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quarta-feira, 4 de novembro de 2015

TRAGO AOS AMIGOS A MATÉRIA ABAIXO, DO “O ESTADO DE SÃO PAULO”, EDIÇÃO DE 10/11/1911

Por Antonio Corrêa Sobrinho

Trago aos amigos a matéria abaixo, do “O Estado de São Paulo”, edição de 10/11/1911, primórdio do século XX, primeiros tempos da República, para apreciação de dois telegramas enviados ao presidente da República, Hermes da Fonseca, pelo presidente do estado da Paraíba, João Lopes Machado, versando sobre o conflito do governo com doutor Augusto de Santa Cruz, com destaque à relação deste com o Padre Cícero Romão Batista.

Texto que diz um pouco do funcionamento do banditismo nordestino pela ótica dos detentores do poder.

O BANDITISMO NA PARAÍBA

O bacharel Santa Cruz novamente em cena – As suas últimas proezas – Dois telegramas do presidente da Paraíba ao senhor presidente da República.

Sobre as proezas do bacharel Santa Cruz na Paraíba do Norte, o doutor João Machado, presidente daquele Estado, enviou ao senhor presidente da República os seguintes telegramas:

“Paraíba, 7 – Em aditamento ao telegrama que ultimamente tive a honra de dirigir a V. Exa., cumpro o dever de dar novos informes em relação ao movimento anárquico que se prepara contra este Estado. Antes de tudo devo declarar que presentemente reina a paz e não há alteração da ordem pública em todo o Estado, estando os habitantes entregues aos seus quotidianos labores e confiantes nas garantias da lei e nos seus direitos, desde que o bacharel Augusto Santa Cruz, após o inaudito atentado que praticou na vila Alagoa do Monteiro, prendendo e sequestrando as autoridades e assassinando barbaramente o fazendeiro Zeferino Neves, cujos olhos foram vazados a punhal polos sicários do dito bacharel, refugiou-se em Juazeiro do Estado do Ceará, protegido ali pelo padre Cícero e outros chefes políticos da zona cearense conhecida por Cariris Novos, nenhuma perturbação ocorreu mais digna de sensação no interior deste Estado. Agora, porém, entrou novamente o bacharel Santa Cruz em cena, bafejado pelos seus protetores do Ceará, conforme verá V. Exa. da exposição seguinte: Por intervenção de um amigo no sentido de melhorar as condições de Santa Cruz, relativamente aos danos sofridos na sua propriedade do Areal, onde se havia entrincheirado para repelir as forças legais, resolvi adquirir por seu justo valor, a dita propriedade, autorizando um amigo a entender-se a respeito, com o padre Cícero para dizer a Santa Cruz que nomeasse um representante com poderes suficientes para entrar em acordo com o governo e ser arbitrado o preço da compra e venda da propriedade. Respondendo ao amigo intermediário o padre Cícero declarou que Santa Cruz exigia para si e seus parentes, proprietários em Monteiro, a importância de 529:000$000, o que foi recusado por absurdo. Então o padre dirigiu-se a mim, em longo telegrama, em tom já ameaçador, concluindo que não mais se envolveria em negócio com Santa Cruz, nem assumiria responsabilidades dos atos deste, e fazendo votos que pudesse meu governo salvar o interior do estado da Paraíba da conflagração e anarquia. Ao padre dei a seguinte resposta:

Padre Cícero Romão, Juazeiro: recebi hoje o vosso telegrama a respeito da situação do doutor Santa Cruz e respondo: O coronel Pedro Bezerra é incapaz de armar ciladas, máxime tratando como intermediário do governo, e não é responsável pelas consequências da loucura do doutor Santa Cruz. Se acedi à solicitação de Bezerra, de adquirir para o Estado a propriedade de Santa Cruz, não significa isto submeter-me à vontade do vendedor, que exigiu 529 contos como preço das propriedades do sertão, sem nenhuma benfeitoria de valor. Compreendeis que ante tamanho exagero só poderá haver negócio mediante arbitramento de pessoa da confiança de ambas as partes. Ele poderia delegar poderes ao irmão, doutor Artur Santa Cruz, que muito bem entender-se-ia comigo e amigos de Monteiro. Repito que pelo seu justo valor não me recusarei a comprar a propriedade do doutor Augusto, contra quem não tenho intuito de perseguição; tem sido ele o provocante, obrigando o governo a defender, contra seus atentados, a ordem pública. Agradeço a vossa solicitude por desviar o bacharel criminoso do caminho de novos crimes. Fico certo de que não concorrereis para perdição completa do mesmo, auxiliando de qualquer forma seus planos tenebrosos, pelos quais não podereis jamais ser também responsável consoante me afirmais. Saudações – Dr. João Machado.

