Por Brasília
Carlos Ferreira – Organizadora, 1992
Lauro
Reginaldo da Rocha era Mossoroense
“SÉTIMO DIA”
Nos momentos de crise eu achava que tudo ia acabar. Caía no desânimo e chegava a desejar que a morte viesse o quanto antes para por termo ao martírio. Depois vinha a reação. Pensava nas coisas bela da vida, no lar, nos filhos, no despontar de um dia radiante, o sol iluminando campos verdejantes, imaginava multidões desfilando, felizes, na grande festa da vitória. E voltava aquela esperança de que eu tornaria ao mundo dos vivos. E o organismo reagia, parecia readquirir as forças perdidas, eu lutava para viver.
A descarga do mictório mais uma vez rouba-me o devaneio. A sede faz-me delirar. Imaginei todos os meios de fazer chegar aos lábios ao menos umas gotas d’água. No banheiro não há pias nem torneiras. A descarga do mictório espalha a água no azulejo, não há meio de apará-la com as mãos. Além do mais, quando vou á privada, um “tira” me acompanha a dois palmos de distância.
Morrer de sede vendo a água se derramar aos meus pés tem qualquer coisa de diabólico. Sou acometido de súbitos e estranhos desejos como o de rolar pelo chão, rir, gargalhar, mas ainda tenho forças para reprimir os desvairados impulsos. E começava a pensar, com essa capacidade de auto-domínio, se eu vier a ficar louco, certamente serei do tipo calmo, silencioso. Terá isso algum sentido, alguma lógica?
Tive de repente uma idéia. Eu poderia aproveitar minha própria urina para matar a sede. Eu estranhava o fato de ainda ser possível urinar não sabia donde vinha aquele líquido avermelhado, se eu há sete dias não bebia nem comia. Era o processo de desidratação, concluí depois.
A urina era pouca e eu passe a retê-la, por economia, aguardando um momento de descuido do “vigia” para apará-la com a mão e beber. Esse momento chegou, afinal. O investigador afastou-se por um minuto, eu enchi a mão e bebi em rápidos goles. O líquido quente e salobro deixou um gosto esquisito na boca.
Por alguns instantes aquele latejar insuportável no estômago diminuiu. A sede porém não passou. Ao contrário exacerbou-se. A obsessão pela água continuou a me atazanar o juízo.
O efeito calmante da urina quente no estômago foi passando, as batidas enjoadas voltaram. Agora eu tinha que esperar o líquido juntar na bexiga e o investigador se descuidar. Esse descuido era hipotético. Eu fazia um esforço para definir meus atos, queria saber se estava agindo como uma pessoa sã ou se já estava fora do meu juízo. E chegava à conclusão de que minhas reações eram normais, eu não podia agir de outra maneira.
Era impossível continuar com aquela sede, eu tinha que beber água de qualquer maneira. Do mictório era impossível. Restava o vaso da privada. Sim no vaso da privada estava a solução. Eu tinha noção exata dos riscos que ia correr. Certamente não ia escapar de uma infecção. Isto demonstra que meu raciocínio ainda regula, pensava eu. Mas, não importa o que virá depois. Qualquer morte é preferível à morrer de sede. Resta agora aguardar uma oportunidade, esperar um descuido do investigador.
Direi ao “tira” que preciso ir à privada, ele me acompanhará e se colocará a dois passos de distância, mas haverá um momento em que ele dera as costas e eu aproveitar esse momento. Não sei porque não tive essa idéia antes. Nojo? Nessas alturas, quem sou eu prá ter nojo, se estou a um passo da cova, onde serei devorado pelos vermes? Foi assim que aquela idéia repugnante nasceu e se robusteceu na minha cachola. Só restava o momento de pô-la em prática.
O investigador que veio render ao que estava de vigia, fez esta revelação surpreendente: “Hoje não vai ter sessão de esculacho, é Sexta-Feira da Paixão”.
Trocando em miúdos, isto queria dizer que a sala de torturas não ia funcionar nesse dia, em sinal de respeito a crucificação de Jesus Cristo. O cúmulo da hipocrisia!
Imaginei o Cegadas ajoelhado aos pés de um padre confessando os seus pecados, dizendo que torturou crianças, que colocou uma dessas crianças de 4 anos de idade, junto com o pai e a mãe – todos completamente nus – num corredor quadrado, arrancando-lhe as unhas e praticando as mais torpes sevicias. E o padre, naturalmente surpreendido e horrorizado com a revelação, ficaria hesitante por não dispor de meios nem de autoridade para punir tão nefando crime. E acabaria dando alguns conselhos ao monstro recomendando-lhe, como penitência, rezar alguns padre-nossos e ave-Marias...
Que me perdoem os católicos. Não quero ser irreverente. Quero apenas ser fiel ao meu relato e dizer como funcionava o meu raciocínio, naquelas circunstâncias.
