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domingo, 18 de setembro de 2011

FOGO DA MARANDUBA

Por Alcino Alves Costa


Parte I 

A monstruosa perversidade de Canindé chocou a gente sertaneja. A notícia se espalhou por todos os quadrantes nordestinos. Era necessário deter a opulência, a grandeza e o poder do invencível bandoleiro. Os horrores de Canindé teriam uma dura resposta.

Ordens e mais ordens são, com urgência, expedidas. Rádios e telégrafos não param. Lampião sofrerá uma perseguição medonha. Será caçado como se fosse um cão danado.

Alagoas exige rigor total em sua fronteira. A linha do São Francisco será severamente fiscalizada, guardadas pelas forças comandadas pelo renomado

Da Bahia são transmitidas sérias ordens destinadas para Jeremoabo, ordenando ao seu numeroso contingente que marche rápido e urgente, para as terras sergipanas.

Mané Neto, o pernambucano de Nazaré, à frente de seus nazarenos, abala-se de Jatobá com destino à zona de atuação dos cangaceiros, região que havia se tornado o novo mundo de lutas e tropelias do grande guerreiro do Pajeú.

Assim que deixa Canindé, Lampião, levado por pesados pressentimentos, resolve se homiziar nas fazendas e terras de Piduca Alexandre e João Maria, os potentados da Serra Negra e irmãos do famoso comandante das forças baianas Liberato Carvalho.

Sabe Lampião que os acontecimentos de Canindé despertariam um ódio brutal e uma fúria intensa nas volantes e nas autoridades.
Na beira do São Francisco os nazarenos vasculham portos, estradas e veredas. Os de Nazaré e Lampião são ferozes inimigos. Nazaré é o pequeno povoado de Pernambuco onde quase todos que ali viviam eram mortais desafetos dos Ferreira, do riacho São Domingos.

Está na história à valentia e o destemor dos “cabras” da antiga fazenda Algodões, bravos sertanejos que tendo sobre seus destinos a inimizade sanguinária do maior dos cangaceiros souberam dignamente enfrentá-lo, mostrando que eram “casca do mesmo pau”.

Inimizade velha, antiga, nascida desde o tiroteio travado entre os três perigosos irmãos e os homens da antiga fazenda Algodões, com Odilon Flor à frente.
Naquele combate Livino Ferreira foi baleado pelo soldado do destacamento João Agostinho e posteriormente preso, após ser encontrado na casa de Chico Eusébio. Nesta ocasião os nazarenos Cícero Leite e Arconso – irmão de Mané Neto – aconselharam que o melhor seria matar Livino, pois só assim evitavam problemas futuros com ele. Odilon Flor rejeitou a idéia, preferindo levar o irmão de Lampião até a cadeia de Nazaré. No outro dia o ferido foi levado para Floresta.

Em 1923 entram para as forças repressivas os dois primeiros nazarenos: Manuel de Sousa Neto e Odilon Flor.

Lampião, entre aborrecido e magoado, vê sua própria gente, aqueles que desde criança conhece, pegar nas armas do governo para persegui-lo. Em pouco tempo, quase toda família nazarena, representada pelos seus jovens, formava nas fileiras perseguidoras dos bandidos da Ingazeira.

Família de valentes: os Jurubeba, os Ferraz, os Nogueira, os Soriano, os Gomes e os Flor; destemida e desassombrada gente que fazia o chão caboclo de Pernambuco tremer sob a mira de suas armas. Todos eles, sertanejos valorosos que tudo fizeram para exterminar os temíveis e medonhos Ferreiras.

Os “cabras” da terra de Domingos Soriano passam a ser comandados por um dos seus próprios filhos, o lendário Mané Neto, filho de Gregório Nogueira e irmão de Afonso e Arconso. Mané Neto torna-se um feroz perseguidor de Lampião e seus asseclas e, quando recebe a notícia do dantesco episódio de Canindé, corre apressado para as terras alagoanas.

