Por Rangel Alves
da Costa*
Os grilos são
os insetos noturnos mais insuportáveis que existem. Muito mais que as
muriçocas, os pernilongos, as vespas de luz, os cascudos e tantos outros. A
desaparecida Sinhá Senhora já dizia que abaixo do céu e acima da terra nada
atormenta mais que os grilos. E mais ainda porque a pessoa nunca sabe se estão
na cumeeira, nas frestas da casa, embaixo da cama ou mesmo do lado de fora. E
já teve gente que endoidou atrás dos cricrilados dos grilos.
Com efeito, o
que aconteceu com João Vicentino foi coisa de não acreditar. O coitado do homem
armou sua rede na sala do casebre de barro e ripa e se acomodou com a barriga
roncando. Quando já começava uma madorna, eis que o cricri começou a ecoar. Tão
alto era que parecia bem acima de sua cabeça. Tentou adormecer e não conseguiu.
O cricri se fez ainda mais alto. Então se levantou, resolveu que iria ali e
voltava já para resolver o problema.
Foi até a
birosca mais próxima e tomou logo duas doses de casca de pau, pinga legítima
com quebra-pedra. E mais umas três. Voltou raivoso e pronto para o extermínio
de todo e qualquer grilo que houvesse na sua morada. Nem bem entrou na porta e
já ouviu o cricado, mais outro e tantos outros. Meio tonto das doses a mais,
começou a dizer que se era guerra que eles queriam, então era guerra que iam
ter. Então começou a cutucar por todo lugar, a bater nos paus e nas ripas, até
que o pior aconteceu.
Uma madeira de
sustentação desabou e parte do telhado caiu bem em cima do coitado. E sobre sua
cabeça, na ripa apodrecida, os grilos surgiram em cantoria festiva: cricri,
cricri, cricri. Depois disso o juízo do homem nunca mais foi o mesmo. Não se
sabe se pela pancada recebida ou por outro motivo, mas a verdade é que depois
disso outra coisa não sai de sua boca que não cricri, cricri, cricri. E vive
procurando oco de pau para se esconder e cricrilar como todo grilo faz.
Realmente
difícil conviver com tais insetos sempre ocultos, sempre nos escondidos,
ecoando sons que ora parecem perto ora longe, com aquelas fricções estridentes
e suas inafastáveis presenças. Por que eles sempre estão, sempre cantam, sempre
estridulam, sempre chilreiam, sempre cricrilam. E assim porque na ação noturna
e costumeira de atormentar, os grilos guizalham, trilam, tritinam, e tudo se
resumindo em insuportáveis e intermináveis cricri, cricri, cricri, cricri,
cricri...
Não pelo
perigo que apresentem, pelos ataques ou possíveis vítimas que possam fazer, mas
simplesmente pelo seu canto. Sim, o seu canto. Imagina-se que toda canção soa
bem aos ouvidos ou ao menos não dilacera os sentidos, mas com a dos grilos é
diferente. Na verdade, os grilos não cantam, não assobiam nem soltam pios,
apenas cricrilam de forma aterrorizante. É o cricrilar que atormenta a vida de
qualquer um, que faz qualquer sujeito perder o juízo, como aconteceu com o coitado
do Vicentino.
Imagine-se que
após o anoitecer, quando a pessoa supõe poder encontrar a paz para repousar, e
de repente tem início aquele som contínuo, invisível e apavorante. Cricri,
cricri, cricri, cricri, cricri... A pessoa olha pelos cantos e nada encontra,
sai em busca de alguma toca, mas apenas ouve cricri, cricri, cricri, cricri,
cricri... Sente que os sons estão próximos, que enfim encontrou os malditos
insetos noturnos, e então bate nos paus, sacoleja tudo até silenciar. Mas
quando imagina ter resolvido o problema, após o primeiro passo começa a
novamente ouvir cricri, cricri, cricri, cricri, cricri... A verdade é que
ninguém em sã consciência seria capaz de suportar quase dentro dos ouvidos,
repetidamente: cricri, cricri, cricri, cricri, cricri, cricri, cricri... Deseja
apenas um pouco de sossego, deseja apenas dormir ouvindo apenas o som da
ventania açoitando as folhagens, mas não consegue. Apenas o cricri, cricri,
cricri.
Mas os grilos
não se contentam em serem apenas insetos noturnos e cricrilando nas brechas
escuras e ocos de pau, pois uma espécie humana sai de suas tocas durante o dia
para os mesmos sons repetitivos e insuportáveis. Quem suporta os grilos humanos
repetindo as mesmas ladainhas políticas, as mesmas gozações de futebol, as mesmas
fofocas, os mesmos assuntos o dia inteiro e perante qualquer um que possa
encontrar? “Você soube...”, “Tá vendo, eu bem disse que...”, “Só tem ladrão e
quero ver se ainda votam num cabra assim...”.
Não somente no
reino animal os cricrilados ecoam intoleráveis. Além de ser grilo dos piores,
os seres humanos têm de conviver com outros grilos tão incômodos quanto os
insetos. As contas que chegam, os preços nos produtos, os enredos televisivos,
o sangue jorrando nos noticiários, os crimes e as roubalheiras. Todo santo dia
tais grilos se repetem para atormentar ainda mais a já tão difícil existência.
Difícil mesmo é saber o que é mais difícil de suportar, se o cricri cri dos
grilos ou cricri cri de Brasília.
Poeta e
cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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