Autor: Rostand Medeiros - Publicado em 20/12/2013
Para mim o
espírito de Natal é algo tão forte, tão intenso, que mesmo no meio de uma
sangrenta guerra ele pode produzir milagres. Foi assim na fria véspera de Natal
de 1944, nesta incrível história que conto a vocês.
Após a invasão
da Normandia, a chamada Operação Overlord, a consequente conquista da Normandia
no fim de julho de 1944 e do hoje pouco lembrado desembarque no sul da França
em 15 de agosto, os Aliados avançavam rumo a Alemanha de forma mais rápida do
que era esperado.
Em meio a
problemas de abastecimento e do cansaço das forças americanas e britânicas,
Hitler decidiu lançar uma contraofensiva alemã na frente ocidental, na
tentativa de deter o avanço Aliado.
Em meio a
neve, a destruição de uma aldeia belga na região das Ardenas
Conhecida como
Batalha das Ardenas, ou Batalha do Bulge, aconteceu na floresta das Ardenas, na
região da Valônia, sul da Bélgica. Tudo começou em meio a um inverno rigoroso,
no dia 16 de dezembro de 1944, quando tanques panzers alemães avançaram,
causando fortes estragos nas fileiras Aliadas pegas completamente de surpresa.
Os americanos e britânicos estavam com suas linhas de combate muito espalhadas,
passando a enfrentar uma força inimiga inicialmente superior.
Os alemães
capturaram milhares de prisioneiros e seu ataque deixou muitas unidades americanas
e britânicas isoladas em meio à floresta.
Fritz Vincken
em 1940
Enquanto a
carnificina se generalizada nas Ardenas, uma mãe e seu filho de 12 anos,
chamados Elisabeth e Fritz Vincken, tentavam sobreviver ao caos escondidos em
uma cabana no meio da floresta.
Escondidos
Para Viver…
Eles eram
alemães da cidade de Aachen. Ali o marido de Elisabeth tinha uma padaria. Na
madrugada de 11 para 12 de abril de 1944, 352 bombardeiros britânicos atacaram
esta cidade, perdendo nove aeronaves. O ataque foi intensamente destrutivo,
causando danos generalizados e fortes incêndios. Entre os locais atingidos
estavam a padaria e a casa dos Vincken, que sobreviveram. Na sequência todos
foram evacuados para uma aldeia, onde encontraram abrigo.
Alemães nas
Ardenas
Consta que o
pai de Fritz ficou então agregado como cozinheiro de uma unidade do exército
alemão. Uma noite ele veio em um pequeno caminhão militar e levou sua família
para as profundezas da floresta de Ardenas, 20 quilômetros ao sul do abrigo
onde se encontravam, perto da fronteira da Alemanha com a Bélgica. Era uma área
elevada, bem arborizada, onde existia uma solitária cabana de caça. Foi um
amigo belga do marido de Elisabeth que mostrou o caminho para chegar
lá. Foi neste local que ela e Fritz se encontravam na véspera de Natal de
1944.
Fritz comentou
que na noite anterior as temperaturas caíram para abaixo de zero, entretanto no
dia 24 de dezembro, o sol nasceu com vigor, trazendo um espetacular céu azul
sem nuvens. Aproveitando a visibilidade, durante todo o dia centenas de aviões
aliados voaram em suas missões mortais. O rugido sombrio e pesado de seus
motores permaneceriam para sempre enraizado na mente do garoto.
Quando a
escuridão caiu no final da tarde, a quietude repentina era caracterizada pelo
silêncio na floresta e incontáveis estrelas no céu. Fritz narrou que havia
até mesmo longos pingentes de gelo formados fora das janelas da casa. Mãe e
filho ficaram algum tempo olhando o espetáculo celeste e comentando quando
viriam novamente o seu mundo em paz. Depois entraram para dividirem a ceia de
Natal.
Prisioneiros
americanos. Na Batalha das Ardenas, só os americanos tiveram 19.000
mortos, 47.500 feridos, 23.000 capturados ou desaparecidos.
Nisso ouviram
batidas na porta do abrigo. Aterrorizada, Elisabeth rapidamente apagou as velas
que iluminavam o lugar e Fritz foi até a porta, sendo bloqueado por sua mãe.
Mesmo sabendo
que ali fora poderia haver problemas, Elisabeth e Fritz decidiram abrir e ver
quem lá estava. Como fantasmas contra as árvores cobertas de neve, ali se
encontravam dois homens com capacetes de aço. Um deles falou em uma língua que
eles não entenderam, apontando para um terceiro homem deitado na neve.
Elisabeth percebeu que eram soldados americanos. Eram inimigos!
