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sábado, 12 de janeiro de 2019

A IMPORTÂNCIA DO CONSÓRCIO BOI X ALGODÃO NAS FAZENDAS SERTANEJAS DO PASSADO.

Por Benedito Vasconcelos Mendes

No sertão semiárido nordestino, até a introdução da praga do bicudo do algodoeiro no Brasil, em 1983, quase todas as fazendas sertanejas criavam gado e cultivavam algodão mocó, consorciados. Após a colheita do algodão, no final do ano, o gado era solto dentro do roçado, para consumir a rama (folhas, brotos e restos florais). A rama do algodoal era liberada para o gado quando o estoque de forragens nativas já tinha sido consumido ou estava no seu final. As folhas, ramos e restos de capulho do algodoeiro constituíam um tipo de alimento muito importante, não só pelo seu valor nutritivo, mas, principalmente, por ser a última reserva de forragem ainda disponível na propriedade. 

Como sabemos, a formação e a quantidade de forragens no Semiárido nordestino depende do volume de chuvas caídas durante o ano na área. Nos anos chuvosos, temos a formação de muita forragem nativa e nos anos secos, a ocorrência de pouco ou de nenhum alimento autóctone. O gado, praticamente, só cresce e ganha peso no inverno (período chuvoso) e emagrece ou morre de fome por ocasião do período seco (estio anual), que ocorre todos os anos no segundo semestre e durante as secas periódicas. 

Tradicionalmente, a cultura do algodão mocó (Gossypium hirsutum var. Marie-Galante) era uma das principais fontes econômicas do Nordeste brasileiro. O algodão mocó era também conhecido por algodão seridó, por ser nativo da região do Seridó paraibano e norte-rio-grandense. O nome mocó é devido ele possuir sementes nuas, sem linter, pretas, parecidas com as fezes de mocó (roedor nativo da caatinga). É uma planta perene, de porte arbóreo, que produz algodão de fibra longa e de boas características industriais, como finura, resistência e sedosidade da fibra. 

A introdução da praga do bicudo do algodoeiro (Anthonomus grandis) inviabilizou economicamente a cultura de sequeiro desta malvácea no Nordeste brasileiro. Com a impossibilidade de se praticar a cotonicultura, devido a presença deste inseto, as fazendas localizadas na região semiárida nordestina deixaram de ser lucrativas e, como resultado, houve o empobrecimento e o despovoamento regional. Estima-se que em consequência desta praga houve a migração, do campo para as cidades, de cerca de 2 milhões de sertanejos. Hoje, praticamente, não se planta mais algodão no Semiárido, a não ser com irrigação, que, por possibilitar o aumento da produtividade da cultura, passa a compensar os gastos com a compra de inseticidas, para combater a referida praga. 

A pecuária regional, mesmo sendo extensiva, consumindo praticamente o pasto nativo e mesmo usando baixa tecnologia, sem raças selecionadas e com manejo sanitário, reprodutivo e alimentar rudimentares, ainda assim era a base econômica das propriedades rurais. Devido às atrasadas práticas pecuárias da região semiárida, geralmente, o boi da região só atingia a metade do peso, ultrapassava o dobro da idade de abate e consumia o dobro das despesas, quando comparado com o boi criado no Planalto Central ou em outra região pecuária do Brasil. O boi regional, praticamente, só crescia e engordava durante os seis primeiros meses do ano, quando existia disponibilidade de alimentos nativos e perdia peso de julho a dezembro.

 Nas fazendas regionais, o plantio de algodão era feito pelos agregados, no regime de meia, ou seja, metade do algodão em caroço era para o dono da propriedade e metade para o meeiro (operário que plantava). Meu avô não exigia nenhum percentual do algodão colhido, pois sua única exigência era o direito de colocar o gado dentro do roçado, após a colheita dos capulhos. 

