Sancho sem Pança
Lampião
passara inativo vários meses na Bahia. Às vezes, corriam boatos de que se
agrupara ao bando dos (...), de Horácio de Matos, de Franklin, de Pilão
Arcado. Mas apareciam logo informações de que estivera, com sua gente, em
Curaçá, em Riacho Seco, no Morro do Chapéu.
Andava nas
feiras, homiziava-se em fazendas. Arranjava dinheiro, mediante intimação. E a
Polícia fazia vista grossa. Havia uma espécie de modus vivendi tácito, um
arranjo informal.
Um dia, porém,
o caldo entornou. E iniciaram-se os entrechoques. Virgulino, já fartamente
municiado, volta a Sergipe. Penetra em Monte Alegre. Avisado por um menino,
certo comerciante responde-lhe, na vista dos fregueses: “Sou homem, tanto
quanto ele o é. Será homem por homem...” Virgulino, com um caibra ouvem, já
dentro da casa, a fanfarronice do proprietário.
- Qui tá
dizendo? – Pergunta-lhe.
- Se eu
soubesse qui o sinhô tava aqui, nun dizia. Mas Cuma já dixe, tá dito...
O caibra quis
matar o negociante. Lampião não deixou: “Home nun se mata... Gostei do
atrevimento dele...”
Dias após, a
cidade de Capela recebia o cangaceiro. Autoridades foram vê-lo. Com ele,
assistiram cinema. O cangaceiro entrara, cantando que ali estava para amar,
divertir, gozar... Amou a “mulher-dama” mais afamada da cidade, gratificando
regiamente. Bebeu, comeu e passeou, sob os olhares atônitos da população,
tendo, como ordenança e companheiro, um funcionário dos Correios e Telégrafos,
o intelectual Zozimo Lima.
Zozimo
esquecera as cartas, as letras, a neurastenia, neste dia. Plantou-se na porta
das “mariposas”, como sentinela fiel aos deveres do plantão. Bebericou.
Tornou-se um camarada do cangaceiro.
- Bom sujeito.
Inteligente, arisco, desconfiado – disse-nos. Admirou-me sua facilidade de
manobrar a rima. Criado em outro meio, talvez fizesse figura. Tornamo-nos
camaradas. Joguei com ele bilhar. E acompanhei-o às casas do mulherio, como
cicerone. Tornou-se meu amigo e eu dele. Mas não pretendo ter de relembrar-lhe
o nosso encontro e nossa camaradagem...”
E concluindo,
acrescentou: “Há duas coisas que não desejo fazer: reencontrar-me com outro
Virgulino, andando como prisioneiro voluntário, e viajar de avião...”
A Luta
Democrática (RJ) – 19.10.1966
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