Foto: Oleone Coelho Fontes
Ao completar cinquenta anos de sanguinário assalto de Lampião à cidade de Queimadas, o Jornalista Oleone Coelho Fontes (foto) - que passou parte da sua adolescência naquela localidade - rememorou o luxuoso fato em reportagem publicada no jornal "A Tarde", de 14 de dezembro de 1977, que abaixo está reproduzido na íntegra.
Na cidade de Queimadas
Ele entrou de supetão
Prendeu todos os soldados
que tinha no Batalhão
Interrompeu telegramas
Fez baile de boas damas
No outro dia, bem cedo
Para quebrar o jejum
Desatou a soldadesca
E sangrou, de um a um
Quando furava sorria
Lambia a faca e dizia
Hum! Um gosto de jerimum*
(*) Antônio Teodoro dos Santos in " Lampião, o Rei do Cangaço".
Texto de Oleone:
22 de dezembro de 1929 é uma data turva e melancólica na história de Queimadas. Naquele domingo, ainda inesquecível na memória de muitos que presenciaram episódios de violência sem par, Lampião, acompanhado de mais 15 cangaceiros, penetrou na pequena vila com uma tranquilidade de quem chega em velho e seguro coito, pegando a população inteiramente desprevenida. Nenhum dos habitantes daquela vila, que umas três dezenas de anos antes, assistira a intenso movimento de tropas oficiais se dirigir a Canudos dali voltando derrotadas, esfarrapadas, mutiladas, famintas e finalmente vitoriosas, acreditava que Virgulino e sua cabroeira tivessem o atrevimento de ali entrar, uma vez que Queimadas se encontrava guarnecida por uma tropa composta de 7 soldados comandado por um sargento.
O ASSALTO
Começou quando um caminhão da antiga Inspetoria Federal de Obras das Secas ( IFOCS, atual DNCOS), chegou à margem do rio Itapicuru trazendo o bando procedente de Cansanção. Aqui os cabras encontraram os irmãos Carlos, Hilário e Irênio Marques. Estes foram imediatamente presos e intimados a providenciar canoas para conduzir os bandoleiros ao outro lado do rio. Chegando à outra margem, o bando deu voz de prisão ao oficial de justiça, Alvarino que ali se encontrava. Este pensara, por seu lado, que os invasores pertenciam à polícia pernambucana. Alvarino foi obrigado a conduzir o grupo até a residência do Juiz preparador, Manoel Hilário do Nascimento.
Ao penetrar na vila o bando dividiu-se em em duas partes: uma dirigiu-se à estação da estrada de ferro e outra se dirigiu em direção ao quartel.
A ala que apoderou da estação prendeu o telegrafista Joaquim Cavalcante e o agente Manuel Evangelista. Cortaram os fios do telégrafo. Em seguida procederam à vistoria das gavetas e bilheteria, tomando 217$700 pertencentes à estrada de ferro "e 40 e tantos mil-réis do agente".
Os bandidos fecharam a estação e ficaram com as chaves. Os dois prisioneiros foram levados para rua sob ameaça de morte. Um dos assaltantes, apontando o fuzil para a rua, intimou-o a lhe dar 500$000 com a condição de este nada contar ao "capitão" (Virgulino), sob pena de aali mesmo ser executado. O telegrafista, no entanto, nada tendo consigo foi, mediante ordem, tomar a importância referida ao Sr. Antônio Araújo (Totonho), sendo solto após a entrega da quantia exigida. O agente, todavia, continuou como prisioneiro a fim de mostrar ao bando as casas dos negociantes, até às 18 h, quando foi mandado para casa sob a condição de não sair dali para lugar nenhum, mesmo se visse que a estação estava em chamas.
A outra ala do grupo, chegando ao quartel encontrou os soldados inteiramnte alheios ao assalto de que estava sendo alvo aquela vila de não mais de 3 mil habitantes, à época. O sargento Evaristo, comandante do destacamento, no instante em que os cangaceiros entraram no quartel descia as escadas, de pijama, com uma toalha no pescoço, para o banho. Alguns historiadores afirmam, entretanto, que ele no momento se achava deitado numa rede, lendo a bíblia, pois era crente da seita Batista. Os soldados jogavam ronda (segundo depoimento de Labareda a Estácio Lima), outros dormiam e o sétimo deles, sobrinho da esposa do sargento Evaristo, se achava na Rua da Bomba (baixo meretrício).
