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segunda-feira, 30 de março de 2020

MINHAS IMPRESSÕES SOBRE O LIVRO DO LAMPIÃO DE PÃO DE AÇÚCAR


Por Junior Almeida

Muita gente já falou em grupos especializados em cangaço no Facebook e também nos de WhatsApp sobre a obra “Lampião a sua Verdadeira Morte - Angicos Não Foi o Fim”, do escritor Antônio Pinto, obra que tem a presunção de contestar TODA literatura cangaceira e todos os depoimentos dos remanescentes da época, cangaceiros, coiteiros e volantes. O livro é fininho, são apenas 104 páginas, muitas delas preenchidas com fotografias, então, de uma tirada só dá pra ler. Como não acho correto elogiar ou criticar um livro sem conhecer, quis tirar minhas próprias conclusões depois de ler. Vamos lá:

A capa tem uma fotografia de Lampião (legítimo) ao lado do “Lampião de Buritis”, de autoria do fotógrafo mineiro Geraldo Aguiar. O detalhe é que acrescentaram por programa de computador uns óculos com um tapa olho na imagem. Será que o autor quis usar a técnica do Super-Homem, que se disfarça apenas com óculos e achou que ninguém reconheceria o Lampião mineiro? Tive essa impressão.

O prefácio feito por um padre, a princípio um homem de Deus, tenta passar credibilidade ao leitor, mas se percebe logo que o religioso sabe tanto de cangaço como um ateu sabe da missa.

Na página 11 do livro eu achei que tivesse lido errado e voltei no texto. Confesso que tive vontade de parar de ler, mas insisti e fui em frente. Dá pra acreditar que o autor diz que as pinturas rupestres espalhadas pelo Nordeste são obras de alienígenas, que desembarcaram aqui em suas naves espaciais?! É mole? Papel aceita cada coisa...

Na 15, Pinto faz um resumo do resumo das brigas entre os irmãos Ferreira com Zé de Saturnino, inclusive fala nas cercas que dividiam as propriedades de Zé Ferreira e o velho Saturnino das Pedreiras, quando se sabe que as confusões entre as famílias se deram justamente pela falta destas, o que fazia que os animais fossem de uma propriedade à outra sem nada que os impedisse.

Duas páginas adiante uma informação nova, pelo menos pra mim: segundo o autor, os filhos de Zé Ferreira assistiram a sua morte, quando a volante comandada por Zé Lucena estava na propriedade onde ele morava justamente procurando Antônio, Virgulino e Levino, envolvidos num assalto na então vila de Pariconha. Dá pra imaginar três “doces meninos”, os cangaceiros Esperança, Lampião e Vassoura, ver o pai morrer crivado de balas e não reagir?

Página 18 o escritor diz que a palavra “macaco”, como jocosamente os cangaceiros se referiam aos policiais, tem origem no fato de “os militares terem origem pobre, mas serviam ao governo dos ricos, fazendeiros e grileiros, vindo a PULAR de posição ficando contra suas origens”. Interessante...

Na 20 ele diz que foi por ordem de Getúlio Vargas que uma força volante de um Estado poderia entrar em outro, mas só lembrando que Getúlio Vargas assumiu pela primeira vez a Presidência da República em 1930, sendo que em 1922 os poderes ESTADUAIS das Unidades da Federação atingidos pelo cangaceirismo, já haviam assinado um tratado de cooperação.

Na página seguinte o autor fala que Joca Bernardes em 27 de julho de 1938 foi a Entremontes e não à feira de Piranhas dizer ao “tenente Aniceto” que Pedro de Cândido sabia onde o bando de Lampião se encontrava, e na página 22 ele se refere ao local que Lampião e parte do seu bando tombaram sem vida como GRUTA de Angicos. Apesar de mudar apenas uma letra na palavra o correto é GROTA, pois como o autor se referiu, passa a impressão ao leitor desatento que o cangaceiro morreu numa caverna.

Página 24 o escritor diz que a ação policial que resultou na morte de Virgulino era denominada “operação pijama”. Hã?! Confesso que desconhecia isso. No bom “cearês”: Aí dentro, macho!

No capítulo 23, o autor reforça o seu lado na história, pois se refere aos policiais volantes como sendo “covardes”, e aos cangaceiros como “pobres e indefesos”. Anteriormente Antônio Pinto já tinha exaltado os bandidos, chamando-os de “heróis, bravos, valentes” e que tinham qualidades de “ariscos e ligeiros”.

Mais duas páginas pra frente, uma revelação do outro mundo, literalmente falando, pois vem do mundo do além. Pinto afirma que Antônio Ferreira, irmão de Lampião, morto na Fazenda Poço do Ferro, do Coronel Ângelo (Anjo) da Jia, em Ibimirim, Pernambuco, no começo de 1927, estava também em Angicos em 1938. Podem acreditar, tem isso no livro.

