Por Rangel Alves
da Costa*
Ninguém duvida
da vida difícil que era a cangaceira. Aqueles homens e mulheres da caatinga não
levavam outra vida senão andando, correndo, se arrastando de canto a outro.
Ora, com a volante no encalço, sem tempo de repouso maior e confortável em
qualquer coito, não podiam se dar ao deleite da despreocupação.
No cangaço era
tudo muito rápido, muito apressado, apenas no tempo necessário para as
investidas, os assaltos às povoações, os confrontos com as forças inimigas, as
visitas aos coronéis e aos amigos sertanejos. Mesmo nos coitos tidos como
seguros, naqueles onde podiam contar com fiéis coiteiros ao redor, os
apetrechos sempre estavam prontos para a partida no instante seguinte. Bastava
o recebimento de notícia ou um mau pressentimento e a cangaceirama levantava
acampamento rumo a mataria.
Ademais,
impossível não viver apressadamente quando a volante nunca estava muito
distante. E nesse passo eram avistados ora num canto ora noutro. De Jeremoabo
seguiam pra região de Carira, de Nossa Senhora das Dores seguiam para Capela,
de Canindé seguiam em direção a Poço Redondo, de Poço Redondo rumavam em
direção às terras baianas, e assim por diante. Mas nunca fazendo itinerários
muito previsíveis, sob pena de serem alcançadas na curva seguinte.
Mas a verdade
é que Lampião não gostava muito de entrar nas cidades, só o fazendo para os
ataques ligeiros. Somente quando mantinha amizade numa povoação e confiava no
anfitrião é que se demorava para um regabofe mais apurado. Em Poço Redondo, por
exemplo, na casa de seu amigo China do Poço (meu avô), não só dividiu a mesa
com o Padre Arthur Passos como assistiu missa na igrejinha local. Ele e grande parte
dos acompanhantes.
A cangaceirada
também não desprezava uma festança forrozeira, mas não era em todo salão que as
armas eram baixadas. Acaso sentisse segurança numa povoação, logo mandava
providenciar um sanfoneiro para alegrar as durezas da vida. Tremendo,
assustadas, as mocinhas eram convidadas a dançar, e todas quase sufocadas pela
mistura de suor, perfume forte e cachaça. O cangaço era tão chegado a uma
descontração festeira que gaitas ecoavam naqueles coitos debaixo da lua grande.
E então os pares se juntavam em bailados catingueiros.
Mas tudo muito
rápido, muito ligeiro. Não era possível permanecer além de o tempo necessário
em qualquer lugar. Os olhos inimigos estavam por todo canto, não se podia
confiar em ninguém. Ademais, por onde passavam sempre deixavam rastros e
notícias sempre primorosos para os inimigos. Por isso que partiam como haviam
chegado, sempre de surpresa, surgindo de repente, como manda a velha estratégia
de não ficar de corpo aberto em tempo ruim ou lugar desconhecido.
Assim, era no
meio do mato, baixando num coito e noutro, cruzando as veredas espinhentas,
despontando assustadoramente nas malhadas das fazendas, que o bando vivia
sertões adentro. E tantas vezes em grupos separados no mesmo lugar. Quando as
forças baianas e pernambucanas seguiram no encalço do bando até a região da
Fazenda Maranduba, em Poço Redondo, e em número de homens muito maior que o de
cangaceiros, a chacina final só não se deu porque Lampião havia separado seus
cabras. E cada pequeno grupo debaixo de um umbuzeiro. Quando a volante imaginou
haver cercado o bando inteiro, já estava cercada pelos outros grupos de
cangaceiros. E foi assim que ocorreu uma das maiores vitórias de Lampião.
Contudo,
parece incontestável que o bando aproveitava ao máximo cada instante de repouso
em meio às caatingas ou nos coitos. Os retratos não deixam mentir, e neles uma
constatação interessante: parece ter havido um salão de beleza acompanhando a
cangaceirama. Brincadeira à parte, mas quem olhar com atenção as fotografias com
aquelas mulheres todas bem penteadas, com traças e trançados trabalhados à mão,
com cabelos e mechas cuidadosamente arrumados, brilhosos, não há que pensar
diferente. Como Maria Bonita conseguia posar, ali no meio do mato, com cabelo
tão bem penteado que mais recorda uma artista hollywoodiana de outros tempos?
Uma verdadeira Greta Garbo cabocla.
Os retratos
mostram uma Maria Bonita verdadeiramente bonita. Não tão bela como Lídia,
Dulce, Sila ou Enedina, mas de uma beleza realmente sertaneja. Não era alta nem
de rosto fino, angelical, mas de olhar e um sorriso de Monalisa que justificam
o desejo amoroso despertado em Lampião. Mesmo com meias compridas e grossas até
acima dos joelhos, logo se vê que suas pernas são cheias, bem torneadas,
bonitas. E fotografava extremamente bem. Mas como possuía a cara um pouco
arredondada, sempre posava com o rosto virado um pouco de lado, de modo a se mostrar
mais afinada, deixando sobressair seu olhar sensual, seu sorriso meigo, seu
cabelo se dobrando sobre a fronte.
Que bela
mulher a cangaceira. E que bonita a Maria.
Poeta e
cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
Muito bem caro Mendes, estive agora dizendo ao Dr. Rangel, que embora ele seja muito ocupado, mas ficamos felizes quando ele escreve e posta matérias sobre o cangaço.
ResponderExcluirGrato,
Antonio Oliveira - Serrinha