Por Rangel Alves da Costa
Logo atrás, após as paredes carcomidas da velha casa em Curralinho,
palavras eram ouvidas como se a família ainda estivesse bordando e alinhavando
o seu viver. “Olhe o cuscuz. Vá cortar um pedaço de toucinho no cordame do
quintal. Mande Toinha comprar três contos de bolachão na venda de Chico Bilato
ou Seu Neguinho”. Passado, pensei. Isso não existe, repeti. Mas mesmo no
passado havia presença. Eu via, eu sentia. O São Francisco, nosso querido Velho
Chico, majestoso, cheio de vida, fazendo o seu percurso mais abaixo. Ouvi um
roncar de fole e sons de bolas de bilhar batendo pelas tabelas. Coisas dos
irmãos Ciano e Valter, não seriam outras pessoas. Crianças dava batim quando
voando do beiral das águas. Ao longe, avistei João de Virgílio ajeitando um
saco nas costas para transportar até a cidade de Poço Redondo. Coitado de João,
até de burro de carga era chamado. Mas nunca vi nada igual. Todos os dias, e
mais de uma vez ao dia, ele levava nas costas desde sacos a outros mantimentos
pesados, e retornava também com peso sobre a cabeça e os ombros. Até caixão de
defunto ele transportava. João foi seguindo a estrada e eu mirei os horizontes
ribeirinhos, os montes, as serras, o Pontaleão, as casinhas solitárias do outro
lado do rio. Canoas chegavam com seus pescados. As tarrafas sendo jogadas e os
alimentos recolhidos. Tempos diferentes de agora. O sino tocou e fiquei em
dúvida em qual igreja, se na Capela de Nossa Senhora da Conceição ou na Igreja
de Santo Antônio. Não importa. Importa o que veio a seguir. A fé e a
religiosidade do ribeirinho de Curralinho caminhando com seus xales, seus
rosários de contas, seus cadernos de orações, suas preces e suas promessas para
salvação. Depois me dei conta que estava noutro tempo, que tudo aquilo era miragem,
era ilusão. Mas não. O tempo passou, mas tudo ainda está ali.
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