Por:
Norberto Ferreras
O Banditismo
Social é uma temática recorrente nas sociedades com forte presença rural, como
na América Latina. As literaturas nacionais da região apresentam referências
aos tipos rurais e, entre estes, os camponeses revoltados, de forma individual
ou coletiva. Entre estas duas formas de resistência, os literatos do século XIX
preferiram a individual como modelo. Esses indivíduos revoltados foram a base
da construção de arquétipos e, aposteriori, a base de modelos na construção da
identidade nacional. Tanto o romantismo quanto o liberalismo analisaram este
tipo social como a base da nacionalidade: pessoas violentas lutando contra o
irreversível avanço da modernidade, identificadas com os valores patriarcais
tradicionais e associadas à liberdade absoluta do bom selvagem.
Se analisarmos
a América Latina segundo fatores étnicos, teremos que a presença das etnias
autóctones pesou na hora da definição do caráter dos homens do campo. Nos
locais em que predominaram os indígenas e os escravos, os brancos descendentes
de espanhóis, colocaram-se como modelo, como aconteceu no México, Chile e Peru,
por exemplo. Os indígenas foram menosprezados pela falta de aceitação da
cultura européia. Nas regiões em que os indígenas não eram o elemento principal
da população e, portanto, onde o perigo da miscigenação foi menor, o criollo
americanizado foi o elemento principal na conformação de uma identidade
nacional, de forma positiva ou negativa, como na Argentina.
Desde a década
de 1960, as aproximações da História Social ao fenômeno do Banditismo Social
estiveram fortemente marcadas pelos estudos desenvolvidos por Eric Hobsbawm.
Fernand Braudel tinha feito alguns avanços nesta questão, porém, só quando Eric
Hobsbawm publicou Primitive Rebels, em 1959, e Bandits em 1969,
o Banditismo Social, como uma forma de resistência camponesa, passou a fazer
parte do elenco temático da História Social. Este modelo
de análise foi aplicado largamente a distintas realidades e situações, com
maior ou menor êxito. Desde o início, este é um tema que aparece como
necessariamente comparativo e não restrito a um período histórico e, outrossim,
a uma determinada situação histórica.
Segundo Hobsbawm, o Banditismo Social é um fenômeno universal, dado que os camponeses teriam todos eles um modo de vida similar, definido pelo acesso direto à terra e a uma série de recursos naturais e de reciprocidades costumeiras na comunidade; por isto, o Banditismo Social não tem um período definido numa cronologia unívoca. Conforme Hobsbawm, a transição para o capitalismo agrário não acontece num momento histórico específico e depende do momento em que se produz essa transição. Nos países desenvolvidos, esta passagem aconteceu no século XVIII, enquanto nas sociedades da América Latina, no século XX. O momento em que começa o Banditismo Social pode não estar muito bem definido, mas está associado à desintegração da sociedade tribal ou à ruptura da sociedade familiar. É evidente que o Banditismo Social acaba com a difusão do capitalismo industrial e com a consolidação do Estado Nacional, estando relacionado à emergência das classes, e da luta de classes que dão uma nova orientação às lutas dos camponeses.
Segundo Hobsbawm, o Banditismo Social é um fenômeno universal, dado que os camponeses teriam todos eles um modo de vida similar, definido pelo acesso direto à terra e a uma série de recursos naturais e de reciprocidades costumeiras na comunidade; por isto, o Banditismo Social não tem um período definido numa cronologia unívoca. Conforme Hobsbawm, a transição para o capitalismo agrário não acontece num momento histórico específico e depende do momento em que se produz essa transição. Nos países desenvolvidos, esta passagem aconteceu no século XVIII, enquanto nas sociedades da América Latina, no século XX. O momento em que começa o Banditismo Social pode não estar muito bem definido, mas está associado à desintegração da sociedade tribal ou à ruptura da sociedade familiar. É evidente que o Banditismo Social acaba com a difusão do capitalismo industrial e com a consolidação do Estado Nacional, estando relacionado à emergência das classes, e da luta de classes que dão uma nova orientação às lutas dos camponeses.
A análise de
Hobsbawm baseia-se na existência de três tipos de bandidos: o bandido nobre,
como Robin Hood; os guerrilheiros primitivos; e o vingador, como Lampião.
Estas formas diferem segundo as regiões em que o Banditismo Social se
desenvolveu, e que não devem ser confundidas com as práticas de comunidades que
têm no crime uma forma de vida não diretamente relacionada com a transição para
o capitalismo. Se os bandidos alcançam uma certa notoriedade — e em outros
locais não temos registros destes grupos —, isto se deve à influência de alguns
fatores, como as crises políticas e econômicas da região, as estruturas do
poder local e o poder dos proprietários.
O que faz com
que estes movimentos de camponeses continuem a ser mais uma das formas de
expressão de descontentamento, ou se transformem em movimentos revolucionários,
depende de fatores externos. Estes fatores estão relacionados com crises do
tipo estruturais, que podem ser provocadas por catástrofes naturais ou por
fenômenos irreversíveis, como a emergência do capitalismo. De acordo com
Hobsbawm, é nestas ocasiões que o Banditismo Social pode passar a vincular-se a
movimentos revolucionários, ou a aceitar a liderança de líderes
revolucionários.
