Por Antonio Corrêa Sobrinho
Demorar um
pouco mais na sertaneja e progressista cidade sergipana de Nossa Senhora da
Glória, antiga Borda da Mata, onde estou nestes dias, a trabalho, foi a
disponibilidade de tempo que eu precisava para ir a lugares que Lampião e os
asseclas Luiz Pedro, Volta Seca, Quinta Feira, Ezequiel (Ponto Fino), Virgínio
(Moderno), Corisco, Arvoredo, Ângelo Roque (Labareda), Mariano, Delicado e Zé
Fortaleza (Fortaleza II), no dia 20 de abril de 1929, estiveram nesta cidade em
razia.
Fui ao local da feira, onde Lampião e os seus amigos cangaceiros fizeram-se presentes, até assistiram à morte de bode, ali mesmo, na feira; feira onde ele, quieto, tranquilo e bem humorado, deu esmolas, agradou a crianças, conversou com pessoas. Tirei foto onde era o salão de Zé Besouro, onde Lampião fez a barba. Também da Intendência, hoje a Prefeitura, cujo gestor João Francisco de Souza (Joãozinho), também comerciante de tecidos, tratou Lampião muito bem e atendeu a todas as reivindicações do cangaceiro: bom dinheiro, lauto almoço e animais de montaria. E a Cadeia, xadrez sujo e fedido, onde ficaram presos enquanto Lampião agia, sem antes entregarem as armas, o sargento Alfredo e os soldados Osório, João e Zé Rodrigues.
Nada, porém, foi mais interessante do que o encontro que eu tive com a senhora Nair Aragão Feitosa, de 93 anos, viúva do ex-escrivão Pedro Alves Feitosa, ofício que ela também exerceu; dona Nair que foi uma das centenas de pessoas que naquele dia, estiveram a mercê do mais temível bandoleiro das terras sertanejas.
Dona Nair, embora convalescendo de uma cirurgia ortopédica, mas lúcida como poucos na sua idade, me disse coisas a respeito desta presença cangaceira, confirmando o que disseram os pesquisadores. Informações que, considerando a sua pouquíssima idade em 1929, ela, em boa parte, deve ter obtido de terceiros, no correr dos seus anos.
Porém, o que eu mais queria dela, era saber se ela viu Lampião.
Quando eu lhe fiz a pergunta, ela respondeu imediatamente, sem pestanejar, que sim.
Ela disse que naquela manhã, ela estava em casa, uma edificação situada na praça da feira, e ouviu quando seu pai disse: “Lampião entrou!” Portas foram fechadas, e de uma fresta na janela, a uns 20 metros de distância, dava pra ver claramente quatro cangaceiros juntos, em pé, parados, segurando o fuzil fora de posição, na vertical com a coronha no chão; tinham chapéus grandes na cabeça, que brilhavam muito, reluziam.
Num momento, seu pai lhe disse: “Lampião é aquele mais alto, o de óculos”.
Ela voltou a dizer, também com gestos de mãos, sem eu perguntar: Os chapéus deles brilhavam muito...
Perguntei se seu pai teve medo. Ela disse que não.
Nossa conversa durou pouco, não quis cansá-la, em razão de sua idade e de seu estado de saúde, mas o suficiente para, atento às suas palavras, ao tom de sua voz e, principalmente, o seu olhar que parecia vivenciar aquele inesquecível instante, aquele misto de medo, apreensão, curiosidade e expectativa, eu sair transbordante de satisfação. Agora eu posso dizer que estive com alguém que, muito provavelmente, viu Lampião, o rei do cangaço, que fez dona Nair recordar e contar essa história durante toda a sua vida.
Nossa Senhora
da Glória/SE, 22/01/2015.
Fotos: 1, 2 e
3 - Antiga praça da feira; 4. Local da barbearia de Zé Besouro; 5. Cadeia; 6.
Intendência; 7. Local da casa de dona Nair em 1929.
Fonte:
facebook
Página:
Antônio
Corrêa Sobrinho
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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