Por Renato Borges de Sousa
Há muitos e
muitos anos, no pequeno reino de onde vieram meus antepassados, havia um homem
que possuía muitos filhos e maior prazer que concebê-los era o de conseguir
padrinhos para os mesmos.
Pense, leitor,
em um homem para gostar de fazer menino? E o danado não parou nem aos setenta
anos, pois teve ainda uma “rapinha de tacho”, ou seja, uma última filha. Tal
acontecimento fez com que tal homem ficasse noites e noites sem dormir, uma vez
que todos no vilarejo eram padrinhos dos seus filhos. Ali, não havia mais
compadres disponíveis.
Foi aí que ele
prometeu que quando a menina nascesse ele sairia mundo afora e o primeiro
forasteiro que encontrasse pelas estradas seria o padrinho da sua caçula. E
assim, logo após a primeira curva saindo da cidade, se depara com um frei que,
embora assustado com o inesperado convite, topa ser padrinho da pobre criança.
Daquela vez, teria o tal seria compadre de Santo Antônio.
Nesse mesmo
dia, batizaram a menina e o pai desejando homenagear o compadre coloca na filha
o nome de Antônia. Ao se despedir, Santo Antônio faz um pedido ao pai: que ele
eduque a criança da melhor maneira possível, pois quando ela tiver treze anos
ele virá buscá-la.
No dia em que
Antônia completou os treze anos, uma vez que a tarde já se esvaia, o pai pensando
que o padrinho havia esquecido da promessa, saiu com a filha no rumo da cidade
na tentativa de empregá-la. Mas no caminho, encontram com o Santo Antônio, que
disse:
--- Levarei
tua filha para ser feliz no palácio do rei. --- Confie em mim... só peço a
vossa pessoa que de hoje em diante ela, em vez de Antônia, seja chamada de
Antônio e que, em vez de vestidos, passe a usar roupas de homem, pois com tanta
formosura, ela correrá perigo em meio a tantos nobres.
Assim,
dirigiram-se padrinho e afilhada ao palácio. Antes de entrarem, Santo Antônio
orienta a afilhada:
--- Se
estiveres em alguma aflição, com muita fé pronuncie: “valei-me, meu padrinho”,
que eu virei em teu socorro.
Entregue ao
rei, Antônia foi servir de ajudante da soberana. E não demorou para que a
rainha se apaixonasse pelo novo serviçal, uma vez que ela julgava que Antônia
era um rapaz. Todavia, vendo que não era correspondida, passou a infiel esposa
a envolver o novo súdito com intrigas, como da vez em que fofocou ao rei que
Antônio havia dito que era capaz de colher, em uma só noite, todos os grãos de
trigo dos campos do reino.
Curioso, o rei
indaga Antônio sobre a suposta alegação, respondendo o pobre empregado que
jamais dissera aquilo, mas que tentaria tal missão, pois não desejava deixar o
rei desapontado. Então, foi ele aos campos rogando:
--- Valei-me,
meu padrinho!
Nesse mesmo
instante, Santo Antônio surgiu tranquilizando a afilhada:
--- Vá dormir
embaixo daquela árvore... --- Pela manhã, tudo estará colhido e ensacado.
Se o rei ficou
imensamente feliz, a rainha mais ainda apaixonada pelo ajudante, jurando a si
mesma que se não fosse correspondida, faria de tudo para que o rapaz fosse
mandado embora do palácio. Sob a nova tentativa da rainha, Antônia só pode
dizer:
--- Majestade,
eu não posso amá-la sem ser desleal ao meu rei.
Furiosa, a
rainha vai ao esposo:
--- Eu joguei
ao mar meu anel de diamantes, porque Antônio jurou que era capaz de resgatá-lo.
Requisitada à
presença do rei, Antônia responde que aquilo jamais pronunciou, mas como não
desejava deixar o rei desapontado, tentaria recuperar o citado anel. Indo a um
lugar isolado, implora a pobre moça pela ajuda do padrinho, pronunciando a
frase que aprendeu na estrada.
Nesse momento,
mais uma vez surge o bondoso santo, pedindo que a afilhada fosse pescar, pois
na barriga do primeiro peixe fisgado estaria o tal anel da rainha. Dentro em
pouco, diante do trono do rei, ninguém conseguiria definir quem brilhava mais,
se o anel que Antônia mostrava na palma da mão ou os olhos maravilhados do monarca.
Alimentada
pelo ódio que vinha de cada recusa de serviçal, pela terceira vez, a rainha
destila seu veneno:
--- Amor,
Antônio afirmou que era capaz de resgatar nossa filha que está em poder dos
cruéis mouros.
Chamada,
novamente afirma Antônia que nunca dissera aquilo, mas que poderia tentar
trazer de volta a princesa. E assim, partiu nessa aventura. Ao longo da
estrada, pronunciando pela terceira vez: “Rogai-me, meu padrinho”, recebe
preciosa ajuda:
--- Podes
seguir, afilhada, até o final dessa estrada, onde encontrarás o castelo que
mantém a princesa prisioneira. --- Não te preocupes, os guardas estarão em sono
profundo e poderás trazer tranquilamente a filha do nosso rei.
Antes de ir
embora, Santo Antônio entrega a afilhada uma vareta, pedindo que com esse
objeto ela batesse três vezes na princesa: uma primeira vez, quando estivessem
saindo da prisão; outra no caminho de volta e uma última quando estivessem na
calçada do palácio.
Sabendo que a
filha era surda e muda, aproveitando-se que o marido estava muito feliz em
reencontrar a princesa, grita a rainha:
--- Amor, o
Antônio jurou que conseguiria fazer nossa filha falar.
Sem perda de
tempo, ali mesmo, sentencia o rei que se Antônio conseguisse tal façanha,
receberia como prêmio a mão da princesa. Assim, mais uma vez, Antônia pede
ajuda ao padrinho, que pede que ela, na frente do rei, pergunte a princesa
sobre as três vezes que bateu nela com a vareta.
E tudo
esclarece a princesa:
--- Bateste em
mim na saída da prisão, porque minha mãe tentou te levar três vezes para a
cama; --- Na estrada, porque Santo Antônio é teu padrinho... --- E aqui na
calçada, porque não es rapaz; es moça!
Dessa maneira,
ao mesmo tempo em que o rei se decepcionou com a infidelidade da rainha, estava
encantado com todas as maravilhas que Antônia vinha fazendo. Não perdendo
tempo, baniu a rainha maldosa, casando-se com Antônia que, após aquele dia,
assumiu seu nome original, além de só usar belos vestidos, seguindo por muitos
anos protegida pelo famoso padrinho, Santo Antônio.
Essa é uma antiga narrativa portuguesa, ainda escrita em Português arcaico, mas que tentei lapidá-la, sugerindo uma roupagem mais mossoroense.
Enviado pelo professor, escritor, pesquisador do cangaço e gonzagueano José Romero de Araújo Cardoso
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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