Outros dois
elementos do modelo de Hobsbawm merecem ser lembrados. Primeiro, temos que
destacar a capacidade que seu modelo tem para definir quem estava apto a
integrar-se aos grupos de bandidos, o que é uma excelente análise da sociedade
camponesa. Não é qualquer um que podia tornar-se um bandido. O bandido não
podia ter relações familiares que o apressassem a poder ingressar nessa nova
vida, e ao mesmo tempo a sua ligação familiar tinha que ser suficientemente
forte para que, uma vez empreendida essa nova atividade, servisse para proteger
ou favorecer seu grupo familiar. Em segundo lugar, para formular seu modelo,
Hobsbawm baseou-se no folclore e nas narrativas dos feitos desses bandidos.
Porém, estas narrativas apareceram reformuladas posteriormente ao
desaparecimento dos bandidos, e adaptadas à novas situações.
Desde o
momento em que Hobsbawm formulou a sua aproximação ao Banditismo Social, ele
sofreu uma série de críticas sinalizando certas dificuldades. O primeiro a
questioná-lo foi Anton Blok, especialista no assunto, que em 1972 mostrou as
dificuldades existentes no modelo de Hobsbawm que pensava no banditismo como
"social", e as simplificações a que foram submetidos os casos
escolhidos para construir o modelo.Blok partiu das suas
próprias pesquisas sobre o banditismo para dizer que Hobsbawm apelava a
generalizações excessivas nas suas análises. O tipo de fontes utilizadas leva
implícita uma avaliação positiva do fenômeno, romantizado pelos camponeses e
por alguns pesquisadores. Outro questionamento diz respeito ao interesse pelo
protesto social, antes que pelos casos em si, e desta forma acabam sendo
silenciados outros aspectos da relação camponeses-bandidos, como a utilização
da violência contra os camponeses.
As fontes e o
mito são centrais na análise de Hobsbawm e ambos são questionados por Blok.
Blok asseverou que o Banditismo Social foi muitas vezes um banditismo
anti-social, dado que os camponeses foram muitas vezes vítimas dos bandidos,
preocupados primeiro em atender a seus vínculos com os poderosos locais, do que
com os camponeses. O autor levantou uma agenda temática para aprofundar estes
estudos, preferindo os casos ao modelo. Para isto sugeriu analisar o mundo
rural como um todo, a fim de compreender as relações sociais existentes, o que
tornaria mais compreensível a opção pelo banditismo. Anton Blok nos chama a
atenção sobre as limitações do Banditismo Social para o desenvolvimento de
formas coletivas de protesto, em virtude das possibilidades abertas às
carreiras individuais.
Hobsbawm
entendeu que as críticas de Blok não feriam seu modelo. De fato, em razão das
críticas realizadas por Blok, Hobsbawm afirmou que o mito do Banditismo Social
tinha que ser analisado, desconsiderando a base do argumento de Blok e
reforçando sua posição. Hobsbawm continuou a ser a principal influência
para estudos posteriores. O influxo das suas hipóteses tem se mostrado
irresistível para as gerações seguintes de historiadores. Depois de alguns
trabalhos que seguiram à risca as análises de Hobsbawm, apareceram algumas
críticas em periódicos especializados: um destes estudos pode ser considerado
como de transição, e Peter Singelmann publicou um artigo sobre cangaceirismo
como Banditismo Social, que pretendia reforçar os argumentos de Hobsbawm no
debate com Blok.Levantou questões próprias do modelo de
Hobsbawm, principalmente no recrutamento do bandido. Mas as diferenças são
importantes.
Singelmann não
estava interessado no mito do Banditismo Social, mas nas implicações políticas
do cangaceirismo, e para isto analisou a farta bibliografia sobre o coronelismo
como sistema político e o cangaceirismo como uma forma de oposição ao
mesmo.
Simultaneamente,
ele próprio estabeleceu uma continuidade entre cangaceirismo e coronelismo,
como um caminho de mão dupla, fosse na rota da ascensão social, fosse no
caminho à oposição política, forçado pela mudança de ventos na política
nacional ou regional.
As críticas
mais fortes vieram poucos anos depois com as pesquisas de um outro grupo de
historiadores. Em 1987 foi publicado nos Estados Unidos um livro que, em
inglês, tinha o sugestivo título de Bandidos, em referência ao Bandits de
Hobsbawm. Hobsbawm era a referência óbvia para este grupo, mesmo que fosse para
interpelar as suas propostas. Richard Slatta, editor e autor, aceitou as
dificuldades de lidar com o mito.Slatta na introdução apontou
duas questões que mostravam uma importante diferença da proposta de Hobsbawm:
as fontes e a importância das classes médias na construção do mito do
banditismo. Sobre a primeira questão, este livro nos proporciona uma renovação importante,
trazendo á tona o material produzi do pelas polícias regionais e pelo poder
judiciário na perseguição aos bandidos. E quanto à segunda, a preocupação
centrou-se nas interpretações que as classes médias urbanas fizeram do
Banditismo Social.
