por José
Gonçalves do Nascimento*
O umbuzeiro é
um prodígio da caatinga. Com chuva ou com sol, sempre está ele a abraçar a
todos quantos procuram sua sombra acolhedora. Nas horas pesadas de fadiga, é
sob a copa frondosa de um umbuzeiro que o sertanejo busca refrigério. Pouso de
retirantes no passado; pouso de vaqueiros no presente; aliado incondicional dos
habitantes das caatingas. Teimoso como o mandacaru – outro milagre das áridas
terras – o umbuzeiro não se curva diante do tempo ruim, resistindo a todas as
intempéries possíveis. É amigo dos homens e dos animais; é amigo da natureza
toda; com ela convive e forma harmonia. Euclides da Cunha o chamou de “árvore
sagrada do sertão”. Sagrada e abençoada. Sem ela o sertão seria feio,
desgracioso; menos hospitaleiro. Seria solitário, tedioso. Seu verde não seria
tão verde; suas tardes não seriam tão belas. Os passarinhos cantariam noutro
lugar e o sol talvez fosse mais carrancudo. Sem ela, o sertão seria muito
chato. Mas lá está a árvore sagrada, abençoada, sempre a espera de mais um.
O umbuzeiro proporciona
sabores. Seu fruto acridoce é apreciado por todos. Maduro ou de vez, ele é uma
unanimidade. O tempo do umbu é uma festa. Sim, no sertão há o tempo do umbu;
que é o tempo da trovoada; que é o tempo da fartura. É o tempo em que o
precioso fruto bate à porta dos lares, alegrando o sertão inteiro. O umbu vence
a rotina, move a vida, esquenta a economia. O tempo do umbu é o tempo da graça.
Nada se compara ao tempo do umbu. Dele, do umbu, é feita a umbuzada, fina
iguaria da culinária sertaneja. A mesma umbuzada que encantou von Martius e
Euclides da Cunha, quando de passagem pelos sertões. Doce umbuzada das tardes
quentes e fatigantes. Doce umbuzada, servida fria, friínha, em tigela de louça
ou argila. A umbuzada poderia ser a marca registrada do sertão, sem similar em
nenhuma outra parte do mundo. Patenteada, poderia ser comercializada além
fronteira, garantindo ótima lucratividade. A umbuzada, todavia, é mais do que
um produto de comércio: é um símbolo. Símbolo do sertão e sua gente. E um
símbolo nunca poderá ser objeto de comércio. Seu papel é unir, assim como a
umbuzada.
O umbuzeiro,
quase sempre, tem uma identidade, sendo tratado pelo nome tamanha sua
familiaridade com o homem e com o mundo ao seu redor. É o Umbuzeiro do
Muriçoca, o Umbuzeiro da Raposa, o Umbuzeiro do Neco. O nome vem relacionado a
algum fato, alguma coisa que relembre aquela específica árvore; um feito
grandioso ou vulgar. O Umbuzeiro do Neco, por exemplo, fica nas bandas onde eu
nasci e é o nome dado à árvore sob a qual o famoso Neco das Cacimbas travou
luta com um touro brabo, depois de correr muitos quilômetros enrabado no bicho.
Conheci nas proximidades da Lajinha o Umbuzeiro do Jagunço. Conta-se que dali,
do meio das suas folhas, um fiel de Antônio Conselheiro mandou pro beleléu
dezenas de milicos da expedição Moreira César, quando da passagem deste em
demanda de Canudos. Umbuzeiro tem nome, tem identidade, tem história. Tem
raízes profundas. Por isso é forte; forte como o sertanejo. Umbuzeiro, porém
não tem idade. Sua idade é a idade do sertão, seu tempo é o tempo do sertão.
Ele dura enquanto dura o sertão. E terá sempre nome e história e raiz, como os
homens e as mulheres do sertão.
O umbuzeiro é
ponto de encontro, os mais diversos. Debaixo da sua ramagem se dança, se canta,
se conta história. Até rezas e catecismos ali se fazem. Já vi umbuzeiro ser
utilizado como sala de aula, os alunos dispostos em círculo e o mestre a
locomover-se no centro. Falta de espaços mais adequados ou não, o fato é que
sempre haverá um velho umbuzeiro de braços abertos a espera do irmão. Afinal de
contas, ele é sertanejo. O umbuzeiro é morada de cupido. É sob o frescor da sua
copa que muitas vezes são dados os primeiros passos no arriscado caminho do
amor. Os primeiros olhares, os primeiros toques... e por aí vai. Muitos
casamentos ali começam e ali terminam. Ah, umbuzeiro, se tu falasses! É
possível que todo sertanejo tenha um umbuzeiro no seu caminho. Mas umbuzeiro é
pra isso mesmo. Melhor: é pra tudo isso. Afinal de contas, ele é um parceiro e
tanto.
Sem ele, o
umbuzeiro, o sertão talvez nem existisse; a caatinga seria muito triste e o
homem, a criatura mais infeliz da terra.
*Poeta e
cronista
jotagoncalves_66@yahoo.com.br
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