Dois dias depois, novamente, recebi do mesmo padre o seguinte telegrama, que como verá V. Exa. é um verdadeiro ultimato:

Juazeiro, 31 de outubro de 1911. – Sr. Dr. João Machado: recebi o telegrama de V. Exa., datado de 28 do corrente. Respeitosamente pondero que a resolução de adquirir para o Estado as propriedades de Santa Cruz não significa, no momento atual, submissão do governo à vontade dele: ao contrário, V. Exa. cometeria um ato de patriotismo, salvando o Estado de irremediável conflagração e incalculável anarquia, adquirindo pelo menos as propriedades de Santa Cruz e seu cunhado Hugo, por trezentos e vinte e nove contos. Admito que não tenham tal valor, como se acham hoje, mas alega Santa Cruz prejuízos e gastos motivados pela questão, que, vendendo-as, perderia um capital que lhe daria juros suficientes, além do prejuízo de não poder voltar à sua terra pela obrigação do compromisso tomado. Ora, tais alegações parecem ter algum valor e só o fato de V. Exa., por uma quantia relativamente pequena, restituir a paz a esse Estado, evitando desgraças, teria valor. Assim me externo, porque conheço muito mais que V. Exa., que vive distante do que são capazes cangaceiros desenfreados, invadindo localidades. Consta, como certo, que Santa Cruz invadirá decididamente a Paraíba, o mais breve, se V. Exa. não resolver já tal negócio, e garanto que isto acontecendo não terá forças em elementos imediatos para evitar irremediáveis horrores. Penso assim pelo seguinte: chefes do Cariri, aqui reunidos no dia 4 de outubro, lavraram ata de perseguição aos cangaceiros; estes, perseguidos, procuraram Santa Cruz, e porque sabem que podem lucrar o acompanhando, acompanharão Santa Cruz sem interesse de retribuição dele, só visando o saque das localidades. Além disso, bem sabe V. Exa. que a situação em Pernambuco, relativa à candidatura de Dantas Barreto, é um elemento de recurso e garantia para Santa Cruz. Consta-me que, por intermédio da situação de Pernambuco, Santa Cruz contará grande elemento e é certo, pode crer, pondero ainda a V. Exa., que não acredite nem confie na garantia de localidades do sertão desse Estado por cangaceiros armados pelos chefes, por ordem do governo. É perder tempo, dinheiro e mais, facilitar a derrota; no momento mais preciso eles abandonam o posto e unem-se aos inimigos para saquearem. Sei que o governo terminará recuando Santa Cruz ou qualquer que anarquize o sertão; porém, só isto conseguirá depois de anarquizado e derrotado o Estado, e é no Estado que Santa Cruz, cioso da vingança, a tudo se expõe, até à morte. Não é justo, portanto, que V. Exa. se exponha a semelhante contingência, podendo evitar. O que digo não é para fazer terror, pode crer, e V. Exa. verá, se não puder evitar. Tomo a liberdade de pedir que aceite a proposta, enquanto podemos salvar o interior do Estado, peço como cidadão e sacerdote católico que salve seu posto de tamanha desgraça; salve a Paraíba da anarquia nunca vista entre nós; não é imposição, é aviso de prudência, queira desculpar a franqueza e peço que responda definitivamente. Respeitoso o saúdo. – Padre Cícero.

“Eis, Exmo. Sr. o estado de exaltação em que se acha o doutor Augusto Santa Cruz, presentemente encorajado pela proteção escandalosa que encontrou na zona do Cariri do Ceará há muitos anos; o que predomina na infeliz zona é o rifle. Ali não se respeita a lei, nem a justiça. Colhi a prova disso; o foragido bacharel ali penetrou e encontrou imediata acolhida, sendo público e notório em todo país ser um criminoso vulgar, pronunciado em dois processos por bárbaros crimes de morte, ferimentos graves, incêndio de casas em São Tomé e saque de tudo.

Então dei ciência ao governo do Ceará, a quem remeti pedido de extradição, que até hoje não teve deferimento, apesar de viver o criminoso bacharel publicamente transitando por toda aquela zona, tomando parte em festas e especialmente na que fizeram a chefes políticos, celebrada no dia 4 de outubro, da qual, estou informado, foi ele um dos oradores.

Não creio que esses chefes tenham dispersado os cangaceiros, com quem vivem há anos e essa história de perseguição é para aparentar a proteção e o auxílio que se dispuseram a prestar a Santa Cruz, a fim de, por tão indignante e revoltantes ameaças, tentar contra os cofres públicos ou contra a bolsa do cidadão laborioso e pacífico das nossas localidades. V. Exa. há de convir que está nos brios do meu governo, na altivez e dignidade do posto, manso, pacífico e laborioso do Estado, envidar todos os meios para repelir a prometida invasão, de que cangaceiros da pior espécie, capazes dos maiores atentados, como os reconhece o Padre Cícero, useiros e vezeiros no ofício de matar e roubar, que tendo por chefe um bacharel alucinado e perverso, como se sabe e tem provado ser o doutor Santa Cruz, nos ameaçam tão audazmente. Não devemos ficar impassíveis diante de tão graves emergências e sim havemos de resistir com toda a energia e dentro das nossas forças. Ordens estão dadas às forças paraibanas para vigiarem as fronteiras com a zona de Cariri, de onde nos partem as ameaças, e defenderem as localidades dali mais próximas, as primeiras que deverão ser assaltadas. É do que, por enquanto, me cumpre dar conhecimento a V. Exa., a quem trarei inteirado do desenrolar dos acontecimentos. Rogo a V. Exa. que se digne mandar dar publicidade ao presente despacho, para o devido conhecimento do público, na capital do país. Respeitosas saudações. – Dr. João Machado, presidente.

Fonte: facebook

http://blogdomendesemendes.blogspot.com

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