Eric Hobsbawm
Os artigos
deste livro preocuparam-se com a diversidade do Banditismo Social na América
Latina, abordando os bandidos mexicanos do século dezenove, o cangaceirismo no
nordeste do Brasil, o banditismo rural argentino e venezuelano, as relações
entre banditismo e comunidades camponesas nos Andes. Este livro apresenta,
ainda, outras aproximações como as recreações que Hollywood realizou dos
bandidos e os estudos realizados pelos criminalistas latino-americanos.
Nas conclusões
deste livro, Slatta afirma que é impossível falar de Banditismo Social na
América Latina. Estas afirmações resultam da constatação de uma das premissas
de Blok: as relações existentes entre os bandidos e as elites rurais regionais
dificultam, decididamente, a possibilidade de que o bandido se torne um herói
popular ou um defensor dos pobres. Slatta entende que seria preciso utilizar
outra terminologia, como bandidos nas guerrilhas ou banditismo político. O
banditismo, então, não seria um movimento pré-político, e sim um grupo com objetivos
complexos, podendo ou não estar prontos a transformar a sociedade. Entre as
motivações estariam a luta contra a opressão, mas também por benefícios
pessoais. Os bandidos sociais certamente estariam interessados em si próprios,
e alguns chegariam a ser aceitos novamente na sociedade civil sem maiores
inconvenien tes. Os rasgos próprios do Banditismo Social, como a distribuição
dos roubos entre os camponeses, seriam funcionais às necessidades dos bandidos,
antes que um ato de reparação.
Ante esses
argumentos parece difícil continuar a analisar o Banditismo como Banditismo.
Mas as reações à análise desse grupo de historiadores não demoraram, e as
respostas geraram um intenso debate. O primeiro a se manifestar foi Gilbert
Joseph, que não deixou de questionar as principais fontes desse grupo, as
fontes oficiais, que acabam sendo parciais, remarcando certos aspectos do
banditismo. Joseph também propôs reexaminar as relações sociais nas regiões
rurais e as formas da resistência camponesa. Nem todo roubo é um ato de
resistência, e ainda a resistência pode estar fora dos grupos de bandidos e em
elementos do cotidiano, como pequenos furtos ou apropriações de elementos das
classes proprietárias. Estas formas de luta contra os senhores locais mostram
que os camponeses tiveram uma tendência ao compromisso maior do que a prevista,
e que a baixa intensidade d os conflitos de classe permitem uma convivência
relativamente pacífica. A proposta de Joseph retoma a necessidade de analisar o
papel das classes médias na criação do mito do Banditismo Social. Ao mesmo
tempo, expressa a necessidade de definir novamente o que é o Banditismo Social,
em lugar de rejeitá-lo como propunha Slatta.
A resposta de
Slatta e de outros foi rápida. No número seguinte da mesma revista, Slatta
reafirmou as suas posições, mas admitiu a possibilidade de que os camponeses
ajudassem os bandidos. Quando isto acontecia, o apoio era dado por causa das
relações de parentesco, amizade ou vizinhança. Sobre a forma de definir o
conceito de "Banditismo Social", Slatta optou por uma solução própria
da história social, fugiu dos questionamentos foucaultianos de Joseph e partiu
para o empirismo, fazendo uma análise de caso. Outro
historiador que respondeu ao artigo de Joseph foi o já citado Peter Singelmann,
defendendo as posições de Hobsbawm sem fazer outros aportes ou críticas a
Joseph, e aparecendo mais receptivo que Slatta sobre a possibilidade de
reexaminar o conceito de Banditismo Social.A tréplica de Joseph concentrou-se
na necessidade de redefinir a terminologia e os conceitos aplicados à análise
do Banditismo Social.
Os debates
sobre esta questão não estão concluídos, porém têm sido raras as aproximações
em que se tentou uma conceitualização desta temática. De alguma forma a posição
de Slatta tem sido a predominante, e não só nestes estudos, a História Social
parece ter privilegiado as abordagens empíricas e deixado a teoria de lado.
Continua...
Norberto O.
Ferreras
Possui
graduação em História - Universidad Nacional de Mar del Plata (1991),obteve o
mestrado em História pela Universidade Federal Fluminense (1995) e o doutorado
em História Social pela Universidade Estadual de Campinas (2001). Atualmente é
Vice-Presidente da Associação Nacional de História - Seção Rio de Janeiro e
professor associado I da Universidade Federal Fluminense (UFF). Tem experiência
na área de História, com ênfase na História da América, atuando principalmente
nos seguintes temas: Argentina, América Latina, Trabalho e Trabalhadores e
Movimentos Sociais.
FONTES:
http://www.scielo.br
http://www.scielo.br
Revista
História - Coordenação de Pós-Graduação em História
revistahistoria@unesp.br
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