As fazendas que produziam muito algodão, geralmente, possuíam uma pequena unidade de beneficiamento, constituída por um rústico descaroçador de rolo e por uma grande prensa de fuso, construída de madeira, dotada de duas almanjarras a tração humana, onde eram feitos os fardos de pluma, de 64 quilos. O algodão em pluma (algodão sem caroço) era transportado em lombos de burros, para ser vendido ao exportador de algodão, já o algodão em caroço (pluma mais sementes) era comercializado nas usinas de beneficiamento de algodão, que descaroçavam e esmagavam o caroço, para produzir óleo e torta para consumo animal. Cada burro transportava 128 quilos (dois fardos de 64 quilos). No passado mais remoto, quando ainda não existiam as usinas de extração de óleo e de produção de torta, as sementes de algodão eram ofertadas diretamente no cocho, para o gado.

 Em virtude do algodão e do gado serem importantes para a manutenção econômica das fazendas, o consórcio boi X algodão era de uso generalizado na região. Era difícil se encontrar uma propriedade rural que não praticasse o consórcio boi X algodão.

 Meu avô cedia aos agregados, que plantavam algodão mocó na Fazenda Aracati, o seu lote de burros de carga, para transportar os fardos de algodão até a cidade de Sobral, para serem vendidos nas diversas usinas de descaroçar algodão existentes, à época, naquela cidade.

 Meu avô gostava de lembrar que o pasto dos roçados de algodão era vital para o gado deixar de emagrecer e se manter sem perder peso até o surgimento de rama na vegetação nativa, no início do período chuvoso. Na realidade, o gado só começava a engordar com o aparecimento da babugem e depois do pasto rasteiro, que era um alimento abundante e mais diversificado.

 Meu avô evitava colocar os touros dentro dos roçados de algodão, pois, segundo ele, o gossipol, que é um alcalóide polifenólico, de cor amarela, presente nas folhas, ramos e sementes do algodoeiro do Gênero Gossypium, provocava esterilidade nos reprodutores. Ele também evitava que os equinos, asininos e muares consumisse a rama de algodão, pois o gossipol é altamente tóxico para animais monogástricos.

 Uma das boas lembranças que tenho sobre algodão na Fazenda Aracati é a do transporte em carro de boi, dos sacos de algodão colhidos no roçado, para o armazém ao lado da casa grande. Dava gosto se ver passar o rústico carro de boi, em sua marcha dolente e com seu gemido inconfundível, carregado de algodão. O eixo das rodas, rangendo sob os mancais (chumaços), originava um som característico e agradável. O carreiro colocava pó de carvão vegetal, misturado com sebo de carneiro, na cantadeira (eixo) para realçar o som característico do carro de boi. A gemedeira típica deste veículo era agradável aos ouvidos. Também chamava a atenção, a bonita e bem tratada parelha de bovinos taurinos da raça Curraleiro Pé-duro (Bos taurus), vermelhos com estrela na testa, tão parecidos um com o outro, que aparentavam serem gêmeos. Os bois “Vermelhinho” e “Encarnado” eram bonitos, mansos e gordos. Eu e meus primos gostávamos de andar montado no boi Vermelhinho, por ser o mais manso e mais obediente. Não usávamos sela, pois montávamos no “pelo”, ou seja, escanchávamos direto no lombo do boi. Seus chifres despigmentados, excessivamente grandes e abertos, exatamente iguais nos dois bois da junta, uniam um boi ao outro através de uma estreita fita de couro cru, que unia os dois bois pelos chifres. As pontas dos chifres eram furadas, para permitir a amarração do chifre direito de um dos bois, no chifre esquerdo do outro boi. Os bois da junta eram unidos um ao outro pela canga de madeira e pelos chifres. Estes animais eram dóceis, adestrados e obedeciam ao comando de voz do carreiro e à cutucada do ferrão (vara de madeira com cerca de três metros de comprimento, com um ferro pontiagudo acoplado na extremidade).

Enviado pelo professor e escritor Benedito Vasconcelos Mendes 

http://blogdomendesemendes.blogspot.com

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