Um Escolha
Difícil
Mãe e filho
ficaram olhando em silêncio, parados. Eles estavam armados, poderiam ter
forçado a entrada na cabana e, além disso, estavam com um homem ferido,
parecendo mais morto do que vivo. Ela sabia que a pena por abrigar o inimigo
era a morte por fuzilamento, mas quando olhou nos olhos dos jovens americanos
não teve medo, abriu a porta e os deixou entrar. Eles se aproximaram, andando
com neve até os joelhos.
Tanque alemão
destruido pelos americanos na batalha
Os americanos
eram bem jovens, nem barbas tinham. Elizabeth não falava inglês, mas um dos
americanos falava francês, idioma que a mãe de Fritz conhecia. Contaram que
estavam perdidos no meio da floresta e já vinham andando por três dias,
escondendo-se dos alemães e procurando a sua unidade de combate. Porém, tudo o
que encontram foi aquela casa.
Sem outra
solução Elizabeth mandou Fritz trazer mais seis batatas para o fogo e
“Hermann”, um galo gordo. Este homenageava Hermann Goering, o obeso comandante
da Luftwaffe, a força aérea dos nazistas, figura a qual Elisabeth nutria pouco
afeto. O galo tinha sido engordado durante semanas na esperança de que o pai de
Fritz estivesse na casa para o Natal. Mas, algumas horas antes, quando era
óbvio que ele não viria, sua mãe tinha decidido que o galo deveria viver mais
alguns dias para o caso de seu marido chegar para o Ano Novo.
Os Americanos
nas Ardenas careciam de roupas apropriadas para o rigor do inverno. Vemos
infantes do 290th Regiment perto de Amonines, Bélgica. em 4 de Janeiro de 1945.
Todavia,
diante das circunstâncias, Elisabeth mudou de ideia: “Hermann” serviria para um
fim imediato. Em breve o cheiro tentador de frango assado permeava pela cabana.
O clima foi se
distendendo e os americanos foram se apresentando. Havia um atarracado, de
cabelos escuros, chamado Jim. Seu companheiro, alto e magro, era Ralph e o
ferido se chamava Herbie.
Quando Fritz
arrumava a mesa para a ceia de Natal e os americanos estavam em um quarto onde
o ferido Herbie estava deitado, escutaram uma forte batida na porta.
Com a
expectativa de encontrar mais americanos perdidos, Fritz abriu com hesitação e
lá estavam quatro soldados com uniformes muito familiares para a jovem mãe e
seu filho. Eram soldados alemães da Wehrmacht, o exército de Hitler.
Blindados anti
aéreos alemães destruídos pelos americanos.
Diante do
Perigo
Apesar do medo
de Elisabeth e Fritz, ela disse calmamente “Fröhliche Weihnachten” (Feliz Natal
em alemão). Os soldados lhe responderam um Feliz Natal e informaram que se
perderam do seu regimento e gostariam de abrigar-se na cabana para descansar e
esperar a luz do dia, explicou o militar de hierarquia mais elevada, um cabo.
Com uma calma
nascida do pânico, Elisabeth respondeu que sim. Eles poderiam descansar, ter
uma refeição quente e comer até o pote ficar vazio. Estes sorriram enquanto
sentiam o aroma de “Hermann” através da porta entreaberta.
Mas Elisabeth
acrescentou com firmeza que na casa estavam três outros convidados e disse quem
eram. Daí para frente sua voz se tornou severa ao comentar: “É véspera de Natal
e não haverá nenhum tiro aqui”. Ela narrou a situação dos inimigos e pediu que
“Nesta noite de Natal todos deveriam esquecer a matança”.
Blindado
alemão destruído.
O cabo olhou
para ela por uns dois ou três segundos intermináveis de silêncio. Então
Elisabeth pôs fim à indecisão “Chega de falar” ela ordenou e bateu palmas
rispidamente. “Por favor, coloquem suas armas aqui na pilha de lenha, e se
apressem para comer o jantar!”. Aturdidos com a autoridade feminina e diante de
um quadro que certamente lembrava as suas mães em seus lares na Noite de Natal,
os homens de Hitler obedeceram. Os quatro soldados colocaram suas armas
sobre a pilha de lenha ao lado da porta. Enquanto isso, Elisabeth estava
falando francês de forma igualmente autoritária para Jim e logo eles entregaram
suas armas àquela valente mulher.
Apesar do
clima tenso, Elisabeth foi preparar o jantar. Nisso um dos alemães tinha posto
seus os óculos para inspecionar a ferida do americano, ele havia estudado
medicina em Heidelberg até poucos meses atrás e informou que graças ao frio a
ferida de Harry não iria infecionar.
Uma Ceia de
Natal Especial
O relaxamento
começou a substituir a suspeita. Fritz Vincken comentou anos depois que, mesmo
sendo um garoto de doze anos, todos os soldados pareciam muito jovens. Entre os
germânicos havia Heinz e Willi, ambos de Colônia, com apenas 16 anos de idade.
