Por: José Cícero
Hoje cedo por
uma dessas vontades estranhas que vez por outra nos invade a alma me pus a
ler, talvez pela milionésima vez, o raríssima cordel – “A
identidade de um ébrio”(foto abaixo), de autoria do inesquecível poeta,
violeiro e cordelista missãovelhense
Fco. Pereira da Silva - o famoso poeta BIU PEREIRA
Fco Pereira da Silva - Biu Pereira, já
falecido. Um tanto quanto envelhecido, sobretudo pelo papel jornal
em que fora confeccionado, o velho cordel foi um presente a me ofertado pelo
próprio vate nos idos dos anos 80 quando ainda era estudante do ginásio
paroquial.
Nos anos em
que comecei a visitá-lo, de quando em vez, na sua humilde moradia - uma
minúscula casinha de taipa, localizada na chamada "baixa do
tinguizeiro" meio escondida abaixo da rodovia na entrada da cidade. Logo
após a chamada curva da Gameleira na direção de quem vai na direção do
Juazeiro.
Numa época em
que aquele pequeno 'bairro', era por assim dizer, também vítima de um
imenso preconceito social, visto que ficava contíguo à chama zona do bairro
meretrício, ou "cabaré" como se chamava naquele tempo.
Jamais me
esqueço da primeira vez que avistei o poeta, sentado no banco, pernas
estranhamente entrelaçadas, tocando viola na conhecida bodega de Chico André.
Estudante
adolescente, já tocado por um certo arroubo literário, resolvi escrever algo sobre
o poeta, falando do seu sofrível isolamento, da sua vida, das agruras, da
doença e da suas antigas lidas poéticas pelo oco do mundo. A matéria havia sido
publicada no jornal ‘A Classe Operária’ informativo do PC do B
editado em São Paulo, mas que recebíamos com certa regularidade.
Lembro-me da
peleja e do esforço que foi convencermos o saudoso
fotógrafo Pio Luna a se deslocar a pé, do centro da cidade até o local onde
morava o poeta para fazer a fotografia que ilustraria a tal reportagem.
Cordel
do Biu Pereira
Recordo-me
como se fosse hoje, do poeta posando para a foto: A viola pendurada num toco da
parede, como que denunciando o abandono daquele ambiente. E o velho poeta
curvado com seus braços em cruz sobre a meia porta da sua residência.
Estavam lá, além do fotógrafo, Eu, Jesualdo(Dedu), Dedé de Quinco e o também
saudoso José Mago. Dedé de Quinco, inclusive, foi
quem pagara o preço da foto.
Diante dos
inúmeros cordéis que estavam em poder do poeta, resolvemos fazer uma campanha
para vendê-los nas ruas e nas escolas. E assim, arrecadarmos um pouco de
dinheiro para o velho Biu que estava em dificuldade, sobretudo para comprar os
seus remédios. Naquela época, tudo era muito mais difícil. E o abandono em que
se encontrava o poeta, já debilitado pela doença que lhe atacava os pulmões e
as vias respiratórias, era algo penoso e lamentável.
Ele fumava com
sofreguidão. "Não posso mais adiar o meu encontro com a morte. Por isso
não posso deixar de fumar agora", disse-me ele com um certo sorriso
amarelo no canto da boca e o cigarro no dedo. Olhando a fumaça, disse me certa
feita que era a poesia sua última alegria na vida. Sem ela, o mundo não tinha
mais nenhum sentido, dizia.
Muito da sua
poesia, era resultante das suas próprias vivências de cantorias em
cantoria pelo mundo, inclusive pelas quebradas da Aurora. Ele falava muito do
riacho do Pau Branco onde cantou por diversas vezes em noites enluaradas
propícias à fina flor da poesia popular dos nossos sertões.
Falava da
contribuição e da amizade fraterna do radialista folclorista mestre
Elói Teles ante a publicação dos seus cordéis, bem como da sua
participação na rádio Araripe e Educadora do Crato onde fez programas durante
alguns anos. Falava ainda, com orgulho e como saudade, do tempo das suas
andanças em que fez parceira com o próprio Patativa e Pedro Bandeira. Dos
programas da rádio Iracema do Juazeiro e Salamanca de Barbalha. Da vida boêmia e
da saúde que naquele instante lhe faltava.
No meu
primeiro livro “Ecos da Saudade”, lançado em 1993 resolvi fazer-lhe uma
pequena homenagem ao dedicar a ele o poema – Biu sempre Biu. Tanto em
Jaguaruana, Granja e Aurora sempre recebi algumas cartas manuscritas pelas mãos
do poeta. Algumas tristes e melancólicas, outras alegres e lisonjeiras,
inclusive recheadas de poesias. Pela forma como me escrevia, sabia como estava
o seu estado de saúde, seu espírito e a sua alma de vate, amigo, humano e
valente.
Em 2001 já
bastante enfermo e vivendo sob a caridade alheia o Dr. Edilson Santana e a
professora Hilma Freira organizaram o livro “Versos Populares: Antologia
Poética do poeta Biu Pereira” contendo o melhor da produção
poemática do decano poeta da poesia missãovelhense.
Em virtude
das freqüentes crises de asma que o atacavam, quase não mais recitava os
seus improvisos poéticos como antigamente e, tampouco dedilhava sua
viola e nem escrevia seus cordéis. Era triste quando o encontrava nestes 'dias
ruins' como ele mesmo chamava. Tinha um poema sobre o cajueiro e o sapo que eu
gostava muito quando recitava de memória para mim.
A vida me
levou para longe. Eis a velha luta pela sobrevivência. Anos depois fui
informado por telefone do desencarne do meu amigo poeta. Tristonho
fiquei por vários dias literalmente de mal com o mundo e com a
poesia. Posto que ambos, a meu ver, foram extremamente ingratos e cruéis como o
poeta Biu.
Como a vida é
má e hipócrita: Bil Pereira precisou sofrer e morrer para ser
reconhecido e ficar famoso...
Entretanto,
conforta-me a lídima constatação de que Biu foi poeta e, poeta sendo,
viverá eternamente por entre nós.
Viva Bil
Pereira! Porque toda poesia sempre será eterna...
............................
(*) Prof. José
Cícero
Secretário de
Cultura e Turismo
Aurora - CE.
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http://jcaurora.blogspot.com.br
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