Deusdedith Barbosa de Souza, 76 anos, casado, comerciante, conta que o bando chegou a queimadas por volta das 4h da tarde. (João Muniz Barreto, à época representante comercial e correspondente de jornais da capital, precisa o exato momento como tendo sido às 15h30min.). Tinha então "Seo" Deusdedith, 29 anos de idade e tomava conta de uma casa de comércio de propriedade de seu pai, Hermelino Barbosa de Souza.
- Eram ao todo 16 cangaceiros. Volta Seca não passava de um garotinho de 15 anos de idade.
A população de Queimadas, segundo vários entrevistados, tinha ciência de que o bando de Lampião se encontrava naquela zona. Não imaginavam todavia que ele tivesse a ousadia de surgir naquela vila, já que lá havia um destacamento de 7 soldados e um sargento. De sorte que, quando os facínoras apareceram nas ruas nenhuma reação foi esboçada- da população ou da polícia.
- Eu estava na venda- prossegue "Seo" Deusdedith- na hora em que o grupo passou. Nem tomei conhecimento. Pensei que fosse alguma força das pernambucanas. Na época era comum as forças por aqui passarem, à procura de revoltosos ou em perseguição de cangaceiros vindos da Bahia, de Pernambuco, de Sergipe, deste mundo todo. Pensei comigo: " esta deve ser a força do capitão Macedo". À frente do bando seguia o oficial de justiça (Alvarino), o que reforçou mais a minha idéia de tratar-se da força sob o comando do capitão Macedo. subiram em direção ao quartel. Uns 15 minutos depois fechei a venda e fui para minha casa. Passei pelo grupo. Notei que entre eles havia um soldado. Até então não me passava pela cabeça que estivesse ali a dois passos de mim o " capitão" Virgulino Ferreira da Silva e sua gente. Foi no que encontrei Dona Generosa Crespo e ela me disse: " Deusdedith, aquele é o grupo de Lampião". Ainda assim não acreditei e teimei com ela que não era não, que aquele era a força do Capitão Macedo. Não se acreditava que Lampião tivesse a coragem de invadir um lugar guarnecido por uma força policial.
De sua casa "Seo" Deusdedith garante ter visto com precisão o pulo que o chefe dos bandidos deu para o interior do quartel e bradar para os que ali se encontravam: " É lampião...".
Defronte ao quartel o grupo foi estrategicamente subdividido em duas partes: uma correu para esquina, outra para a esquina contrária. Indagaram pelo carcereiro (de nome Elesbão), que se achava ausente naquele instante. Ordenaram que ele viesse. Tão logo o carcereiro apareceu, o próprio Lampião exigiu que fosse aberta a porta do xadrez e soltos os presos ( 3 ou 4, "Seo" Deusdedith não se lembra com precisão quantos. Sabe que estavam recolhidos por crimes de homicídio). dois dos presos eram ex-soldados que haviam cometido assassinato e estavam aguardando ordem para serem transferidos para a Penitenciária do estado, em Salvador. Labareda, em depoimento a Éstacio de Lima, assegura que " tava preso, incrusive, dois sordado aqui tinha bulido com a fia dum véio, i entonces o véio arrecramô e eles tinha matado u "véio". No lugar dos presos foram trancafiados os soldados do destacamento, depois de devidamente desarmados. Um dos praças, que no momento se achava ausente, quando soube que Lampião havia prendido seus colegas de profissão, veio se entregar.
