Por Kennet Anderson e Isadora Morena
Brasil de Fato
| Natal (RN) |
Perseguições políticas e torturas por agentes do Estado em 64 só sobrevivem na mente de quem sofreu ou cometeu os crimes
No dia 28 de
agosto se comemora o aniversário de 40 anos da Lei de Anistia, promulgada em
plena ditadura militar após muita mobilização social. Mas pouca gente sabe do
que essa lei trata e como ela afetou o Rio Grande do Norte.
Desde o
primeiro dia do golpe militar brasileiro, em 1 de abril de 1964, o estado do RN
passou por importantes mudanças. O governo estadual de Aluísio Alves, no
primeiro momento, foi aliado do regime militar, fazendo uma política de
repressão alinhada com os ditames federais.
Segundo Juan
de Assis Almeida, advogado e membro da Comissão da Verdade da UFRN, “ocorreram
diversas intervenções em sindicatos, diretórios estudantis e repartições
públicas. Muito porque o RN era bem engajado com educação popular e educação
com direitos humanos, com as experiências de Paulo Freire, em Angicos (1961); e
com o ‘De Pé no Chão Também se Aprende a Ler’, idealizado pelo prefeito de
Natal na época, Djalma Maranhão, e pelo secretário de educação, Moacir Gomes”.
Ele afirma que
logo no início do golpe houve uma ação muito intensa de perseguição política
contra diversos setores do estado, principalmente os progressistas e da Igreja
Católica. Isso porque as atividades desenvolvidas por esses setores tinha “um
viés político de emancipação e educação que despertava a consciência de
classes, também mobilizavam muita classe estudantil local da época, como
secundaristas e universitários”.
Em 1964, as
perseguições no RN se concentravam mais na capital. O 16° Batalhão de
Infantaria (16 RI) era o principal local de prisões políticas, apesar de que
outros estabelecimentos também serviram, como o quartel geral da Polícia
Militar, Base Naval de Natal e a Base Aérea de Parnamirim, onde se registram as
principais violações de direitos humanos. Já no final da década de 60 para
início de 70 prisões foram registradas no interior, como o caso do estudante de
engenharia Queginaldo, que participava do Diretório Central dos Estudantes
(DCE) e era militante do Partido Comunista Brasileiro (PCB), preso em
Alexandria (Oeste Potiguar).
Juan explica
que na Comissão da Verdade da UFRN “a gente cataloga, em 64, diversas
violações, como tortura, privação de sono, prisões extrajudiciais”. Com essas
atitudes violentas e o grande número de prisões o governo conseguiu desmantelar
as organizações sociais e estudantis do estado. Até que entre 1967 e 68 começou
um engajamento bem intenso de pessoas em ações de resistência ao regime.
Segundo o
advogado,“O PCB local, como em todo Brasil, se desintegra em outros partidos,
como o Partido Comunista Revolucionário (PCR) e o Partido Comunista Brasileiro
Revolucionário (PCBR). E lideranças estudantis, principalmente dos cursos de
humanas (Direito, Sociologia e Serviço Social), tiveram uma participação mais
intensa, como Emanuel Bezerra dos Santos (oficialmente assassinado pelo
Regime)”. Esse maior engajamento leva esses militantes a partir para a luta
armada.
Anistia
A partir da
segunda metade da década de 70, nacionalmente se iniciou um processo de luta
pela Anistia. Após o Movimento Feminino pela Anistia e o Comitê Brasileiro da
Anistia, foram criados os comitês regionais e locais.
“O Comitê
estadual foi criado em abril de 1979, quando já existia 15 anos de ditadura, de
ausência de estado de direito”, explica a socióloga Maria Rizolete Fernades,
que era secretária do órgão. Ela coordenava o Comitê junto ao deputado estadual
Roberto Furtado e Sérgio Dieb, que se tornou vereador depois da abertura
política.
O modo de
operação desse Comitê era a realização de atos, audiências que mobilizassem a
opinião pública e, também, visitas aos presos políticos nos locais de detenção.
