Por João de Sousa Lima
Trilhas do cangaço: um lugar onde a lei tarda a chegar
JOÃO PEDRO
PITOMBO, EM PAULO AFONSO (BA)
Nas estradas
de barro que cortam a zona rural de Paulo Afonso, no norte da Bahia, as peças
surgem como num quebra-cabeça: uma montanha, uma árvore, um casarão destruído e
uma casinha de taipa que resiste bravamente à ação do tempo.
Cada peça
conta uma história, num grande museu a céu aberto de um movimento que marcou o
Nordeste brasileiro nos anos 1920 e 1930: o cangaço.
Terra de Maria
Bonita –mulher de Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, o mais famoso de
todos os cangaceiros–, Paulo Afonso tenta despontar como rota do turismo
histórico no Brasil.
Ao lado do
historiador João de Sousa Lima, com seis livros publicados sobre o cangaço, o
blog percorreu um dos cinco roteiros do cangaço numa tarde nublada de agosto.
O destino era
o Museu Casa de Maria Bonita, instalado na casa de taipa onde nasceu a
cangaceira.
Mais do que o
museu, contudo, o trajeto de 37 km por uma estrada de barro é o grande chamariz
do roteiro. A rota segue por áreas próximas ao Raso da Catarina –região
conhecida por ser uma das áreas mais inóspitas do semiárido nordestino e, por
isso, estratégica para os cangaceiros.
É nesse
roteiro que está a casa e a capela que pertenciam a Generosa Gomes de Sá – uma
poderosa e rica fazendeira, dona de um dos maiores rebanhos de caprinos da
região no início do século 20.
Assim como
outros grandes fazendeiros da região, era uma “coiteira”: dava abrigo a
cangaceiros da região. Na sua casa, Lampião deu vários bailes, na época já
conhecidos como “forrós”.
Foi lá que
Lampião pôs para correr um sobrinho de dona Generosa, conhecido como Louro, que
achou por bem fazer graça sobre os forrós do cangaceiro.
Para voltar à
cidade, teve de ir a Juazeiro do Norte (CE) pedir ajuda a Padre Cícero
–sacerdote que faz parte do imaginário nordestino e que foi padrinho de
Lampião.
Com um bilhete
do padre, voltou para casa. Mas recebeu o recado do cangaceiro: na próxima vez,
nem um recado de Jesus o salvaria.
Em frente à
casa de Generosa, está a cruz que marca o local onde foi enterrado o soldado Zé
Pretinho. Em 1931, ele foi amarrado numa árvore próxima e morto por
companheiros da polícia, que ali brincaram de tiro ao alvo.
“Ele estava
com os policiais num esconderijo e saiu para buscar comida. Horas depois,
Lampião chegou ao local e matou 16 soldados. Zé Pretinho acabou morrendo como
delator”, conta o historiador João de Sousa Lima.
Nesse combate
com a polícia, os cangaceiros tiveram uma importante baixa: Ezequiel, o irmão
mais novo de Lampião.
Quilômetros
depois, no povoado de Riacho, desponta no horizonte a Serra do Umbuzeiro, local
onde Lampião e outros cangaceiros se escondiam em cavernas para fugir de
emboscadas da polícia.
Ao fim da
rota, no povoado Malhada do Caiçara, está a casa de onde Maria Bonita saiu para
ser a primeira mulher a integrar o cangaço. Com três cômodos, tem objetos e
fotos da época e é guardada até hoje por descendentes da mulher de Lampião.
Por ironia, o
museu que conta um dos capítulos mais importantes do banditismo no Brasil foi
assaltado um dia antes da nossa visita.
Dez fotos da
época foram roubadas. Os vizinhos sabem quem fez o assalto, mas ninguém foi
preso, nem os retratos recuperados.
Quase um
século depois do auge do cangaço, a lei ainda tarda a chegar aos caminhos de
Maria Bonita e Lampião.
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Enviado pelo escritor e pesquisador do cangaço João de Sousa Lima
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