*Rangel Alves da Costa
Quando estou meio assim... Mais triste que alegre, mais meditativo que prosista, mais reflexivo que atencioso, mais chuva que sol. Quando estou meio assim... Mais nostálgico que presença, mais saudoso que instante, mais choroso que sorridente. Quando estou meio assim... Mais distante que aqui, mais na nuvem que no chão, mais passarinho que andante. Quando estou meio assim... Mais entardecer que clarão do sol, mais enluarado que o dia aberto, mais vaga-lume que luz de poste. Quando estou meio assim... Mais carinhoso que a normalidade, mais carente que qualquer fartura, mais sensível que ausente. Quando estou meio assim... Mais poeira e pó que pedra dura, mais flor de mandacaru que espinho cru, mais pássaro triste que andorinha. Quando estou meio assim... Mais silêncio que voz, mais cabisbaixo que o pensador, mais entristecido que o enlutado. Quando estou meio assim... Mais dentro de mim do que aflora à pele, mais profundo que a rasura de tudo, mais humilde que a roupa velha. Quando estou assim, oh quando estou assim... Sou apenas eu, em mim. Quando estou assim, sou apenas eu. Em mim!
Quando estou meio assim... Um livro velho que ninguém mais lê, como um álbum antigo que ninguém mais olha, como um retrato amarelado que ninguém sequer percebe mais, então desejo ser apenas o antigo e o cheio de traças. Quando estou meio assim... Mais distância que o continente, mais longe que qualquer porto, mais ilha que qualquer cais, então nem olha para trás e querer retornar. Quando estou meio assim... Mais curtido de sol que um velho alforje, mais chamuscado de tempo que um envelhecido embornal, mais rachado na fundura que um cantil de sol, então junto tudo o que tenho e passo a ser caçador de mim mesmo. Quando estou meio assim... Mais cangaceiro que qualquer bandido, mais atrevido que qualquer jagunço, mais frio e voraz que qualquer facínora, então me submeto à irresignação e já não serei mais nem arma nem estampido. Quando estou meio assim... Mais triste que a noite chuvosa, mais pranto que toda saudade, mais aperreado que o desamado, então apenas choro e sofro mais e mais, e tanto mais até que o mar escorra e a calmaria faça navegar o meu barco. Quando estou assim, oh quando estou assim... Sou apenas eu, em mim. Quando estou assim, sou apenas eu. Em mim!
Quando estou meio assim... Uma pedra de sal que tão esmagada já não salga mais nada, um torrão de açúcar que tão devastado já não adoça mais, um vidro derramado de azeite sobre a mesa do tempo, então bebo e como do insosso do que ainda resta experimentar. Quando estou meio assim... Um vaso de flores de plástico que pede água pelo ressecamento, uma moringa no umbral de janela que chora sua umidade sem ninguém ter sede, uma porta apenas entreaberta que se sacode pelas ventanias do dia a dia, então sou natureza-morta numa moldura qualquer de uma parede qualquer. Quando estou meio assim... Apenas uma panela velha ao lado de um fogão sem lenha, um pote na trempe já de fundura rachada, um caneco esquecido em cima de um torno de parede, então abro a janela de trás e deixo entrar um pouco de esperança e luz. Quando estou meio assim... Assim como uma valsa num salão vazio, assim como um piano tocando sozinho, assim como um lustre que chora ao invés de iluminar, então eu bailo sozinho toda a alegria da vida. Quando estou assim, oh quando estou assim... Sou apenas eu, em mim. Quando estou assim, sou apenas eu. Em mim!
Quando estou meio assim... Ou me desfaço ou me refaço de vez. Nem meio nem metade quando estou assim. Ou me preencho ou me esvazio de vez. Sou o tudo ou sou o nada. E já não serei meio assim. E já não serei metade assim. A luz ou a escuridão. O tudo ou o nada. Pois quando estou assim, oh quando estou assim... Sou mais que apenas eu em mim. Quando estou assim, sou mais que eu. Sou tudo o que há em mim!
Escritor
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