Autor: Rostand Medeiros
Recentemente
estive mais uma vez naquele que, em minha opinião, é o maior templo da memória
da região Nordeste, o Arquivo Público do Estado de Pernambuco.
Viveu Muitos
Anos na Capital Pernambucana e Era Torcedor do Sport Club Recife
No centenário
edifício na Rua do Imperador, localizado no centro do Recife, está uma das mais
importantes hemerotecas do país. Apesar de prioritariamente abrigar a memória
pernambucana, pessoas de outros estados da região sempre encontram muito
material interessante, com boas histórias para contar.
Fachada do
Arquivo Púbico do Estado de Pernambuco – Fonte –http://www.cliografia.com/
Ao buscar
realizar uma coleta de dados para um trabalho sobre a Segunda Guerra Mundial,
me deparei com inúmeros e interessantes materiais. Daí surgiu à história, na
verdade um epitáfio, de um jovem inglês chamado Thomas Peter
Logan Griffith. Comentava que ele já havia morado em Recife, possuía
família naquela bela cidade, era bem conhecido da sociedade local e havia
morrido em combate em Malta.
Forte Ligação
Inglesa Com Pernambuco
Thomas Peter
Logan Griffith, ou Tom Griffith, nasceu em 09 de junho de 1917, em Cringleford,
Norfolk. Era filho de Thomas Logan Griffith e Lucy Irene Beryl Blomfield, mas
sua família tinha uma antiga e forte ligação com o Brasil. Seu avô se chamavaa
Thomas Comber Griffith, representante em Recife da empresa de navegação Price
Line Ltd, era casado com Isabel Clara Prangley, uma típica inglesa de Norfolk,
mas com um nome tipicamente português. Eles tiveram dois filhos nascidos em
Recife e outros que casaram nesta cidade.
Isso não era
nenhuma novidade, pois os súditos da coroa inglesa sempre mantiveram fortes
laços com Pernambuco. Assim como o avô e o pai de Tom Griffith, muitos destes
estrangeiros exerciam cargos em empresas inglesas existentes em Pernambuco e
espalhadas pelo Nordeste. Era o caso da Western Telegraph Company, da
Pernambuco Tramways and Power Company, da Great Western of Brazil Railway
Company (que possuía ramal ferroviário até Natal), da Telephone Company of
Pernambuco, do Bank of London & South America, do London & River
Plate Bank, da Price Waterhouse, da Machine Cotton, White
Martins e de outros mais.
Os ingleses
exerciam inegável influência entre a elite social pernambucana, divulgando seus
hábitos, suas comidas, suas bebidas, sua maneira de vestir e seus esportes
tradicionais, principalmente o “foot-ball”.
Vamos
encontrar o pai de Tom Griffith como membro da equipe de futebol do Sport Club
do Recife, participando de um jogo histórico; a primeira peleja do chamado Leão
da Ilha contra o arquirrival Clube Náutico Capibaribe, um dos clássicos mais
antigos do futebol nacional.
O jogo
aconteceu na tarde de 25 de julho de 1909, um domingo, no campo do Pernambuco
British Club e o resultado foi 3 x 1 para o Náutico, com participação decisiva
de Thomas Logan Griffith no único gol da equipe rubro-negra. Consta que Thomas
L. Griffith transmitiu sua paixão pelo rubro negro da Ilha do Retiro a todos os
seus familiares e assistia aos jogos com seus filhos.
Vivendo em
Recife
Durante a
Primeira Guerra Mundial vamos encontrar a família Logan Griffith na Inglaterra.
Segundo a reportagem existente no periódico recifense “Jornal Pequeno”, após o
fim deste conflito a família retorna a capital pernambucana, onde Tom Griffith
passa toda sua infância e adolescência, sempre muito bem ambientado.
Recife no
passado – Fonte – http://chicomiranda.wordpress.com/
Após o
falecimento do avô de Tom Griffith em 1921, a representação da empresa de
navegação Price Line Ltd continua com seu pai, com escritório na Rua Bom Jesus,
número 220, sala 5, 2º andar. Esta rua é a antiga Rua dos Judeus, onde durante
o período da dominação holandesa no Brasil (1630-1654) foi ali fundada a
primeira sinagoga das Américas.
Aparentemente
Thomas Logan Griffith foi naturalizado brasileiro, pois em 1934 chegou a ser
designado pelo então presidente Getúlio Vargas, delegado da Diretoria de
Estatística Econômica e Financeira do Tesouro Nacional em Pernambuco.
Segundo
pudemos apurar os Logan Griffith residiam na Rua Padre Inglês, 314, bairro da
Boa Vista, Recife, próximo as tradicionais escolas evangélicas Seminário
Teológico Batista do Norte do Brasil e a Escola de Trabalhadoras Cristãs,
atual Seminário de Educação Cristã-SEC. Não podemos esquecer que no bairro da
Boa Vista, a Rua Padre Inglês ganhou fama por hospedar diversos súditos do
Império Britânico.