A CHACINA
Havia uma senhora da nossa sociedade - conta "Seo" Deusdedith - Dona Santinha (Austrialina Teixeira, esposa de Amphilóphio Teixeira) - que usava um trancelim de ouro muito bonito no pescoço. Lampião, entrando em sua casa notou o trancelim de ouro maciço, jóia valiosíssima e fez elogio ao trancelim. Dona Santinha imediatamente retirou a joia e ofereceu ao capitão Virgulino. Este, aliás muito costesmente, recebeu a jóia, agradeceu e disse: " Dona Santinha, agora a senhora tem o direito de me fazer um pedido, pois dizem que bandido não tem palavra". Ela pediu então que ele poupasse a vida do sargento Evaristo, alegando ser ele um crente da igreja Batista (religião que ela frequentava), e ajuntou ainda tratar-se de um cidadão direito, honrado, excelente pai de família. Lampião, um tanto contrariado, garantiu a D. Santinha que a vida do sargento seria poupada, acrescentando: " Nunca poupei vida de um 'macaco', mas eu ja disse que a senhora tinha direito aum pedido e vou garantir minha palavra, pois bandido também tem palavra".
O próprio sargento, comandante da tropa, recebeu das mãos do chefe supremo do cangaço, um mosquetão (sem balas), e onde este ia aquele o acompanhava.
Foto: Ponto atravessado por
Lampião e seu bando, em 22 de dezembro de 1929.
João Lantyer,
segundo à direita, com seu "Ford Bigode" (foto). Na extrema
direita, o mecânico Patápio. Foto de 1928. Possuiu-o por pouco tempo. Vendeu-o
para atender ao pedido da esposa, que temia que, em suas viagens, fosse
novamente abordado por Lampião. Informação de Antonio Lantyer, seu filho, in
Chalé Lantyer
Ali, João se encontrava com o mecânico Pedro Patápio realizando consertos no seu "Ford Bigode”. Após breve conversa com Lampião, que solicitou o automóvel para adentrar a cidade no mesmo, informando-o que este se encontrava, como se podia perceber, com defeito, foi deixado para trás. Isto, enquanto o cangaceiro despachava alguns cangaceiros para neutralizar o telégrafo e avançou adentrando a cidade.
Ali, João se encontrava com o mecânico Pedro Patápio realizando consertos no seu "Ford Bigode”. Após breve conversa com Lampião, que solicitou o automóvel para adentrar a cidade no mesmo, informando-o que este se encontrava, como se podia perceber, com defeito, foi deixado para trás. Isto, enquanto o cangaceiro despachava alguns cangaceiros para neutralizar o telégrafo e avançou adentrando a cidade.
Foto do acervo do professor e pesquisador Rubens Antonio
O Dr.
Manoel Hilário do Nascimento (foto), Juiz Preparador do Termo, estava
entretido com alguns amigos, entre os quais o tabelião José Francisco do
Nascimento, numa agradável prosa domingueira, quando, de repente, chega o
oficial de justiça, Alvarino, preso pelo cós das calças e anuncia, com voz
embargada: " Doutor, o Capitão Lampião."
Imediatamente, o Juiz e todos que ali se achavam foram presos.
Ao ver o Juiz, o escrivão, o oficial de justiça e o tabelião, todos negros, Lampião ironizou-:" Que terra desgraçada, toda a justiça é negra". E voltando-se para o Dr. Manoel Hilário, indagou com sarcasmo: "Então você é mesmo doutor?" - Ao que o Juiz respondeu: " Sou, sim senhor. Sou bacharel..."
Lampião prosseguiu na chicana: " Deixe ver suas mãos". Mostradas as palmas das mãos sem um calo sequer, Lampião exclamou: " Que negro bom para uma enxada".
Depois destas e outras humilhações, Lampião, sem perda de tempo, deixou uma guarda tomando conta do juiz e dois dos seus amigos prisioneiros e seguiu para assaltar o quartel.
Fonte: Nonato Marques. Santo Antônio das Queimadas, pag.139)
CONTINUA...
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Amigo Mendes, por falta de tempo, logo que precisei acompanhar uma turma de colégio a um provável quilombo de minha terra, apenas passei para meu computador esta parte da história de Queimadas. Depois preciso estudar o assunto profundamente; assunto que o conheço, mas, nem tanto.
ResponderExcluirAbraços para você e Oleone.
Antonio José de Oliveira - Povoado Bela Vista - Serrinha-Ba
ótimo relato
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