Por: Rangel Alves da Costa*
O AVÔ, O NETO E O POMAR
Essa estória se passou num tempo que ainda existiam sentimentos. Logo se vê que já faz muito tempo, numa distância que só mesmo a recordação pode alcançar os seus passos. Já indo muito adiante...
Nesse tempo não existiam apenas sentimentos, mas também relacionamentos familiares, amizade e diálogo entre avôs e netos, cordialidade e respeito. E era um tempo também de quintais, de pomares, de cadeiras nas calçadas, de redes armadas ao entardecer, de amigos reunidos para conversar coisas boas e proveitosas.
Nesse tempo havia um avô que procurava minorar os rigores da velhice apreciando suas árvores frutíferas no pequeno pomar que mantinha nos fundos do quintal. Era coisa pouca, pequena, mas com árvores frutíferas bonitas e vistosas e suas goiabas, mangas, carambolas e algumas mais.
Logo cedinho, caminhando na companhia de sua bengala, andava de lado a outro mexendo nas folhagens, conversando com as plantas e seus frutos e de vez em quando deliciando ali mesmo uma fruta madurinha, recolhida diretamente do pé. Que manga olorosa, deliciosa, descendo pelos beiços magros e fortalecendo o espírito.
Ao entardecer mandava que colocassem sua cadeira de balanço debaixo das árvores e ficava matutando, recordando os tempos idos, tantas vezes mostrando alegria na face e outras tantas deixando escorrer lágrimas pelos cantos dos olhos.
Assim eram as suas tardes ali em meio à paisagem que mais amava, junto aos seus bons amigos. Ora, reconhecia e compartilhava de coração e sentimentos tanta amizade que aquela natureza lhe propiciava. Contudo, de forma inesperada uma tremenda estiagem começou a se espalhar pela região.
Nesse ano as árvores já demonstravam entristecimento, melancolia, aflição. Não estavam mais verdejantes como antes, festeiras na dança de suas folhagens. Cabisbaixas, um tanto retorcidas, quase não davam mais frutos. E o velho apresentava as mesmas feições do seu pomar atormentado.
No ano seguinte foi pior. Além de perderem todo o viço e cor, a firmeza que ainda lutavam para manter, já não podiam mais esconder o pior. Não veio um só fruto, as folhagens despencavam, tudo ficava numa nudez horrenda, ainda mais melancólica e aflitiva. E o semblante do velho era igual à árvore ferida, destruída, natureza devassada. Nem mais um sorriso nem um esboço de contentamento, apenas aquelas lágrimas caindo mais vezes e em maior quantidade.
Numa tarde o netinho chegou e ao avistá-lo tão entristecido sentado na sua cadeira de balanço quase no meio do tempo nu, foi devagarzinho até lá e perguntou por que estava assim tão triste, com os olhos tão distantes e parecendo que havia chorado. Então ele não omitiu nada ao seu menino, contou toda a verdade e pegou na sua mão para caminhar em meio ao arvoredo sem cor, sem fruto, sem quase nada.
O menino ficou numa amargura de doer tudo por dentro, porém se esforçou ao máximo para não repassar tristeza ainda maior para o seu avô. E ficou pensando no que fazer para acabar com aquela situação e trazer um pouco de alegria àquele velho coração que tanto adorava. E não se sabe o que pensava, mas passou a noite inteira carregando coisas para o quintal, entrando e saindo da casa, num vai e vem que não acabava mais.
Que bela inocência a do menino. Que trabalho teve para fazer com que seu avô abrisse a porta ao amanhecer e se espantasse feliz com frutas coloridas no seu pomar. Mas tudo de plástico, tudo sintético reproduzindo aquelas frutas que encantavam os olhos do avô. E que encantamento ficou, mesmo percebendo que tudo aquilo não passava de um gesto do neto na tentativa de alegrar-lhe o coração.
E foi até lá, alcançou uma manga e apertou-a carinhosamente na sua mão. Dessa vez não mordeu, apenas beijou. Mas aquilo representava saborear o maior prazer da vida.
Poeta e cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com
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