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quarta-feira, 5 de janeiro de 2022

TUDO AINDA ESTÁ ALI...

 Por Rangel Alves da Costa

Logo atrás, após as paredes carcomidas da velha casa em Curralinho, palavras eram ouvidas como se a família ainda estivesse bordando e alinhavando o seu viver. “Olhe o cuscuz. Vá cortar um pedaço de toucinho no cordame do quintal. Mande Toinha comprar três contos de bolachão na venda de Chico Bilato ou Seu Neguinho”. Passado, pensei. Isso não existe, repeti. Mas mesmo no passado havia presença. Eu via, eu sentia. O São Francisco, nosso querido Velho Chico, majestoso, cheio de vida, fazendo o seu percurso mais abaixo. Ouvi um roncar de fole e sons de bolas de bilhar batendo pelas tabelas. Coisas dos irmãos Ciano e Valter, não seriam outras pessoas. Crianças dava batim quando voando do beiral das águas. Ao longe, avistei João de Virgílio ajeitando um saco nas costas para transportar até a cidade de Poço Redondo. Coitado de João, até de burro de carga era chamado. Mas nunca vi nada igual. Todos os dias, e mais de uma vez ao dia, ele levava nas costas desde sacos a outros mantimentos pesados, e retornava também com peso sobre a cabeça e os ombros. Até caixão de defunto ele transportava. João foi seguindo a estrada e eu mirei os horizontes ribeirinhos, os montes, as serras, o Pontaleão, as casinhas solitárias do outro lado do rio. Canoas chegavam com seus pescados. As tarrafas sendo jogadas e os alimentos recolhidos. Tempos diferentes de agora. O sino tocou e fiquei em dúvida em qual igreja, se na Capela de Nossa Senhora da Conceição ou na Igreja de Santo Antônio. Não importa. Importa o que veio a seguir. A fé e a religiosidade do ribeirinho de Curralinho caminhando com seus xales, seus rosários de contas, seus cadernos de orações, suas preces e suas promessas para salvação. Depois me dei conta que estava noutro tempo, que tudo aquilo era miragem, era ilusão. Mas não. O tempo passou, mas tudo ainda está ali.

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