Por: Rangel Alves
da Costa(*)
Aracaju, 10 de
julho de 2013. Noite fria, chuvisquenta, já passava das seis e meia da noite
quando cheguei pelos arredores do Cine Vitória, na Rua do Turista, centro da
capital sergipana, para assistir à pré-estreia nacional do filme “Aos ventos
que virão”, do premiado cineasta Hermano Penna. Amanhã a exibição será na Praça
de Eventos da cidade de Poço Redondo, a partir das oito da noite. E justo que
seja assim. Mais adiante direi por quê.
Desde muito
que eu esperava por esse momento, ansiava para ver na tela a história baseada
na saga de José Francisco de Nascimento, ou Zé de Julião, ou ainda Cajazeira,
alcunha recebida quando, ao lado de sua esposa Enedina, integrou o bando de
Lampião. Sua amada acabou sendo uma das vítimas da Chacina de Angico, a 28 de julho
de 38. Ele conseguiu e escapar, mas daí em diante viveria outros martírios.
O cangaceiro Zé de Julião
P
or diversas
razões esperava a estreia do filme do Penna. Em primeiro lugar, porque
abordando a vida de um ex-cangaceiro e seu reencontro com um mundo não menos
injusto daquele vivenciado no bando do Capitão; em segundo lugar porque quase
totalmente filmado nas terras de meu berço de nascimento, minha querida Nossa
Senhora da Conceição de Poço Redondo, ou apenas Poço Redondo, como tantas vezes
é citado na película. E contando com a participação de muitos conterrâneos.
Em terceiro
lugar - e primordialmente - porque naquele filme e naquela trama estavam muito
de meu pai Alcino Alves Costa. Ora, foi ele quem foi buscar nos escondidos da
história a saga desse seu conterrâneo e a trouxe, nas letras de primorosa
pesquisa, para o conhecimento da geração da desmemória e do esquecimento. Foi
ele quem fez reviver Zé de Julião para o mundo e chegar ao conhecimento de
Hermano Penna.
Ana Lúcia e Alcino Alves Costa
Com efeito,
foi a partir de conversas entre Alcino e o cineasta que este tomou conhecimento
da saga desse sertanejo de família abastada, sonhador, e que um dia resolveu
entrar para a vida cangaceira como forma de mostrar sua insatisfação com as
injustiças e perseguições policiais de então. Ao sobreviver à morte do líder
cangaceiro, buscou na política dar voz aos seus anseios de transformação. E
pagou com a própria vida o sonho de ser prefeito de seu recém criado município.
O cineasta,
que em Poço Redondo filmou o documentário “A mulher no cangaço” (1976) e o
premiadíssimo longa “Sargento Getúlio”, ouviu de Alcino aquela história e
prometeu que se debruçaria num projeto para transformar em filme as desventuras
desse jovem sertanejo. Assim surgia o renascimento, dessa vez cinematográfica,
daquele que percorreu os caminhos do idealismo, da vida cangaceira e da
política. Chegou a ser candidato a prefeito por duas vezes, e nas duas sendo
perseguido e fraudado pelas forças políticas de então. Mas cuja persistência o
levaria a ser covardemente assassinado.
Contudo, não é
essa história, ao menos na sua inteireza e realidade, que é mostrada no filme
“Aos ventos que virão”. É sabido que o cineasta encontrou diversos problemas
para levar adiante seu projeto, e dificuldades criadas por alguns familiares do
próprio Zé de Julião e também para evitar reacender rixas e suspeitas antigas,
vez que as causas do assassinato ainda não foram totalmente reveladas. Todos
conhecem a verdade, mas preferem não mexer em palheiro adormecido no silêncio
das vinditas.
Os problemas
encontrados para filmar fizeram com que Penna modificasse sensivelmente a
história. Zé de Julião se transformou em Zé Olímpio; no filme, o seu casamento
se dá após o fim do bando de Lampião, quando já estava acompanhado de sua
esposa na vida cangaceira; o seu destino sulista é o Rio de Janeiro, mas a
película opta por São Paulo; foi candidato a prefeito por duas vezes, quando
apenas uma é considerada por Penna; não morreu assassinado na prisão, mas nas
caatingas de Poço Redondo, enquanto retornava do sul do país para retomar sua
vida política, vez que continuava sendo perseguido pela sua condição de
ex-cangaceiro e, principalmente, como forte liderança partidária.
Os que se
debruçam sobre a história na tela sem conhecer mais profundamente a verdadeira
saga de Zé de Julião, certamente que encontram um filme perfeito, refletindo a
maestria do cineasta. Contudo, quem já enveredou pela trama verdadeira sente um
pouco de desapontamento. Principalmente porque a história verdadeira é mais
bonita e intrigante.
(*) Meu nome é
Rangel Alves da Costa, nascido no sertão sergipano do São Francisco, no
município de Poço Redondo. Sou formado em Direito pela UFS e advogado inscrito
na OAB/SE, da qual fui membro da Comissão de Direitos Humanos. Estudei também
História na UFS e Jornalismo pela UNIT, cursos que não cheguei a concluir. Sou
autor dos seguintes livros: romances em "Ilha das Flores" e
"Evangelho Segundo a Solidão"; crônicas em "Crônicas
Sertanejas" e "O Livro das Palavras Tristes"; contos em
"Três Contos de Avoar" e "A Solidão e a Árvore e outros
contos"; poesias em "Todo Inverso", "Poesia Artesã" e
"Já Outono"; e ainda de "Estudos Para Cordel - prosa rimada
sobre a vida do cordel", "Da Arte da Sobrevivência no Sertão -
Palavras do Velho" e "Poço Redondo - Relatos Sobre o Refúgio do
Sol". Outros livros já estão prontos para publicação. Escritório do autor:
Av. Carlos Burlamaqui, nº 328, Centro, CEP 49010-660, Aracaju/SE.
Poeta e
cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
http://mendespereira.blogspot.como
http://jmpminhasimpleshistorias.blogspot.com
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