Nos momentos de crise eu achava que tudo ia acabar. Caía no desânimo e chegava a desejar que a morte viesse o quanto antes para por termo ao martírio. Depois vinha a reação. Pensava nas coisas bela da vida, no lar, nos filhos, no despontar de um dia radiante, o sol iluminando campos verdejantes, imaginava multidões desfilando, felizes, na grande festa da vitória. E voltava aquela esperança de que eu tornaria ao mundo dos vivos. E o organismo reagia, parecia readquirir as forças perdidas, eu lutava para viver.
A descarga do mictório mais uma vez rouba-me o devaneio. A sede faz-me delirar. Imaginei todos os meios de fazer chegar aos lábios ao menos umas gotas d’água. No banheiro não há pias nem torneiras. A descarga do mictório espalha a água no azulejo, não há meio de apará-la com as mãos. Além do mais, quando vou á privada, um “tira” me acompanha a dois palmos de distância.
Morrer de sede vendo a água se derramar aos meus pés tem qualquer coisa de diabólico. Sou acometido de súbitos e estranhos desejos como o de rolar pelo chão, rir, gargalhar, mas ainda tenho forças para reprimir os desvairados impulsos. E começava a pensar, com essa capacidade de auto-domínio, se eu vier a ficar louco, certamente serei do tipo calmo, silencioso. Terá isso algum sentido, alguma lógica?
Tive de repente uma idéia. Eu poderia aproveitar minha própria urina para matar a sede. Eu estranhava o fato de ainda ser possível urinar não sabia donde vinha aquele líquido avermelhado, se eu há sete dias não bebia nem comia. Era o processo de desidratação, concluí depois.
A urina era pouca e eu passe a retê-la, por economia, aguardando um momento de descuido do “vigia” para apará-la com a mão e beber. Esse momento chegou, afinal. O investigador afastou-se por um minuto, eu enchi a mão e bebi em rápidos goles. O líquido quente e salobro deixou um gosto esquisito na boca.
Por alguns instantes aquele latejar insuportável no estômago diminuiu. A sede porém não passou. Ao contrário exacerbou-se. A obsessão pela água continuou a me atazanar o juízo.
O efeito calmante da urina quente no estômago foi passando, as batidas enjoadas voltaram. Agora eu tinha que esperar o líquido juntar na bexiga e o investigador se descuidar. Esse descuido era hipotético. Eu fazia um esforço para definir meus atos, queria saber se estava agindo como uma pessoa sã ou se já estava fora do meu juízo. E chegava à conclusão de que minhas reações eram normais, eu não podia agir de outra maneira.
Era impossível continuar com aquela sede, eu tinha que beber água de qualquer maneira. Do mictório era impossível. Restava o vaso da privada. Sim no vaso da privada estava a solução. Eu tinha noção exata dos riscos que ia correr. Certamente não ia escapar de uma infecção. Isto demonstra que meu raciocínio ainda regula, pensava eu. Mas, não importa o que virá depois. Qualquer morte é preferível à morrer de sede. Resta agora aguardar uma oportunidade, esperar um descuido do investigador.
Direi ao “tira” que preciso ir à privada, ele me acompanhará e se colocará a dois passos de distância, mas haverá um momento em que ele dera as costas e eu aproveitar esse momento. Não sei porque não tive essa idéia antes. Nojo? Nessas alturas, quem sou eu prá ter nojo, se estou a um passo da cova, onde serei devorado pelos vermes? Foi assim que aquela idéia repugnante nasceu e se robusteceu na minha cachola. Só restava o momento de pô-la em prática.
O investigador que veio render ao que estava de vigia, fez esta revelação surpreendente: “Hoje não vai ter sessão de esculacho, é Sexta-Feira da Paixão”.
Trocando em miúdos, isto queria dizer que a sala de torturas não ia funcionar nesse dia, em sinal de respeito a crucificação de Jesus Cristo. O cúmulo da hipocrisia!
Imaginei o Cegadas ajoelhado aos pés de um padre confessando os seus pecados, dizendo que torturou crianças, que colocou uma dessas crianças de 4 anos de idade, junto com o pai e a mãe – todos completamente nus – num corredor quadrado, arrancando-lhe as unhas e praticando as mais torpes sevicias. E o padre, naturalmente surpreendido e horrorizado com a revelação, ficaria hesitante por não dispor de meios nem de autoridade para punir tão nefando crime. E acabaria dando alguns conselhos ao monstro recomendando-lhe, como penitência, rezar alguns padre-nossos e ave-Marias...
Que me perdoem os católicos. Não quero ser irreverente. Quero apenas ser fiel ao meu relato e dizer como funcionava o meu raciocínio, naquelas circunstâncias.
CONTINUA...
http://www.dhnet.org.br/memoria/1935/livros/bangu/04.htm#primeiro
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário