Ferreira Barboza (Rogerio de Lulú).

Foi a partir da década de 20 que o cangaço lampiônico se intensificou nos sertões nordestino, para ser mais preciso, a partir do mês de agosto de 1922 na fazenda Preá município de Serrita-PE divisa com o município de Jardim, na propriedade pertencente à época a Napoleão Franco da Cruz Neves, quando Sebastião Pereira da Silva (Sinhô Pereira) resolveu deixar o Nordeste e seguir para o norte de Goiás onde Luiz Pereira da Silva Jacobina (Luiz Padre) seu primo já se encontrava. Lampião e os irmãos (Os Ferreiras) entraram no grupo de Sinhô Pereira em meados do ano de 1921 depois das desavenças com José Alves de Barros (Zé Saturnino), foram aproximadamente 1 ano e alguns meses ao lado de Sinhô Pereira. Mais foi a partir de agosto de 1922 que Virgolino Ferreira da Silva (Lampião) se torna definitivamente comandante do bando, entrando para a história como maior líder cangaceiro que já existiu.


Com a liderança do grupo, Lampião intensifica suas ações na região do sertão, deixando o sertanejo apreensivo e temeroso, além da seca e da fome que periodicamente assolava, soma-se também a violência do cangaço lampiônico. Era nessa conjuntura que o sertanejo Arlindo Rocha vivia na sua propriedade Barrocas, município de Salgueiro-PE, cuidando das suas propriedades e de um pequeno comercio que vendia fazenda “tecidos”, e exercendo o cargo de delegado da cidade de Salgueiro-PE. Arlindo Rocha nasceu em 23 de março de 1883, faleceu em 07 de outubro de 1956, era filho de Joaquim de Aquino Rocha e de Isabel Matias Rocha, casou-se duas vezes, dos dois casamentos nasceram 17 filhos, 11 filhos do primeiro casamento com Maria e 6 do segundo com Tereza (Têca).


FOGO DOS PILÕES

No exercício da função de delegado da cidade de Salgueiro, Arlindo Rocha emprega a pessoa conhecida como Antônio Padre, que sendo absolvido de um júri popular de um crime que cometeu, recorreu ao delegado para ajuda-lo, Arlindo atendendo ao pedido o leva para trabalhar na fazenda Barrocas. Arlindo Rocha e sua família residiam nas Barrocas, tinha mais outras duas propriedades, fazenda Melancia e Caieiras. O trabalho na fazenda e a convivência com a família, desperta em Antônio Padre uma paixão pela filha mais velha do patrão que se chamava Generosa Leite da Rocha (Generosa). Antônio, certamente ciente que Arlindo não aceitaria o relacionamento, e que se ele tomasse conhecimento, tomaria a sua atitude como uma desfeita, resolve propor a Generosa que ela fugisse com ele. Quando Arlindo fica sabendo das intenções de Antônio, se senti afrontado e expulsa o seu até então protegido de sua fazenda. Antônio Padre ruma em direção ao Ceará, parando nas terras de Francisco Pereira de Lucena (Chico Chicote) que aproximadamente 3 anos mais tarde é morto no famoso cerco a sua propriedade, pelas volantes policiais “ Fogo das Guaribas” uma dessas volantes era a do tenente Arlindo Rocha. Sobre a proteção do valente Chico Chicote e a aproximação com Lampião, Antônio Padre junto com Lampião de tempos em tempos enviava recados desaforados para Arlindo Rocha, ameaçando roubar a sua filha Generosa, como bem nos relatou a neta do Cap. Arlindo Rocha a Senhora Maria Leite Rocha que ainda reside nas Barrocas, em um desses recados Lampião dizia que ia “Partir a Melancia, aterrar as Barrocas e derrubar as Caieiras”, se referindo as propriedades de Arlindo. Com as constantes ameaças recebidas, Arlindo Rocha deixa alguns parentes e amigos em alerta para um eventual ataque de Lampião e Antônio Padre a uma de suas propriedades.


AS NOTÍCIAS DE QUE LAMPIÃO ESTAVA NA REGIÃO

Quando se tinha notícias que Lampião estava na região, todos ficavam em alerta máximo, tratavam de esconder a família em um lugar mais seguro possível. Seu Manoel Matias Rocha (Manoelzinho) nascido aproximadamente um ano depois do Fogo dos Pilões no dia 06/03/1925 hoje com 93 anos, filho de João Matias Rocha (João Lica), João Lica sendo primo e soldado de Arlindo, relata que quando se tinha notícias que Lampião estava nas redondezas, seu pai pegava os filhos e a esposa e levava para o sítio Lagoa Preta onde morava seu sogro Francisco Pedro da Silva, e depois ia se juntar a volante de Arlindo Rocha, isso já depois do acontecido nos Pilões.

A BATALHA

Era meados do ano de 1924, e o delegado Arlindo Rocha vivia de sobreaviso devidos os recados desaforados que recebia de Antônio Padre e Lampião, e sabedor da movimentação de Antônio Padre nos arredores do sitio Pilões, e que um morador da localidade poderia está dando guarida ao bando de seu desafeto, reúne alguns homens sendo a maioria deles seus parentes: João Matias Rocha (João Lica), Manoel Matias Rocha (primos de Arlindo), Vicente Pereira Matias, Marcolino Matias Leite, (cunhados), Antônio Matias de Santana (genro), Acilon Faustino (amigo), e Pedro Aureliano (morador da Fazenda Melancia de sua propriedade), partem da sua fazenda Barrocas em direção aos Pilões distante dali aproximadamente duas léguas. No final da tarde cercam a casa de José Targino o morador que diziam está dando abrigo a Antônio Padre e seus cabras. Não encontrando o bando ali, Arlindo energicamente inqueri o dono da residência sobre o paradeiro de seus inimigos. Com sua casa cercada, José Targino conta ao delegado Arlindo, que Antônio Padre e seus homens, estavam arranchados debaixo de dois pés de umbuzeiros a cerca de 500 metros de distância de sua residência, e que na parte da manhã, todos os dias ia deixar comida e água para os bandoleiros ali alojados. Com a informação precisa da localização do bando, Arlindo traça uma estratégia e resolve pernoitar na residência de José Targino, tomando as devidas precauções para que sua presença e de seus homens não fosse notada por nenhum membro do bando inimigo ou até mesmo por outros moradores da localidade. Logo no início da manhã, o delegado começa a colocar seu plano em pratica, fala para José Targino providenciar o almoço para o bando de Antônio Padre como normalmente vinha fazendo, e que no horário costumeiro seu José Targino ia levar a comida, porém, a água não, e que ao chegar lá sem a água, desse a desculpa que tinha esquecido e que ia voltar para buscar. Como os umbuzeiros ficavam na caatinga fechada, e a área era cortada por veredas muito estreitas, Arlindo pede que seu José Targino na sua volta para buscar a água, viesse quebrando alguns galhos para sinalizar melhor a direção, para não correrem o risco de tomarem um caminho errado, que ao invés dos alojados receberem a água iam receber fogo. Arlindo estava seguro que seu portador ia fazer de tudo para cumprir o que foi combinado, ficou com seus homens fortemente armados na casa junto com a família de seu José. Falar alguma coisa sobre a presença de Arlindo na sua residência e de seu plano de ataque, era colocar a família em grande perigo, obviamente era melhor para seu José Targino que o tiroteio ocorresse longe de sua casa e de seus familiares. O local dos umbuzeiros ficava em um ponto mais elevado em relação a casa da família Targino, a edificação estava localizada em um baixio onde se cultivava arroz na época de inverno bom. Talvez pela elevação do terreno, Arlindo tenha decidido seguir todos pelo mesmo caminho e não se dividirem para cercar o local, esse tipo de manobra era perigosa e que a movimentação de seus homens poderia alertar os arranchados, fora o risco até de um fogo amigo, não tinha tempo a perder, o delegado e seus homens rumam em direção ao coito do bando. Chegando perto dos umbuzeiros quando avistaram os cabras, Arlindo Rocha e seus companheiros abrem fogo contra o grupo de inimigos, onde alguns homens do bando de Antônio Padre tombam mortalmente, porém, Antônio Padre e Gavião mesmo gravemente feridos, conseguem fugir do local do tiroteio. Do grupo de Arlindo Rocha, apenas João Matias Rocha (João Lica) sai com um ferimento ocasionado pelo estilhaço de pedra, na ocasião João Lica pensou que tinha sido baleado, saia muito sangue do ferimento de seu pé, chamando um dos companheiros para dá uma olhada, verificou-se que uma bala acertou uma das muitas pedras do local, vindo um pedaço de uma delas acertar o pé de João. Providenciaram o enterro dos inimigos mortos ali nos arredores onde ocorreu a luta, logo depois voltam para a fazenda Barrocas.

A MORTE DE GAVIÃO

Gavião ao conseguir fugir do ataque, mesmo muito ferido toma o sentido do sitio alazão, cerca de meia légua de distância do combate, ali morava um tio dele por nome de Antonio Ricart. Era início da noite quando a tranquilidade e o silêncio da casa são quebrados pelos latidos dos cachorros, seu Antonio pede para seu filho Joaquim bradar os cachorros e ver do que se tratava. Os cães enfurecidos não obedeciam ao pedido, então Joaquim pega uma pequena pedra e joga em direção ao alvoroço, uma voz de dentro do mato ecoa –é Quinca? Joaquim confirma que sim, não atire pedra não, cadê meu tio Antonio? aqui é Gavião, chame meu tio Antonio eu quero falar com ele. Seu Antonio Ricart vai de encontro a ele que se encontrava deitado muito debilitado devido os ferimentos, então Gavião pede sua benção e proteção, num primeiro momento o tio responde que na sua casa não, não podia dá guarida a cangaceiro porque certamente sua residência seria cercada pela polícia. Seu Antonio decide deixar Gavião passar a noite na sua casa, mais que pela manhã ia leva-lo para um local mais afastado debaixo de um pé de juazeiro e ia ficar levando comida e água. Durante o decorrer da noite tratam os ferimentos do cangaceiro, usando raspa de casca de juá e creolina, e assim que amanhece transportam o ferido para o local escolhido. Antonio Ricart resolve procurar o seu compadre Arlindo Rocha e colocá-lo a par da situação do seu sobrinho cangaceiro, talvez sem saber que Gavião estava no grupo de Antonio Padre, inimigo mortal de seu compadre. Arlindo Rocha ao saber de onde se encontrava um cabra ferido e que tinha participado do fogo dos Pilões, chama seu primo João Matias Rocha (João Lica), Marcolino Matias Leite e mais um outro homem, e ordenou que fossem atrás do cangaceiro. Os três homens de sua confiança seguem rumo ao local indicado por Antonio Ricart, mesmo informados da situação em que se encontrava o indivíduo, foram bem armados para qualquer eventualidade. Ao chegarem no sitio Alazão, se aproximam com o máximo de cuidado do pé de juazeiro e observam que o homem está ali deitado, logo cercam o local e pegam Gavião, esse não esbouçou nenhuma reação estava gravemente ferido, suas pernas estavam varadas de bala. Os homens vasculham os arredores do juazeiro a procura de armas e não encontram, perguntam ao cangaceiro por sua arma, Gavião diz que a escondeu em um tronco de catingueira entre o seu trajeto dos Pilões até aquele local, não podia carrega-la, por causa de seus ferimentos nas pernas, praticamente só se arrastava. Com Gavião dominado, Marcolino pergunta ao cangaceiro o que ele faria se encontrasse o inimigo ferido? Gavião então responde, o mesmo o que vocês vão fazer comigo, só peço que me coloquem de costas para vocês. Marcolino era conhecido pela sua inclemência para com o inimigo, inclusive tinha um habito macabro de cortar as orelhas dos seus desafetos salga-las e depois colocar em um cordão, terminou seus dias sofrendo de problemas mentais. O último pedido de Gavião foi atendido, o colocaram de costas e o crivaram de bala.

CORPO DE ANTONIO PADRE

Passados alguns dias do fogo nos Pilões, moradores observam a presença de muitos urubus, saíram à procura do que estava chamando a atenção daquelas aves que são conhecidas por se alimentarem de animais em decomposição “carniça”, entre esses moradores estava seu José Targino. Quando seguiam por uma vereda estreita que levava em direção a um córrego onde os urubus sobrevoavam, encontraram um chapéu e umas alpercatas, ali a fedentina de carniça era grande, proveniente do corpo de Antonio Padre que se encontrava logo a frente dentro do córrego em avançado estado de decomposição. O corpo só foi reconhecido devido as vestimentas, seu José Targino tinha estado com ele no dia do tiroteio. Seu José Targino junto com outras pessoas cavam uma cova ali perto e enterram o que sobrou do corpo do cangaceiro Antonio Padre.

CAPITÃO ARLINDO ROCHA

Depois do ocorrido nos Pilões, Arlindo Rocha viaja ao Recife e procura o secretário de segurança, recebe armamento e é contratado como sargento e alguns parentes e amigos como soldados, a partir desse momento monta sua própria volante e sai em perseguição a Lampião, se tornando um dos maiores perseguidores do banditismo rural do sertão. Arlindo Rocha participou de muitos combates contra cangaceiros, um deles foi o do famoso combate da Serra Grande no dia 26 de novembro de 1926 que a época pertencia a Flores-PE, e hoje ao município de Calumbi-PE, saindo Arlindo com um ferimento no queixo.

Observação: Os dois pés de umbuzeiro que tinham as marcas de bala do tiroteio, onde os cangaceiros ficaram arranchados não existe mais, o local foi desmatado para passagem da transposição do rio São Francisco. As pessoas não souberam informar o nome dos outros cangaceiros que teriam morrido nesse mesmo fogo.

Fontes: José Romão Batista Targino (Zé de Penhinha), nascido nos Pilões e bisneto de José Targino, sendo bisneto de Zé Targino ouviu muitas vezes de parentes como aconteceu o fogo dos Pilões; Rogério Ferreira Barboza (Rogério de Lulú) formado em História; Manoel Matias Rocha (Manoelzinho) filho mais velho de João Matias Rocha (João Lica) hoje com 93 anos; Renato Rocha, neto de João Lica, que chegou a gravar uma fita com seu avô contando como ocorreu o combate nos pilões e a morte de Gavião, infelizmente a fita com a gravação foi extraviada; Maria Leite Rocha, neta de Arlindo Rocha que nos contou sobre os recados que Lampião e Antonio Padre enviavam para seu avô; Antonio Ricart (Padrasto de Zé de Penhinha), neto de Antonio Ricart que era tio de Gavião, seu José Romão Batista Targino (Zé de Penhinha) gravou um áudio com ele, onde ele fala como Gavião chega na casa de seu avô no sítio Alazão; Adelaide Ferreira Campos, Odenar Ferreira Rocha (seu Dida) e Maria Ferreira Rocha (Iaia) filhos de Generosa Leite da Rocha (filha de Arlindo) e de Pedro Leandro Ferreira, cederam as fotos do seu avô Arlindo Rocha e de seus pais. Maria Ferreira Rocha (Iaiá) infelizmente faleceu no dia 19 de agosto de 2018, dias depois de gentilmente ter recebido a gente na sua residência em Penaforte-CE. www.joaodesouzalima.com, Lampião e o Combate de Serra Grande: por João de Souza Lima; blogdomendesemendes.blogspot.com, Arlindo Rocha O Queixo de Ferro por Sávio Siqueira; cariricangaco.blogspot.com, A Saga de Chico Chicote e o Fogo das Guaribas, por Manoel Severo.

Salgueiro-PE, 26 de outubro de 2018

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