O cabo era o mais velho de todos os militares das duas nações em guerra e só
tinha apenas 23 anos. Do seu saco de comida ele tirou uma garrafa de vinho
tinto e Heinz conseguiu encontrar um pedaço de pão de centeio para aumentar o
jantar.
Filme da
televisão americana sobre este fato.
Quando tudo
estava pronto, Elisabeth deu as graças na mesa. Com lágrimas em seus
olhos, ela disse velhas palavras familiares: “Komm, Jesu Herr. Seien Sie unser
Gast” (Vem, Senhor Jesus. Seja nosso convidado). Fritz comentou que jamais esqueceu
que viu ao redor da mesa lágrimas nos olhos dos jovens militares cansados e
longe de casa. Herbie, mesmo ferido, sacou de uma pequena Bíblia, leu uma das
passagens e terminou declarando que haveria pelo menos uma noite de paz nessa
guerra. Todos concordaram e os soldados alemães e norte americanos
compartilharam uma refeição quente, juntos, em uma noite especial.
Depois todos
descansaram em paz.
O armistício
privado continuou na manhã seguinte. O cabo aconselhou os americanos sobre a
melhor maneira de encontrar o caminho de volta para as suas linhas. Olhando por
cima do mapa de Jim, o cabo apontou um córrego e disse “Continue ao longo deste
riacho e você encontrará o seu pessoal se reagrupando”. O estudante de medicina
transmitiu a informação em um Inglês atravessado, mas compreensível. Jim então
perguntou por que não ir para a cidade de Monschau? “Nein!”, o cabo exclamou.
“Nós retomamos Monschau e lá vocês seriam mortos ou capturados”.
Somente na
hora de sair Elisabeth deu-lhes todas as suas armas. Os soldados alemães e
americanos apertaram as suas mãos e desapareceram em direções opostas.
Um Grande
Encontro
Elisabeth, seu
marido (cujo nome desconheço) e seu filho Fritz sobreviveram a Guerra.
Fritz Vincken
no Havaí no final da década de 1990.
Seu marido
faleceu em 1963 e Elizabeth em 1966. Fritz Vincken se casou em 28 de fevereiro
1958 e logo após emigrou para o Canadá, depois Estados Unidos, onde foi morar
em Honolulu, Havaí, onde montou uma padaria. Durante anos Fritz tentou
encontrar os sete soldados, mas sem sucesso. Ele chegou até a escrever um texto
pessoal de suas lembranças sobre aquela noite nas Ardenas, mas nunca publicou.
Um dia Fritz
narrou a sua incrível história para uma revista americana e depois apareceu na
televisão em março 1995, em um programa chamado “Unsolved mysteries” (Mistérios
não resolvidos), onde novamente narrou sobre aquela noite de Natal
verdadeiramente interessante.
Na cidade de
Frederick, Maryland, na casa de repouso chamada Northampton Manor Nursing Home,
estava Ralph Henry Blank, um pedreiro aposentado e veterano da Segunda Guerra
Mundial, que inúmeras vezes, e para várias pessoas, tinha contado a mesma
história. Logo, seus familiares fizeram contato com o canal televisivo.
Ralph e Fritz
Vincken.
Em janeiro de
1996, Fritz foi até Maryland e reencontrou Ralph em um momento muito emocional.
Lá ele soube que além de Ralph, os outros soldados se chamavam Jimmy Rassi e
Herbie Ridgin. Consta que Fritz Vincken ainda conseguiu se encontrar com outro
dos americanos, mas não consegui descobrir qual deles era. Em relação aos
alemães, apesar desta história ter sido divulgada pela imprensa, nada se
conseguiu saber destes combatentes.
Nesta história
vemos que a força interior de uma única mulher, através de sua inteligência e
intuição, em um momento onde o espírito de Natal mostra a sua luz, impediu um
potencial derramamento de sangue. Transmitindo o significado prático das
palavras: “boa vontade para com a humanidade”.
Ralph Henry
Blank faleceu aos 79 anos, em Frederick, Maryland, no dia 21 de maio de
1999. Já Fritz Vincken, depois de viver vários anos em Honolulu, Havaí, faleceu
no dia 10 de janeiro de 2002, aos 69 anos, na cidade de Salem, Oregon.
Desejo a todos
que visitaram o nosso TOK DE HISTÓRIA um FELIZ NATAL!
Fontes:
http://pulpitbytes.blogspot.com.br/2007_01_01_archive.html
http://jrackman.wordpress.com/2011/12/13/truce-in-the-forest-seeing-the-bigger-picture/
http://the.honoluluadvertiser.com/article/2002/Jan/11/ln/ln37a.html
http://ba-ez.org/educatn/LC/OralHist/vincken.htm
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Extraído do blog Tok de Histórias do historiógrafo
Rostand Medeiros
http://tokdehistoria.wordpress.com/2013/12/20/natal-de-1944-batalha-das-ardenas-quando-deus-veio-para-a-ceia-de-natal/
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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