Tom Griffith
em uniforme da RAF
Após o início
a Segunda Guerra Mundial, muitos jovens de origem britânica que moravam no
Brasil, nascidos ou não em nosso país tropical, ingressaram nas forças armadas
de Sua Majestade e seguiram para várias áreas de combate. Tom Griffith foi um
deles.
O Cerco de
Malta
Apesar de
servir na RAF – Royal Air Force (Real Força Aérea), a função de Tom Griffith
não era no ar, mas no mar. No final de 1939 ele fazia parte da tripulação de
uma lancha de alta velocidade do RAF Marine Craft, o também conhecido RAF
Marine Craft, um grupo de elite que se arriscava dia e noite com a função
de salvar vidas.
Barco HSL 130
da RAF realizando o salvamento em alto mar. Era neste tipo de barco que Tom
Griffith servia.
Acredito, mas
sem comprovação, que este jovem inglês vindo de Recife testemunhou os episódios
épicos da Retirada de Dunquerque e participou de salvamento de pilotos durante
a Batalha da Inglaterra. De certo sabemos que o destino de Tom Griffith foi o
arquipélago de Malta, onde participou ativamente da defesa deste importante
bastião estratégico Aliado no meio do Mar Mediterrâneo.
Este lugar é
habitado (e cobiçado) há tantos séculos, que as estruturas sobreviventes dos
templos megalíticos em Ġgantija, Hagar Qim e Mnajdra, são consideradas algumas
das mais antigas estruturas construídas pelos homens no mundo. Entre 800 a
218 antes de Cristo, Malta foi colonizada pelos fenícios e cartagineses e em
seguida passou a fazer parte do Império Romano. Consta que no ano 60
depois de Cristo, o apóstolo Paulo naufragou próximo ao arquipélago e
sobreviveu. Segundo o folclore local, a partir daí Paulo converteu os
habitantes locais ao cristianismo. Depois os árabes chegaram em 870 e sua
presença teve uma considerável influência sobre a agricultura e a linguagem
maltes.
Foto de
satélite mostrando as ilhas de Gozo, Comino (a menor) e Malta ( a maior) –
Fonte – odysseyadventures.ca
Depois veio
uma sucessão de conquistadores até o ano de 1530, quando as ilhas foram
entregues aos Cavaleiros da Ordem de São João, uma organização religiosa
cruzada fundada em Jerusalém. Em 1798 o arquipélago de Malta caiu sob o
domínio de Napoleão. Dois anos depois os ingleses ajudaram a libertar estas
ilhas e tornou o lugar uma pequena parte do Império Britânico. Ali eles
construíram uma grande e estratégica base naval.
Durante a
Segunda Guerra Mundial o arquipélago maltes sofreu um pesado cerco aéreo e naval.
Posição
estratégica de Malta na área do Mediterrâneo
Com o envio de
forças alemãs do Afrika Korps para o Norte da África, comandadas pelo
marechal-de-campo Erwin Rommel, a estratégica Malta adquiriu um papel
fundamental no conflito. Deste ponto os britânicos podiam corta grande parte
todo o abastecimento nazifascista vindo da Europa para a África e Rommel
rapidamente reconheceu sua importância.
Aspecto do
resultado dos bombardeios em Valletta, capital de Malta
Para provocar
a derrota deste bastião estratégico os alemães e italianos decidiram forçar a
submissão de Malta através de bombardeios e da fome, atacando seus portos,
estradas, cidades e linhas marítimas de suprimentos. As forças aeronavais da
Alemanha e da Itália nazifascistas realizaram mais de 3.000 bombardeios num
período de dois anos, tornando Malta uma das áreas mais bombardeadas da Segunda
Guerra Mundial.
Muita Ação
Violenta
Tom Griffith
ficou lotado na base da RAF em Kalafrana (ou Calafrana), um centro de operações
de hidroaviões na Baía de São Paulo, extremo sul de Malta e principal casa dos
grandes hidroaviões quadrimotores Short Sunderland. Neste local seu barco era
uma lancha do tipo HSL, de 63 pés, com o seu armamento focado principalmente
para defesa contra aviões. Normalmente possuía duas torres com metralhadoras
gêmeas Vickers 0,303, um canhão Oerlikon de 20 milímetros e metralhadoras
Browning ponto 50.
Uma lancha HSL
e um avião Hurricane
Durante aquele
período Tom Griffith viu muita ação. Praticamente todos os dias a Luftwaffe e a
Regia Aeronautica realizavam suas “visitas” a Malta. Eram ataques que começavam
no início do dia e se prolongavam até ao entardecer. No dia 4 de fevereiro de
1942, uma terça feira, não foi diferente.
