Por Rangel Alves
da Costa*
Não se trata
aqui de traçar um percurso histórico do relacionamento amoroso, da união
verdadeiramente conjugal entre Lampião e Maria Bonita, suas causas e
consequências. Nada disso. A historiografia já trata muito bem sobre aquele
encontro, aquele olhar, aquela paixão pela esposa revoltada do sapateiro.
Contudo, não há como deixar de observar nesse compartilhamento ungido no amor e na dor feições do destino, do acaso, do cumprimento aos desígnios divinos para sua existência e continuidade em situações tão adversas. Somente os grandes amores têm o dor de vencer as barreiras mais difíceis que lhes são impostas.
Pois bem. Não é todo dia que um cangaceiro, tendo por moradia as caatingas sertanejas e bebendo água no oásis ressequido da esperança, correndo de um canto a outro no encalço do inimigo ou sendo perseguido, vá ter tempo para as coisas do coração. Uma mulher sempre faz falta a um homem, em qualquer situação, mas seria impensável que um bicho do mato fosse sentir amor à primeira vista pela “mulata da terra do condor”.
As tais linhas tortas nas quais Deus escreve certamente que eram aqueles caminhos arenosos e espinhentos, cheios de labirintos e ladeados por inimigos que um dia o Capitão achou de percorrer nas suas andanças. Se soubesse que o inimigo estava mais adiante, entrincheirado numa moita à espera da aproximação, ainda assim nada impediria esse caminhar. Ora, os passos do destino são sempre para frente.
Então ele seguiu adiante em busca desse destino sem jamais imaginar que naquela vastidão de secura e pobreza iria encontrar sua bem amada, a mulher que logo seria o gás na sua chama de lampião. E que doravante seria sua companheira não somente das coisas do amor, mas também nas lutas tenebrosas de todos os dias, desde o acordar ao curto adormecimento debaixo da lua.
E aquela bela mulher agrestina, tão bonita como toda Maria, ferida no amor por
um casamento conturbado com um artesão sertanejo, por que sentiu o coração
amolecer quando olhou nos olhos da tão temida figura, simplesmente o rei das
caatingas e mandacarus, o homem que fazia quase todo o sertão ajoelhar-se aos
pés? Por medo, por desatino, por loucura, maluquice ou coisa parecida? Tudo
destino, tudo fadário e sina, o acaso unindo o impossível para que aquelas
linhas tortas pudessem ser lidas.
Não há que se pensar diferente. O bicho brabo do mato, o feroz cangaceiro,
aquele que muitos imaginavam não ter sentimentos e muito menos guardar
esperanças de amor por uma mulher, de repente encontra uma bela sertaneja,
porém comprometida, ainda casada na honra do povo sertanejo. Esse inusitado,
num verdadeiro emaranhado difícil de ser entendido, só pôde ser desalinhavado e
justificado quando ela, sem temer a língua dos outros nem o futuro, colocou a
aliança de sol e a grinalda de espinhos de quipá.
Certamente que na sua decisão de acompanhar para a vida e a morte o rei dos cangaceiros, já imaginou a dimensão das durezas e dos sofrimentos que iria encontrar pela frente e por todo lugar. E o que pode ser mais forte do que a vida em constante perigo, vivendo cercada de inimigos, quase sem tempo para reconhecer-se na existência, senão o amor? Somente o amor, a entrega absoluta ao Capitão, tornaria suportável aquele lar debaixo do sol e da lua, adornado de espinhos e manchado de sangue.
Se há que se escolher, entre os dois, aquele que verdadeiramente permitiu que todo esse amor acontecesse, sem dúvida que todo o mérito caberia a ela, Maria Bonita. Eis que desafiou o seu tempo e rasgou o véu tradicionalista da história para acompanhar o seu homem pelos caminhos incertos. E se há que se escolher aquele que lutou para que o amor não fosse sendo diminuído pelas durezas da estrada, este foi Lampião. Este soube obedecer ao coração, buscou ter tempo para a guerra e para o amor, para tê-la sempre ao seu lado até que a morte enfim chegasse.
E depois de mais um dia de luta e aflição, certamente que o Capitão ainda guardava tempo para convidá-la a sentar no alto do morro, lá mais próximo da lua sertaneja, e dizer a sua Maria sempre bonita: “Só sei o que é vitória nessa luta sem fim quando volto pra os seus braços”.
E é por isso que a poesia canta: “Virgulino Ferreira, o Lampião/ Bandoleiro das selvas nordestinas/ Sem temer a perigo nem ruínas/ Foi o rei do cangaço no sertão/ Mas um dia sentiu no coração/ O feitiço atrativo do amor/ A mulata da terra do condor/ Dominava uma fera perigosa/ Mulher nova, bonita e carinhosa/ Faz o homem gemer sem sentir dor/ Mulher nova, bonita e carinhosa/ Faz o homem gemer sem sentir dor...”.
Poeta e
cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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Excelente texto do amigo Rangel. Só não sei a essa altura onde você Mendes está buscando. Certamente este e outros textos passaram por mim e eu não os observei.
ResponderExcluirGrato,
Antonio Oliveira
Grande Antonio de Oliveira:
ResponderExcluirEste texto do Rangel eu encontrei no facebook.
Agora pude entender caro Pesquisador Mendes. Logo que eu não lido com o FACE, não o tinha em meu arquivo.
ResponderExcluirGrato,
Antonio Oliveira - Serrinha