*Rangel Alves
da Costa
A alegria
também se despede. A alegria também dá adeus. Já ao longe acena com lágrimas,
com lenço molhado de saudade, com olhos marejados pelo que virá. E também
escreve cartas, como esta escrita pouco antes de sua despedida.
“Ainda sou a
alegria. Talvez por pouquíssimos instantes, mas ainda sou alegria. Contudo, já
não me contenta por ser assim, eis que tudo chega ao fim. Reconheço em mim, no
mais profundo âmago, que já não serei mais o que sou. Tudo nasce e tudo morre.
E assim também comigo.
É bom ser alegria,
pois a alegria significa contentamento, paz interior, sorriso nos lábios e no
olhar, prazer pela existência, vibração no compartilhamento daquilo que tanto
amamos. Alegria também é estar bem consigo mesmo, é cantar, é ser passarinho
pelos horizontes do olhar.
Por ser
alegria, por viver a alegria, eu muito sorri, muito brinquei, muito
compartilhei desse doce deleite espiritual. Aproveitei o máximo do que me foi
permitido, busquei a todo instante fruir toda a felicidade. E assim fiz sem
pensar no amanhã, pois já sabendo que muito não duraria a fúria do
contentamento. Eu sabia que tudo tem um fim.
Tudo tem um
fim e o meu fim se aproxima. Oh como fui feliz na minha alegria. Amei sem medo,
amei sem dúvidas, amei com entusiasmo e até devoção. Abracei a manhã, abracei o
sol, abracei a lua, abracei tudo o que ao meu olhar trouxesse satisfação.
Beijei o amigo, beijei a flor, acariciei amorosamente a vida.
Mas por que me
despeço agora? Por que sei que já não tenho do que me contentar dentro de tão
pouco tempo? Por que, como numa viagem, já me vejo arrumando as malas para a
partida, para o adeus, para a despedida? Uma só resposta: tudo tem seu tempo.
Sim, aquele mesmo tempo do Eclesiastes.
E diz a
sabedoria bíblica: Tudo tem o seu tempo determinado, e há tempo para todo o
propósito debaixo do céu. Há tempo de nascer, e tempo de morrer; tempo de
plantar, e tempo de arrancar o que se plantou; Tempo de matar, e tempo de
curar; tempo de derrubar, e tempo de edificar; Tempo de chorar, e tempo de rir;
tempo de prantear, e tempo de dançar; Tempo de espalhar pedras, e tempo de
ajuntar pedras; tempo de abraçar, e tempo de afastar-se de abraçar; Tempo de
buscar, e tempo de perder; tempo de guardar, e tempo de lançar fora; Tempo de
rasgar, e tempo de coser; tempo de estar calado, e tempo de falar; Tempo de
amar, e tempo de odiar; tempo de guerra, e tempo de paz. Assim diz Eclesiastes
3:1-8.
Como visto, se
tudo tem o seu tempo de existir sobre a terra, assim também é o meu tempo. Se o
meu tempo foi de alegria, então tudo se dissipa, tudo se esvai para chegar
outro tempo, que é a minha antítese ou o meu outro lado na mais difícil e cruel
face: a tristeza. Por que nada existe para a eternidade, abraço o silêncio da
estrada e vou.
As primaveras
também se despedem assim. Os frutos maduros e doces da estação também se
despedem assim. A própria vida também se despede assim. De repente as flores
vão perdendo o viço, o perfume, a beleza, e murcham e caem. As frutas despencam
do alto e vão se tornar em restos apodrecidos no reles do chão. E o viver para
morrer um dia. Disso nada há de fugir.
Lembro-me
agora do meu último sorriso. Olhei para o alto e avistei um nome desenhado
pelas linhas da nuvem. Talvez ninguém mais pudesse ler ali o seu nome, mas eu
li e sorri. Mas sei que daqui a pouco nem mesmo o palhaço ou a piada, nem mesmo
o acontecimento mais divertido possa me fazer esboçar um sorriso.
Assim por que
já estarei triste, já serei tristeza. E vou chorar, e vou sofrer, e vou sentir
saudades. Até que também passe o tempo da tristeza. Até que um sol de manhã me
traga de volta e eu novamente cumpra o meu destino de conviver com momentos de
felicidade. E não mais sofrer tanto pela sua ausência”.
E assim se foi
a alegria. Quem agora a encontra em tristeza talvez não recorde aquele tempo do
Eclesiastes. Mas este existe como lição: tudo só é eterno enquanto dura!
Escritor
Membro da
Academia de Letras de Aracaju
blograngel-sertao.blogspot.com
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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