Por: Ignácio Tavares
Pela segunda
vez estou a falar sobre Marcionilo. Vou contar outros fatos reais que foram
omitidos no texto anterior. Marcionilo, no exercício da atividade policial
passou por momentos decisivos. Às vezes, frente a frente com o inimigo não
tinha alternativas, pois tinha que fazer a dura escolha: matar ou morrer.
A cavalo, percorria todo sertão na busca de perigosos bandidos que infestavam a
região no começo do século passado. A calçada da casa do tio Cândido era o
local onde ele costumava contar suas proezas. Uma ressalva: não mentia. Assim
sendo, costumava dizer que tudo que contava era verdade pura.
Tinha o hábito de contar suas estórias por etapas. Falava que, na época das
volantes, a ordem dada pelo tenente era de que em confronto como o inimigo só
havia duas saídas: um ou outro sobreviverá. Esta era uma situação possível,
pois na sua caminhada pela caatinga adentro, tinha que enfrentar perigosos
bandidos que viviam atormentar a população sertaneja.
Dizia: quando se tratava de ladrões de galinha, bode, jumentos, carneiros,
entre outros furtos de pequena monta, o castigo era mandar o cabra ficar nu,
depois aplicar uma pisa com galhos de urtiga braba e mandar correr sem olhar
pra trás. Agora, quando o enfrentamento era com bandidos perigosos praticantes
assassinatos bárbaros, de estupros, ofensa e agressão a crianças, idosos,
viúvas, a recomendação era mandar o homem pra a cidade de pés juntos. Era a lei
de Talião, seja dente por dente, olho por olho
Essa lei prevaleceu no sertão da Paraíba nas primeiras décadas do século
passado. Era a lei do Coronel, a lei do mais forte. A polícia atuava como se
fosse uma milícia particular do Coronel. As ordens partiam da Casa Grande, com
total anuência das autoridades do Estado.
Pois é naquele tampo era assim mesmo. Por muito tempo circulou uma história de
que, certa vez um influente Coronel da Jurisdição de um município vizinho,
obrigou um soldado de polícia lhe entregar a farda, somente porque prendeu um
cidadão do seu círculo de amizade.
Marcionilo era rebelde, pois não recebia ordens paralelas de ninguém. Ordens,
somente quando partiam do seu comandante. Foi por isso que, depois daquele
episódio o Piancó, definitivamente deixou a polícia para não mais retornar.
Restou apenas a lembrança dos principais fatos ocorridos durante tempo em que
correu atrás de bandidos.
Certa vez, Joãzinho filho de Senhor de Pai Benigno, exatamente na calçada da
casa do tio Cândido, perguntou: ¨ Ô Marcionilo durante todo aquele tempo que
você estava a correr atrás de bandidos qual foi o seu pior momento”? Ah, meu
Joãozinho, não lhe conto, veja só o que aconteceu comigo: ¨certo dia eu estava
com vontade de vir a Pombal. A volante estava estacionada nas proximidades de Jericó.
Falei com o tenente expliquei minhas razões, assim ele me concedeu seis dias de
folga. Estava com saudades da minha mulher Maria Catarina meu grande e único
amor desde quando menino”.
Selei o cavalo, marquei o rumo de Pombal e tomei a estrada, fui-me embora.
Depois de mais ou menos uma hora de cavalgada vi ao longe um sujeito num cavalo
preto que vinha na minha direção. Eu disse: êta diabo, a coisa vai ficar ruim.
O sujeito ao se aproximar falou-me: ¨bom dia senhor¨! Respondi: bom dia!. Olhou
pra mim, com um olhar estranho e perguntou: ¨por acaso pra onde o senhor pensa
que vai? Respondi: penso não, vou pra Pombal. Comecei a olhar pra o sujeito e
vi coisas estranhas que não era comum em nós humanos.
Como era o sujeito? Perguntou Joãzinho. ¨Ora, ele não tinha pernas. Apesar de
estar sentado no cavalo, só conseguir enxergá-lo dos joelhos pra cima. Além do
mais, os olhos dele pareciam duas brasas e o cavalo não tinha orelhas muito
menos rabo¨.
Quem era então esse homem? Perguntou Joãozinho. Marcionilo pensou um pouco e
respondeu: ¨acho que só podia ser o cão¨. Essa história perdurou por muito
tempo. O tio Cândido costumava dizer que Marcionilo foi o único homem que,
depois de Jesus, conseguiu conversar com o diabo.
