Por Benedito Vasconcelos Mendes
Benedito Vasconcelos Mendes e a sua esposa Susana Goretti
O açude da
Fazenda Aracati foi construído no final da década de 1950, barrando um riacho
afluente do Rio Aracatiaçu. Meu avô contratou um agrimensor prático para fazer
o levantamento topográfico e os projetos da parede e do sangradouro do açude.
Com os projetos em mãos, sabendo, portanto o volume aproximado de piçarra que
ele iria necessitar, ele contratou Seu Chico Mendonça, feitor de açude, para
administrar a construção do mesmo. Toda a construção da parede e a escavação e
transporte da piçarra, em lombos de jumentos, ficaria sob o comando do Mestre
Feitor. Seu Chico Mendonça calculou a quantidade de jumentos, com seus caixões
de carregar terra e a quantidade de homens com suas ferramentas de trabalho
(picaretas, chibancas, enxadas e pás) que deveriam ser contratados para a
construção do referido açude no prazo de oito meses. Tudo isto foi feito muito
rapidamente no ano da grande seca de 1958, pois o DNOCS - Departamento Nacional
de Obras Contra as Secas estava naquele ano de crise climática fazendo parceria
com fazendeiros da região para fornecer, gratuitamente, a mão de obra para
construir açudes e estradas carroçáveis, ao longo dos meses de estiagem. Caso a
solicitação do meu avô fosse aceita, O DNOCS iria abrir, na Fazenda Aracati,
uma nova frente de serviço, para absorver uma pequena parte do numeroso
contingente de flagelados da seca. Era um tipo de assistência do Governo
Federal aos nordestinos famintos, castigados pela terrível seca de 1958. O
projeto da obra e os cálculos indicando a quantidade de homens que seria
necessária para construir o referido reservatório foi levado ao DNOCS, para
análise e posterior liberação dos operários. 74 homens (cassacos) foram cedidos
ao meu avô para a construção da obra. No final do mês de junho de 1958, meu avô
entregou ao Seu Chico Mendonça 100 jumentos, equipados com cangalhas e caixões
de fundo falso, para transportar terra, e 66 homens pagos pelo DNOCS para
construir o referido açude. A piçarreira escolhida situava-se a 100 metros do
local onde deveria ser construída a parede. O Mestre Feitor escolheu os 30
homens mais fortes para cavar a piçarra, com picaretas e chibancas; 16 homens
para encher os caixões de terra, utilizando pás; 4 cassacos (operários) para
servir de tangerinos dos jumentos e 16 cassacos para esvaziar os caixões em
cima da parede, abrindo as travas do fundo falso dos caixões e deixando cair a
terra, totalizando, assim, 66 cassacos sob o comando do Seu Chico Mendonça. A
primeira semana de trabalho não foi muito produtiva, porque os homens e os animais
ainda não estavam afeitos à rotina das tarefas, mas a partir da segunda semana,
com os homens e jumentos já treinados, o trabalho tornou-se sincronizado e
rápido. Meu avô, comandando uma equipe de 8 homens, era o responsável pela
alimentação dos operários e dos animais. Além do alimento volumoso (capim
seco), cada jumento era milhado, em mochila feita de couro cru de boi, duas
vezes ao dia, sendo um litro de milho pela manhã e um litro à tarde. À noite os
animais eram soltos em uma manga com capim panasco seco, com acesso ao rio para
beber água.
A alimentação dos operários era à base de Feijão preto, apelidado
pelos cassacos por feijão chumbinho (Phaseolus vulgaris), carne de charque,
rapadura e farinha de mandioca. A carne de charque e o feijão preto eram
importados da Região Sudeste do Brasil, pois a severa seca de 1958 não permitiu
a produção destes alimentos na região semiárida nordestina. O desjejum era
cuscuz de milho com carne de charque e café com bolacha.
Era interessante se
observar a passagem dos 100 jumentos, em fila indiana, carregados com terra,
rumo à parede do açude em construção. Os quatro tangerinos, com seus chicotes
de couro cru de boi, não batiam nos animais, pois o comando era feito com o
sinal auditivo de parar “aííí ...” e o estalo do relho do chicote no chão,
ordenando que caminhassem. Os jumentos, ao transportar a piçarra, faziam também
a compactação da parede com os cascos, pois o pisoteio, provocado pela
caminhada dos animais, fazia a compactação. Os jumentos subiam por uma das extremidades
da parede e desciam pela outra ponta e isto facilitava o descarregamento da
terra e a compactação do solo.
O trabalho na piçarreira era estafante. Cavar
com picareta, o solo duro e pedregoso, sob o sol inclemente é um trabalho para
poucos. Os cassacos com camisas velhas rasgadas, exibindo as costas nuas
queimadas pelo sol, chapéus de palha de carnaúba, descalços, cansados, suados e
desnutridos traduziam o trabalho desumano que realizavam. No final do mês de
fevereiro, o açude já estava pronto para receber as águas do próximo inverno
(período chuvoso). Este açude teve serventia por 16 anos, pois ele foi
arrombado pela violência das águas do copioso inverno de 1974. Este açude
servia para dessedentar o gado, plantio de forragens e produção de peixes. A
medida que o açude ia secando, plantava-se capim nas margens úmidas. Os
formigueiros na parede do açude e os fortes períodos chuvosos, com muitas
chuvas torrenciais, são as causas mais comuns de arrombamento de pequenos
açudes na região.
Enviado pelo professor, escritor e pesquisador do cangaço Benedito Vasconcelos Mendes
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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