Por Instituto dos Auditores Fiscais da Bahia.
Sergipano de
nascimento, natural do povoado Alagadiço, município de Frei Paulo, Bezerra,
como é conhecido nos meios fazendários, mudou-se ainda criança para a fazenda
Lagoa Grande, na Barra das Almas, município de Nossa Senhora da Glória. Até os
onze ou doze anos, viveu na fazenda do pai, um pequeno agricultor, dono de umas
vaquinhas, criador de ovelhas, lutando pela sobrevivência como era possível.
Dando
sequência às entrevistas de aposentados, neste mês conversamos com José Bezerra
Lima Irmão.
IAF: Como
eram os nomes dos seus pais?
Bezerra: Sou
filho de Manoel dos Santos Lima e Pastora Bezerra Lima. Pelo lado paterno, sou
descendente dos Diniz de Rezende, oriundos de Portugal, que na época da
colonização se estabeleceram na Cotinguiba, como era chamada a zona dos
canaviais em Sergipe, e depois se espalharam pelo agreste, fixando-se
especialmente nos contrafortes da Serra de Itabaiana. Já pelo lado materno,
pertenço aos Bezerra Monteiro, do Cariri (CE), e aos Lemos, de Penedo (AL).
Devo uma
explicação quanto ao meu nome acrescido de “Irmão”, já que não tenho irmão –
tenho apenas uma irmã, Donana. É que antes de mim meus pais tiveram um filhinho
que morreu garoto. Chamava-se José Bezerra Lima. Sete anos depois, quando eu
nasci, meu pai repetiu o nome, e assim fiquei como o “Irmão” que não tem irmão…
IAF: Onde você
estudou? Como foi a sua formação?
Bezerra: Aprendi
a ler e escrever com minha mãe, na roça. Até os onze anos, só sabia fazer contas
de somar e diminuir, que era o que minha mãe sabia. Foi então que despertou em
mim, não sei como, a ideia de ser padre. Meus pais me puseram na escola da
professora Cleudice Tavares, na antiga Boca da Mata, atual Nossa Senhor da
Glória. E aí aconteceu uma coisa: na ânsia de ser padre, tirei o primário em
apenas um ano e meio. Menino tabaréu, pobre, desamparado, fui levado pelo
carismático Padre Amaral para fazer o ginásio na capital, Aracaju, no memorável
Seminário Sagrado Coração de Jesus, sob o rigoroso regime de internato. A
rotina era: rezar, estudar, rezar, jogar bola, rezar.
Minha vocação
para padre foi como um vôo de galinha. Só durou dois anos. Terminei o ginásio
no antigo Colégio Tobias Barreto. Estudei depois no Ateneu Sergipense. Meu pai
vendeu a fazenda Lagoa Grande, na Barra das Almas, para custear os meus
estudos. Terminou a vida como aposentado pelo Funrural. Só depois que o perdi
foi que me dei conta da imensurável dimensão do meu pai. Um homem que se desfez
do pouco que tinha para investir no futuro incerto de um filho.
Meu primeiro
emprego foi como datilógrafo do Juizado de Menores, em Aracaju. O juiz ditava
os ofícios e eu agilmente ia datilografando, pondo as vírgulas nos
lugares certos, de acordo com a entonação de sua voz. O juiz gostava porque ele
fazia citações em Latim e eu escrevia tudo certinho. Herdei do seminário o
gosto pelo Latim, pela Língua Portuguesa, pela Música (toquei violino e
violoncelo na Orquestra Filarmônica do Professor Leozírio Guimarães).
Trabalhei no
Banco do Brasil e na Petrobrás. Fui Fiscal de Rendas de Sergipe e depois,
Auditor Fiscal da Bahia. Sou bacharel em Direito e em Economia. Fiz
pós-graduação em Direito Tributário.
IAF: Tem
esposa, filhos, netos?
Bezerra: Casei
duas vezes. Tenho dois filhos. Meu filho Mário Bezerra é bacharel em Direito
mas trabalha como jornalista, nesse ramo midiático que se expande a cada dia.
Minha filha é pedagoga. Tenho três netos e dois bisnetos
IAF: Como foi
que você chegou ao cargo de Auditor Fiscal?
Bezerra: Sou
do primeiro concurso para Auditor Fiscal, de 1978. Eu era Fiscal de Rendas em
Sergipe. Meu colega José Dionísio Nóbrega me deu notícia de que estavam abertas
as inscrições para o concurso de Auditor na Bahia. Dionísio, baiano, queria
voltar para sua terra e me incentivou a fazer as provas. Eu acabava de me
desquitar (naquele tempo ainda não havia o divórcio no Brasil) e queria mudar
de ares. Fiz o concurso. Passei em segundo lugar. Hurra! Vim para a Bahia.