No capítulo 8, “Lampião ferido sim, vencido nunca”, o autor discorre de como supostamente o rei do cangaço escapou do massacre de Angicos e mostra mais uma vez que não é do time das volantes, pois se refere mais uma vez aos militares com desdém, e os condenando, ao afirmar que “após matarem os cangaceiros em Angicos, os militares todos bêbados, riam muito”. Só uma pergunta: quando o time da gente ganha, a gente se alegra e ri, ou fica triste e chora? Agora deu mesmo! Historiador não pode ter lado.

Na página 27 o autor diz que durante a chuva de balas de Angicos Lampião ficou escondido numa caverna. Já fui algumas vezes ao local e de novo confesso desconhecer uma caverna por lá, mas como o escritor chamou o a grota de gruta, pode ser que exista, não é?

Na página seguinte mais uma afirmação do outro mundo, acrescentando dessa vez uma viagem no tempo, pois Antônio Pinto diz que Lampião após escapar ferido do tiroteio, foi a Juazeiro agradecer ao Padre Cícero o livramento. Um detalhezinho de nada que o autor não se atentou: o Patriarca do Juazeiro tinha morrido havia QUATRO ANOS. Morreu em 20 de julho de 1934. Pois é, segundo a obra do escritor de Pão de Açúcar, Antônio Ferreira reviveu depois de mais de uma década e o Padim, depois de quatro anos.

Na 29, o livro tem a foto da placa colocada pela Prefeitura de Poço Redondo na Grota de Angico como sendo a primeira cruz do local de morte, não se referindo em nenhum momento a cruz de madeira colocada por João Ferreira, irmão de Lampião e a de metal, colocada depois pelo tenente João Bezerra e que hoje se encontra em uma faculdade de Aracaju.

Mais duas páginas adiante mais um erro de identificação: a famosa foto das cabeças dos cangaceiros na calçada da prefeitura de Piranhas, o Palácio Pedro II, é postada como se fosse na cidade de Pão de Açúcar, também em Alagoas. A imagem é conhecidíssima, me admira o autor não saber disso.

Página 34 tem o desenho tosco do autor mostrado como se fosse uma fotografia, mostrando a casa do homem que ele afirma que era Lampião, e que usava o nome de João Novato.

Um trecho curioso na página seguinte, pois Antônio Pinto alfineta os moradores da sua terra, ao dizer que o povo de Pão de Açúcar “acolhe os novos moradores e maltrata os conterrâneos”. Particularmente achei uma forte crítica por parte do autor. Pode ser que magoado com alguém, ele teceu críticas a todos e tais comentários no livro expliquem o fiasco do lançamento da obra e o enterro simbólico de João Novato/Lampião. Os vídeos apresentados nas redes sociais mostraram os gatos pingados participantes dos eventos. Foi de dar dó.

Página 36 tem outro desenho, que parece ter sido feito por uma criança, alegando ser um retrato da rua que morou João Novato/Lampião e na 41 fala do principal personagem do seu livro como sendo um grande contador de histórias, tendo sua esposa Rita ao seu lado, confirmando tudo. Acho que o autor se inspirou em Panteleão, personagem de Chico Anísio, que tinha seu bordão “é mentira, Terta?!” – Verdade! Respondia ela, com sua voz fina.

A partir da página 58 o autor apresenta várias fotos de objetos que supostamente provariam que João Novato era na verdade Virgulino Ferreira. Na 79 tem até uma foto de Tânia Alves, caracterizada de Maria Bonita, no famoso seriado da Globo, do ano de 1982, para mostrar como eram as toldas dos cangaceiros.

Mais pra frente, na página 87 Pinto novamente recorre aos assuntos do outro mundo. Transcrevendo o depoimento da testemunha Heitor Pinto, o autor diz que “em sua rua aparecia um lobisomem que corria pelos telhados das casas e, que Lampião teria lhe dado um punhal, que bastava mostrar ao bicho, que ele correria com medo”. Segundo o relato, foi exatamente o que aconteceu.

Na 90, uma testemunha do livro diz que Lampião dançava para os estudantes que passavam em sua rua e na página 93 outro depoimento descreve o suposto como Lampião como um homem bastante extrovertido, diferente dos primeiros relatos, que dizem que o homem mal saia de casa, sendo bastante arisco.

Como podemos observar nesses pontos por nós apontados, o livro traz alienígenas, viagens no tempo, ressurreição dos mortos (Antônio Ferreira e Padre Cícero), lobisomem e várias outras “viagens” do autor, e isso sem falar nuns errinhos de português e digitação, que podem estar em todo tipo de obra, até de autores renomados, mas não revela o mais importante que o livro deveria revelar: VERDADE. Em nenhum momento nada de nada de verdadeiro foi apresentado pelo autor Antônio Pinto. Se ele colocasse na capa ou primeira página que sua obra se tratava de uma fantasia, tudo bem, mas tentar vender por verdade essa loucura é no mínimo um absurdo. O escritor pode até reclamar do “pau” que tem levado da imprensa e nas redes sociais, mas sem razão, pois quando uma pessoa se propõe a escrever o que ele escreveu, tem que ter o coro grosso e se preparar pra o que estava pra vir.


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