Segundo o
diário do reverendo Reginald M. Nicholls, Chanceler da St.Paul’s Anglican
Cathedral, na cidade de Valletta, o “expediente” daquele dia começou por volta
das nove e meia da manhã, quando dois ou mais caças foram vistos ao norte de
Malta. Depois do meio dia um grupo de seis Hawker Hurricane, dos esquadrões da
RAF 249 e 126, decolaram do aeródromo militar de Ta Kali (ou Ta ‘Qali) e
interceptaram ao sul de Kalafrana alguns bombardeiros médios alemães JU-88,
sendo um dos inimigos avariados e sem perdas para os ingleses.
Hawker
Hurricane – foi um dos mais famosos aviões de caça britânicos da Segunda Guerra
Mundial. Fator de preservação de Malta nas mãos dos aliados.
Às três da
tarde, vindas do norte, um grupo de aeronaves inimigas atacam com grandes
bombas o campo de Ta Kali, deixando muitos danos e crateras na pista.
Ataque Mortal
Nesse meio
tempo partiu da base de Kalafrana a lancha HSL 129, com a missão de realizar um
resgate perto da ilha de Filfla, ao sul de Malta. Comandava o barco rápido o
tenente F. Nicolls, junto com os tripulantes Tom Griffith, Gerry R. King,
Thomas L. Nielsen, Jock Muir, Dennis Whittaker, o cabo Cooper e o
ajudante Norton.
Ilustração do
artista Thierry Dekekr de um Messerschmitt Bf 109, também conhecido como Me
109, do Jagdgeschwader 53
Após o ataque
a Ta Kali um grupo de aviões de caça alemães Mercheshimit ME-109, provavelmente
do Jagdgeschwader 53 (JG 53), sobrevoam a região de Benghisa Point,
onde localizam a HSL 129 próximo a Filfla e passam a atacá-la impiedosamente.
Em meio a
fuzilaria, aos rasantes dos caças alemães, ao revide das armas do barco e a
fuga em ziguezague da HSL 129, a matança foi pesada. O tenente Nicolls foi
atingido no estômago, caiu na casa do leme, mas veio a sobreviver. Gerry King
foi para uma das torres de tiro e logo foi morto com um petardo na
cabeça. Já o primeiro timoneiro Nielsen foi morto no leme. Tom
Griffith, que estava na torre de tiro traseira, mesmo disparando sem cessar,
foi gravemente ferido e morreu. Outros três tripulantes ficaram feridos.
Ilha de
Filfla, onde em suas proximidades a HSL 129 onde estava Tom Griffith foi
atacada pelos caças alemães.
Em dado
momento os aviões alemães partiram da sua rapinagem e nenhum deles foi
derrubado.
O cabo Cooper,
mesmo com uma mão cortada no punho e esvaindo-se em sangue, conseguiu com a
outra mão pilotar a HSL 129 danificada de volta para Kalafrana, aonde este barco
chegou praticamente destruído. Apesar dos ingleses estarem em guerra a
quase três anos, de Malta ser atacada naquela época todos os dias, os relatos
dão conta que, diante do estado em que se encontrava a lancha na base de
Kalafrana e as mortes dos tripulantes, muitos militares daquela unidade ficaram
chocados com o resultado do ataque dos ME-109.
Lanchas HSL
Mais tarde,
pela sua coragem, o cabo Cooper foi condecorado, mas considerado inválido e
colocado fora do serviço militar.
Uma Mensagem
Dos Seus Pais
O sacrifício
deste torcedor inglês do Sport Club Recife não foi em vão. Os comboios Aliados
foram capazes de sustentar e reforçar Malta, enquanto a RAF defendia seu espaço
aéreo à custa de imensas perdas vitais e materiais. Depois os Aliados
desembarcaram tropas no Marrocos e Argélia, o que obrigou Rommel a desviar suas
forças para estas regiões e os ataques contra Malta foram reduzidos. O cerco ao
arquipélago maltes terminou efetivamente em novembro de 1942.
A lápide de
Thomas Peter Logan Griffith é uma das 719 existentes no Cemitério Naval de
Kalkara, conhecido como Cemitério Capuccini, onde repousam os combatentes
britânicos que morreram durante a Segunda Guerra Mundial na defesa de Malta e
região. Junto a este inglês que cresceu em Recife repousam os seus companheiros
de infortúnio King e Nielsen.
Mas é apenas
na lápide de Tom Griffith que se encontra os dizeres “Until we meet again
beloved son” (Até que nos encontremos de novo filho amado).
VEJA TAMBÉM A
HISTÓRIA DE UM COMANDANTE DE BOMBARDEIRO B-17 QUE VEIO DO RIO DE JANEIRO- http://tokdehistoria.wordpress.com/2012/12/07/4574/
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Extraído do blog "Tok de História do historiógrafo e pesquisador cangaço Rostand Medeiros
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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