IAF: Você foi
o autor do texto do Regulamento do ICMS. Conte-nos sobre essa experiência.
Bezerra: Fui
de fato o autor do Regulamento do ICMS e do Regulamento das Taxas, e integrei a
equipe que elaborou o Regulamento do Processo Administrativo Fiscal e do Código
Tributário do Estado da Bahia.
Em Sergipe eu
havia participado da elaboração do Código Tributário do Estado de Sergipe e do
Regulamento do ICM (que precedeu o ICMS). Cientes disso, quando cheguei à
Bahia, ao tomar posse no cargo de Auditor Fiscal, as autoridades me alocaram na
Diretoria de Tributação (DITRI), que à época era denominada Gerência de
Tributação (GETRI).
Com poucos
meses como Auditor Fiscal, fui encarregado de elaborar um novo Regulamento do
ICM. O Regulamento anterior era sintético: em vez de regulamentar as diversas
situações, ele remetia tudo para portarias e instruções normativas, com a
fórmula simplória: “Conforme Portaria do Secretário da Fazenda”, “De acordo com
instrução normativa do Diretor do DAT”; O novo Regulamento que elaborei entrou
em vigor simultaneamente com o Regulamento do Imposto sobre Transmissão de Bens
Imóveis (ITBI) e com o Regulamento das Taxas (do qual também fui o autor) e com
o Regulamento do Processo Administrativo Fiscal (de cuja elaboração também
participei), entrando em vigor na mesma data o Código Tributário do Estado da
Bahia, elaborado por Johson Barbosa Nogueira (do qual também participei, na
parte referente às taxas).
Com a
conversão do ICM em ICMS, elaborei o novo Regulamento, que vigorou de 1997 até
2012.
IAF: Do que
você mais se orgulha nesse período que passou na SEFFAZ?
Bezerra: Sou
de origem humilde. No Fisco, me afirmei como funcionário zeloso, dedicado.
Cheguei a ser diretor da GETRI (atual DITRI), no governo de João Durval. Odiei
a função de chefe. Nunca mais aceitei qualquer indicação para chefia.
Fui a vida
inteira empolgado pelo trabalho. Cheguei certa vez a passar cinco anos sem
tirar férias. Só gozei licença-prêmio na hora de me aposentar. Identifiquei-me
de tal forma com o meu trabalho que confundi a minha atividade fazendária com a
minha vida particular, a tal ponto que, em vez de me aposentar com 35 anos de
trabalho, me aposentei foi com 53 anos – inverti os algarismos.
Orgulho-me de
ter dotado a Bahia de um Regulamento que foi reconhecido como o melhor do
Brasil, conforme declarou o presidente da Arthur Andersen em um Congresso
realizado no Hotel Glória do Rio de Janeiro. O Secretário da Fazenda da Bahia
estava presente e diria mais tarde: “Eu quase saí correndo para dizer isso ao
pessoal da DITRI”.
Pois é. Mas
talvez o meu maior orgulho na Fazenda seja a minha passagem pelo Conselho
Estadual da Fazenda (CONSEF), onde trabalhei durante 20 anos. Participei da
elaboração do Regimento Interno do CONSEF, junto com o Dr. Antônio Freitas e a
Dra. Sílvia Amoedo. Como Julgador, pautei-me sempre pela estrita legalidade,
pela correção do lançamento, pelo respeito ao contribuinte. Como Julgador,
sempre mantive os dois olhos abertos, na defesa dos interesses do Estado mas
sem desrespeitar os interesses legítimos dos contribuintes. Um julgador não
pode “vestir a camisa” do fisco nem a do contribuinte. Tive este propósito do
primeiro ao último dia naquele augusto Colegiado.
IAF: Quando
você se aposentou, como foi a adaptação à nova realidade?
Bezerra: Virei
cangaceiro.
Comecei
escrevendo um livro sobre Lampião. O título: “Lampião – a Raposa das
Caatingas”. Tem 739 páginas. Está na 6ª edição.
Ainda na
temática do cangaço, escrevi “Corisco e Dadá – uma Saga de Amor Cachaça e
Sangue”.
Escrevi um
livro sobre um cangaceiro chamado Zé Baiano – nascido nas caatingas ermas de
Macururé, lá para os lados de Chorrochó. O livro intitula-se “Zé Baiano e os
Engrácia”.
