Por Benedito Vasconcelos Mendes
Nas fazendas, vilas e cidades primitivas do sertão, os
habitantes poderiam ser divididos em artesãos; trabalhadores braçais, que executavam serviços
gerais, principalmente nas agroindústrias; vaqueiros; jangadeiros; pescadores; coletores de mel;
lenhadores; prestadores de serviços específicos à comunidade; profissionais da área da saúde e
os que desenvolviam atividades religiosas.
Os principais artesãos eram os ferreiros, flandreiros,
cuteleiros, armeiros, carpinteiros, marceneiros, santeiros, tanoeiros, louceiras, cesteiros,
seleiros, pedreiros, oleiros, sapateiros, costureiras, bordadeiras, rendeiras, crocheteiras,
labirinteiras, fiandeiras e tecelãs. Com exceção das louceiras e dos cesteiros, que herdaram suas técnicas de
fazer artesanatos dos indígenas, os demais artesãos vieram com os colonizadores portugueses.
Os profissionais que prestavam serviços específicos à
sociedade eram os que exerciam as atividades de mestre-escola (professor para ensinar a ler,
escrever e contar), bodequeiro, barbeiro,
alfaiate e coveiro.
Dos profissionais da área da saúde, somente os médicos
possuíam nível superior e eram raros, apenas as cidades maiores possuíam médicos. Os outros
profissionais da saúde, como a parteira, enfermeiro, curandeiro, raizeiro, tiradentes e
encanadores de braço, eram práticos, sem nenhum estudo formal.
Os artistas populares, como os rabequeiros, violeiros,
tocadores de pífanos de taboca, escultores, pintores, cancioneiros e repentistas, eram
amadores, geralmente exerciam outras profissões e nas horas vagas, por diletantismo, se tornavam
cancioneiros, músicos, poetas, pintores ou escultores.
Os trabalhadores braçais que trabalhavam nas agroindústrias,
geralmente, eram diaristas ou trabalhavam no sistema de mutirão. Estas indústrias tinham
época certa para entrarem em funcionamento, não funcionavam continuamente, mas somente
após o período chuvoso, no segundo semestre do ano. Somente a produção de queijo de coalho e de
manteiga do sertão era desenvolvida, principalmente, no período das chuvas. As principais
agroindústrias sertanejas eram a casa de farinha, engenho de rapadura, alambique de cachaça,
descaroçador de algodão, oficina de carne de charque, cozinha de queijo de coalho e de manteiga da terra,
casa de beneficiamento de cera de carnaúba, usina de beneficiamento de óleo de oiticica,
galpão de beneficiamento de borracha demaniçoba, galpão de beneficiamento de fibra de caroá e sala
de fiar e tecer.
As atividades domésticas ou desenvolvidas para o lar,
visando a manutenção da família, como as atividades de caçador, pescador, agricultor de subsistência,
coletor de mel, lenhador, apanhador de frutos silvestres, botador d’água, cozinheira e
outras, eram desenvolvidas por qualquer um dos membros da família. Eram tarefas aprendidas
por todos e passadas de pai para filho, pela tradição oral.
A vida espiritual da população era orientada por padres,
catequistas, sacristãos, beatos, penitentes e carpideiras. Destes, os que chamavam mais a
atenção eram os penitentes e as carpideiras. Os penitentes são fiéis da Igreja Católica que
com seus capuzes, bandeira e
indumentária própria, sob a liderança do Decurião (líder
espiritual da ordem dos Penitentes), percorriam as Igrejas, Cruzeiros e Cemitérios sertanejos
durante a Quaresma, entre a Quarta-feira de Cinzas e a Sexta-feira da Paixão, rezando para as almas
dos mortos e se martirizando com chicotes providos de lâminas de ferro na ponta, provocando
ferimentos nas costas, com a finalidade de apagar os pecados.
As carpideiras eram mulheres que choravam, rezavam e
cantavam as incelências nos velórios sertanejos. Elas mostravam seus prantos e suas
lágrimas sem nenhum sentimento, apenas por dinheiro.