Segundo Juan, “o Comitê realizava, recorrentemente, audiências públicas, onde
se debatiam a luta por uma Lei da Anistia em que mobilizasse a soltura de
presos políticos, a reintegração de servidores públicos demitidos por
circunstâncias políticas e ideológicas e a responsabilização de agentes
públicos”.
Juan explica
que “nessa segunda onda de repressão o Rio Grande do Norte não foi palco de
prisões políticas. Maurício Anísio de Araújo foi um dos poucos presos políticos
aqui, que ficou na penitenciária da Zona Norte. Mas a maioria dos potiguares
eram presos em Pernambuco, unidade central do aparato da justiça militar”.
Rizolete nos
conta que o Comitê organizava viagens à Ilha de Itamaracá (PE) para visitar os
presos políticos potiguares. Ônibus eram alugados e uma comitiva viajava com
comidas para partilhar com os detentos. Essa era uma forma de fiscalizar o
estado da prisão e os proteger de retaliações. O dinheiro para essas viagens
era recolhido de pedágios feitos no RN.
O Comitê
exigia a Anistia, que, de maneira geral, pode ser compreendida como o “perdão
de crimes políticos”. Ela é irrevogável, coletiva e concedida pelo Estado. O
ato de anistia tem caráter radical pelo fato dela não apenas cessar a pena, mas
o fato considerado criminoso. No Brasil, lutava-se para que ela fosse geral,
ampla e irrestrita. Mas não foi o que aconteceu: a lei sancionada pelo Ditador
João Batista Figueiredo não incluiu aqueles considerados terroristas e incluiu
os militares torturadores.
De toda forma,
muitas pessoas foram abarcadas pela Lei de Anistia de 79, principalmente
servidores públicos que tinham saído de seus cargos por perseguição. Segundo
Juan “diversos professores universitários e servidores estaduais voltaram aos
seus antigos postos de trabalho, foi um movimento de readmissão e reintegração
do serviço público no Rio Grande do Norte, uma volta do status quo de
muito perseguidos políticos.”
Falta de
memória local
O advogado
Juan conta que durante a investigação da Comissão da Verdade da UFRN, “a gente
enfrentou diversas dificuldades, sobretudo de pesquisa documental, pois o
estado do Rio Grande do Norte não preserva bem os seus acervos de direitos
humanos. A gente procurou num arquivo público do estado, em arquivos públicos
em condições muito precárias da própria universidade. Constatamos sumiços de
diversos acervos importantes, como no caso da Assessoria de Segurança e
Informações, um órgão de repressão que funcionava dentro da universidade”.
Ele afirma que
“a gente tem uma lacuna, de arquivos parcialmente destruídos e sem uma
localização precisa. A memória sobre esse período ainda precisa ser muito bem
elaborada, muito bem construída.” Esse processo de apagamento, segundo ele,
serviu muito para as elites locais, porque a ditadura teve apoio delas.
Após todo
relatório da Comissão, foi feito dez recomendações à universidade e aos poderes
do estado, de medidas que visassem aprofundar ações de memória e verdade. Uma
delas foi a criação de memoriais, em que a cidade pudesse ter consciência que
houve ditadura e violações de direitos humanos aqui. Juan afirma que “nós temos
diversas repartições militares que foram centros clandestinos de tortura, então
isso passa muito despercebido aos ouvidos da população”.
Entretanto, os
órgãos públicos ainda não acataram as recomendações da Comissão, o que é visto
pelo advogado como “um projeto de esquecimento do que aconteceu naquele período
e que ainda está muito presente.” Para ele, esse “apagamento” é ainda mais
reafirmado com os posicionamentos do presidente Jair Bolsonaro (PSL) a favor de
ex-torturadores e da própria Ditadura.
“A pauta do
direito a memória, da reparação e da verdade, é algo que se foi definido como
um projeto constituinte de país. Lá em 1987-1988, os deputados constituintes
entenderam que o Estado brasileiro praticou crimes contra seus cidadãos. Esse
projeto que Bolsonaro está encampando é contradizer o que a própria
Constituição consagrou como projeto de país: que reconhece o que aconteceu no
passado, repara seus cidadãos e tenta construir um novo presente”.
Edição: Marcos
Barbosa
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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