Completando
esse giro pela senda do cangaço, escrevi a biografia de Maria Bonita, uma
sertaneja cuja vida empolga o imaginário popular até hoje. Título: “Maria
Bonita – Dona Maria do Capitão”.
Com as
pesquisas que fiz para escrever esses livros, terminei me apaixonando pelo
Nordeste, a Terra do Espinho. Convenci-me de que a melhor forma de
demonstrarmos amor à nossa terra é estudando a sua geografia e a sua história.
Então escrevi
“Fatos Assombrosos da Recente História do Nordeste”.
Mas o
livro que me faz bater no peito com orgulho é este: “Capítulos da
História do Nordeste”. O livro conta fatos que a história oficial não conta, ou
conta pela metade: o “descobrimento” do Brasil; a conquista da terra pelo
colonizador português; o Quilombo dos Palmares. Faz um relato minucioso e
profundo dos episódios ocorridos durante as duas Invasões Holandesas,
praticamente dia a dia, mês a mês. Trata dos movimentos nativistas. Descreve em
alentados capítulos a Revolução Pernambucana de 1817; as Guerras da
Independência, que culminaram com o episódio do 2 de Julho, quando o Brasil de
fato se tornou independente; a Confederação do Equador; a Rebelião de Pinto
Madeira; a Revolução Praieira; o Ronco da Abelha; a Revolta dos Quebra-Quilos;
a Sabinada; a Balaiada. Tem capítulo sobre o Padre Cícero, sobre Antônio
Conselheiro e a Guerra de Canudos, sobre o episódio da Pedra Bonita (Pedra do
Reino), a Revolta de Princesa (do coronel Zé Pereira), Caldeirão do Beato José
Lourenço, o Massacre de Pau de Colher. A Intentona Comunista. A Sedição de
Porto Calvo. As Revoltas Tenentistas de 1924 e 1926.
Bom, terminei
fazendo um “comercial”. É que eu tenho de vender o meu peixe…
IAF: Você
disse que mudou de atividade, mas todo mundo tem que ter uma hora de lazer. O
que você faz para se divertir?
Bezerra: Gosto
de ler. Gosto de ouvir Música. Tenho casa em Aracaju, na Praia de Aruana.
Aruana é um paraíso. Tenho também casa em Caldas do Jorro, no sertão baiano.
Não sou de farra, mas faço minhas extravagâncias, de olho no relógio da vida.
IAF: Como foi
sua adaptação ao período pandêmico?
Bezerra: Apesar
de todas as precauções, peguei a Covid três vezes. Mas vaso ruim não se quebra.
Seguindo a
orientação das autoridades sanitárias, refugiei-me em minha casa de Caldas do
Jorro, e por força desse ócio forçado arregacei as mangas, e escrevi o livro
“Corisco e Dadá – uma Saga de Amor, Cachaça e Sangue”.
Fazia tempo
que eu vinha pensando em escrever um livro sobre Corisco e Dadá. Eu já dispunha
dos elementos de que precisava para materializar esse projeto, obtidos ao longo
de 11 anos, quando estava pesquisando para escrever o “Lampião – a Raposa das
Caatingas”, obra que, além de uma biografia de Virgulino, pela
abrangência do tema terminou sendo uma espécie de tratado sobre o cangaço.
Faltava-me tempo e disposição para a nova tarefa, o livro sobre Corisco e Dadá.
Como não tem mal que não traga um bem, aproveitei o isolamento forçado pela
pandemia para escrever o livro sobre Corisco e Dadá.
Foi também em
Caldas do Jorro que fiz os arremates do meu livro mais recente, “Maria Bonita –
Dona Maria do Capitão”.
E também
aproveitei o ensejo para fazer alguns reparos no “Lampião – a Raposa das
Caatingas”, para a 6ª edição, em face dos novos dados coligidos ao pesquisar
para escrever sobre Corisco e Dadá.
IAF: O que
você gostaria de dizer que não foi perguntado?
Bezerra: Ah!
Quero dizer que sinto saudades dos queridos amigos e amigas do fisco. Tenho
vivido isolado, em virtude dessas pesquisas que faço sobre a história do
Nordeste. Comunico-me pouco nas redes sociais. Mas agora fui incluído no grupo
“Sefaz Confraternização”, do WhatsApp, e assim poderei “revisitar” meus velhos
colegas.
http://blogdomendesemendes;.blogspot.com
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