COMENTÁRIOS SOBRE ALGUNS DESTES PROFISSIONAIS
1. Ferreiros, Armeiros e Cuteleiros
Praticamente, em todas as vilas e cidades nordestinas havia,
no mínimo, uma tenda de ferreiro, onde eram produzidos ou afiados fações, facas,
foices, roçadeiras, alavancas, machados,picaretas, chibancas e muitas outras ferramentas de uso
comum na zona rural.
Os ferreiros manufaturavam e consertavam tudo que fosse
feito de ferro, aço ou metal, desde delicadas peças de uma espingarda ou de um cabo de punhal de
prata e marfim, de fino acabamento, até os grandes equipamentos e máquinas para as
agroindústrias primitivas do sertão.
Às vezes, os mestres ferreiros se especializavam na feitura de
determinados objetos. Surgiram, assim, os armeiros e os cuteleiros. Os armeiros faziam espingardas,
garruchas e outras armas de fogo.
Os cuteleiros idealizavam e produziam facas de ponta, punhais,
trinchetes, cutelos, quicés e facões. As facas de ponta e punhais constituíam-se verdadeiras obras de
arte, com seus cabos de rodelas de
chifre, osso ou marfim e carretéis de alpaca ou latão, de
fino acabamento. As facas de ponta maiores mediam 12 polegadas e serviam, ao mesmo tempo, de
instrumento utilitário e de arma. As facas
bem amoladas eram úteis tanto na lida diária, para cortar um
galho de árvore, sangrar uma rês ou tirar o couro de uma ovelha, quanto como arma de proteção.
Os cuteleiros, malhando o aço incendido, limando e polindo, faziam punhais e facas de
ponta que eram verdadeiras jóias.
Enquanto a lâmina era feita de aço, comprado em sucata de
trem ou confeccionada de ponta de espada, o cabo trabalhado era produzido de chifre de boi,
osso, marfim, ouro, prata, latão ou alpaca.
Alguns ferreiros se especializavam em produzir chocalhos
para animais.
Dos apetrechos tradicionais de uma tenda de ferreiro, sobressaíam a safra
ou bigorna, o torno manual de ferro (morsa), a fornalha, atiçada por um fole de couro e as
ferramentas pequenas, como marretas, marrões, martelos, tenazes, alicates, talhadeiras, punções,
escalas, lima triângulo, lima chata e limatão. Na tenda do ferreiro, não podia faltar a tina com
água, para arrefecer o ferro incandescente e a tina com óleo, para temperar o ferro. As principais
matérias-primas do ferreiro eram as barras de ferro, chapas, cantoneiras, canos, trilho de trem,
parafusos, porcas e arruelas.
2. Flandreiros
Com o surgimento da folha de flandres, da folha de cobre e
da folha de zinco, no comércio regional, muitos utensílios domésticos passaram a ser feitos
com estas matérias-primas. As folhas de flandres são folhas de ferro estanhadas e as folhas de
zinco são folhas de ferro galvanizadas com zinco. As folhas de cobre são de metal puro.
Flandreiro era o profissional que manufaturava os mais
diversos objetos com estas folhas metálicas, sobretudo funis, lamparinas, candeias,
candeeiros, baldes, panelas, bacias, alguidares, ralos de ralar milho verde, canecos de beber água, litros
para medir leite, canadas para medir cachaça, fogareiros, bocas de jacaré, biqueiras e calhas
para escorrer água da chuva nos beirais e outros inúmeros produtos. A principal ferramenta do
flandreiro era um tipo de bigorna de pontas muito compridas, utilizadas para dobrar as folhas metálicas,
fazer tubos, canaletas, vincos e outras coisas. Ele utilizava também um outro tipo de dobradeira,
feita de chapa espessa de ferro, para conseguir realizar vários tipos de dobra. Outras ferramentas
usadas por este profissional era a tesoura de gume curvo, em forma de meia lua, usada para
cortar as folhas metálicas; o martelo e o ferro para solda branca. Quando começaram a ser
comercializados na região, os produtos de ferro esmaltado (ágata), como panelas, chaleiras, canecas, bacias,
penicos e outros recipientes, o flandreiro passou a consertar estes utensílios com solda
branca, especialmente as aselhas, que se
desprendiam ou remendando partes estragadas. A substituição
de fundos de tachos de cobre e deutensílios de Ágata, como panelas e bacias, era feita com
solda branca ou apenas malhetado.
Enviado pelo autor
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