Sabe o nazareno que seu grande desafeto não está nas Alagoas. O cordão repressivo esticado por Lucena, na linha do São Francisco, impedia completamente a passagem dos facinorosos para aquele Estado.

A “força”, que vinha de Jatobá, descansou em Pedra de Delmiro e dali seguiu para Piranhas. Era pensamento do bravo militar em dar um aperto em Joca Bernardes e Pedro de Cândido, dois famosos coiteiros que gozavam de muita intimidade junto aos bandoleiros.

Da Bahia viaja a volante comandada pelo tenente Liberato de Carvalho. Essa tropa não sabia nada sobre o ocorrido em Canindé. O destino dela era a fronteira desse Estado com Sergipe e o ponto visado era a fazenda onde residia o pai de Maria Bonita, a Malhada da Caiçara. 

Na Malhada da Caiçara, o irmão de João Maria é cientificado do terrível acontecido em Canindé, e para lá, imediatamente, se desloca.

O famoso militar baiano presta sua solidariedade ao derrotado tenente Matos. O clamor do povo era deveras sem igual. Maria Marques, Isaura e Anízia continuam a sofrer as dores dos suplícios recebidos. Canindé conhece os seus piores dias. O tenente, humilhado e derrotado, não tem forças para reagir. Jamais pensara em passar por tão dura prova. Jamais poderia imaginar que um matuto fosse capaz de impingir-lhe tão duro revés.

Uma das supliciadas de Canindé (Maria Marques) é de Santa Brígida e parenta de alguns soldados da volante da Bahia. Os parentes, compadecidos e raivosos, jurando uma medonha vingança, procuram consolá-la. O “contratado” Elias é o mais furioso e o que fica mais tempo consolando sua patrícia, mas sem ter como minorar a dor que o ferimento causava na infeliz senhora.

Liberato reúne seus homens e resolve seguir para Alagoas. Primeiro iriam até Pedra de Delmiro e do antigo reduto do cearense saberia que rumo tomar. 

Nada tinha a fazer no meio daquela gente ferida e apavorada. Restava, agora, encetar uma grande perseguição e procurar encurralar o bandido da Passagem das Pedras e sua turma sanguinária.

Com sua gente abastecida, os bornais cheios de mercadorias do armazém do mestre Cícero, e depois de mais uma vez consolar o infeliz tenente, além de garantir ao povo que Lampião pagaria caro a sua ousadia, o oficial do exército dá sinal de partida. Sua volante, resoluta, disposta e destemida se encalça no rastro da nefasta caterva.

Ao chegar à famosa povoação alagoana o comandante da força baiana é avisado da passagem de Mané Neto. Retorna, então, para a beira do São Francisco. O destino agora é Piranhas. No espigão da serra ribeirinha faz parada. Envia um mensageiro até a cidade das margens do “Velho Chico”. A presença de Mané Neto naquela localidade é confirmada. Imediatamente entra em contato com o pernambucano e acordam em atravessar o rio e caçar Lampião e sua malta juntos.

As duas volantes formam um conjunto de verdadeiras feras; verdadeiros titãs; verdadeiros gigantes. No entanto, embrutecidos pelos anos de luta e combate, os de Nazaré haviam adquirido muito mais experiência. Naquela altura de suas andanças eram considerados verdadeiros mestres na arte de guerrear. Os baianos, sem possuírem aquele traquejo, uma vez que há menos de cinco anos combatiam Lampião e seus sequazes, mesmo assim, suportavam todo peso da medonha jornada. Ali estavam, sob o comando de Liberato, afamados valentões da Bahia. Homens do quilate de Elias Marques e seu filho Procidônio, o bravo Leonídio, João Pintadinho e seu irmão Martim; ainda Antônio Bolachão, João Batista, os rastejadores Joaquim Lia e Barbosa e alguns outros destemidos “contratados”.

Continua na parte II



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