O tempo passa e Marcionilo continua a frequentar a calçada da casa de Cândido.
Numa dessas noites, estava presente todo grupo de amigos e suas respectivas
esposas. Era a época em que Frei Damião estava a celebrar a Santa Missões
Evangelizadoras. Então alguém falou que Marcionilo devia ir a Igreja para se
confessar com Frei Damião.
O que! Respondeu Marcionilo. ¨Eu, contar os meus segredos a um comedor de
feijão como eu¨? ¨Jamais¨ ! “Maria Catarina sua esposa, entrou na conversa e
falou: ¨ ora, todo dia eu rezo pra ele ir a Igreja e se confessar, porque acho
que nas suas andanças por aí cometeu uma danação de pecados, mas, não tem
jeito.”
A pressão em cima de Marcionilo por parte das pessoas que estavam ao seu redor
foi muito forte. Assim sendo resolveu comparecer a Igreja a fim de contar seus
pecados a Frei Damião. À noite todo mundo foi a Igreja para testemunhar esse
grande momento. Entrou na fila e pacientemente esperou por sua vez. Enfim
chegou a tão esperada hora. Marcionilo frente a frente com Frei Damião.
Inicialmente começou a falar alto, mas foi repreendido pelo Frade. Assim, quase
sussurrando, começou a contar seus pecados. Quem estava mais próximo, percebe
que cada pecado que Marcionilo contava o Frei se benzia e dizia: ¨meu Senhor
Jesus nunca vi coisa igual, tende piedade desse vosso filho¨.
Foi uma confissão demorada. Já no final, Frei Damião ouviu uma revelação feita
por Marcionilo que o deixou apavorado. Marcionilo falou que tinha conversado
com o cão. O nervosismo tomou conta do ambiente porquanto o Frade ficou sem
ação, pois não acreditava no que estava a ouvir.
Numa reação instantânea o Frei pulou fora do confessionário, foi até o
altar-mor, fez algumas orações e retornou. ¨Como é mesmo filho você conversou
com o maligno? Perguntou o Frei. Conversei sim. Respondeu Márcionilo. Você não
teve medo dele roubar a sua alma¨? Respondeu Marcionilo: ¨Frei se ele tivesse
se aproximado de mim teria sido espetado no meu punhal, como já espetei muitas
cabras safados por esse mundo afora¨.
Basta Filho! Basta filho¨! ¨Você está perdoado dos pecados. Agora, não volte
mais a pecar¨. ¨Vou lhe passar uma penitência leve. Você vai ter que rezar todo
dia 50 Pai Nosso e 30 Ave Maria. Isso durante o ano inteiro. Assim determinou o
Frei¨.
Marcionilo ficou tão leve que nem sequer foi pra casa jantar, pois permaneceu
na Igreja para assistir à celebração da novena. Contrito, pôs-se a escutar a
palavra do Senhor Jesus, na hora da homilia.
A sua empolgação diminuiu quando o Frade, justo na homilia fez referencia a
grande incidência de pecadores em Pombal, falou: ¨ nesta terra tem até gente
que conversou com o cão. Marcionilo fala baixinho ao ouvido da sua esposa Maria
Catarina: ¨o Frei já começou conversar besteira. “Continuou: ¨se falar o meu
nome tenho certeza que não vai dar certo”.
Com medo de ser exposto à curiosidade da multidão reagiu: ¨vamos embora minha
Maria¨. A esposa resistiu ao seu convite, seja preferiu ficar. Assim sendo
esperou um pouco mais e viu que o Frade não citou o seu nome. No outro dia na
calçada da casa do tio Cândido era só o que se falava: Marcionilo descobriu os
caminhos da conversão. Veja só, até um crucifixo pendurado no pescoço a exemplo
dos frades Franciscanos.
Realmente houve uma mudança considerável no seu modo de viver. Passou a
frequentar a Igreja, em companhia da esposa, porém, sem jamais abdicar os seus
princípios de honradez e dignidade. Assim viveu, assim morreu.
João Pessoa,03 de Abril de 2013
Ignácio Tavares
Enviado pelo professor José Romero Araújo Cardoso
http://blogdomendesemendes.blogspot.com/
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