Por Romero Cardoso
Distante de
princesa, a cidade de Sousa vivia clima de ebulição. Disputas políticas
resultaram em tragédias, como a que envolveu o embate no barracão do “Coronel”
João Pereira, em Nazarezinho, então distrito sousense. Filho do “Coronel”
João Pereira, de nome Francisco Pereira Dantas, sentiu o peso da moral
sertaneja, desprezando conselhos do pai, o qual faleceu exigindo que não se
vingassem. Assassinou o único sobrevivente dos que atacaram o velho patriarca
em seu estabelecimento comercial.
No mapa:
Sousa, cenário de um dos ataques de maior repercussão do bando de Lampião
Conversas a
boca miúda diziam que os mandantes da morte do “Coronel” João Pereira eram
pessoas importantes da sociedade sousense, como o destacado e influente cidadão
de nome Otávio Mariz.Em um dia de feira em Sousa, Otávio Mariz notou animada
conversa entre um bodegueiro de Nazarezinho, de nome Chico Lopes, e um cabra da
inteira confiança de Chico Pereira, de nome Chico Américo. A duração da
conversa despertou a desconfiança de Otávio Mariz. Nas bancas da feira
procurou uma chibata para comprar, indo ao encontro dos dois palestrantes.
Encontrou apenas Chico Lopes. Aplicou-lhe uma surra magistral e pediu-lhe para
ir à fazenda Jacu, reduto dos Pereira Dantas em Nazarezinho, avisar a Chico
Pereira que tinha outra prometida para ele.
No Jacu, Chico
Lopes detalhou todo acontecido. A família do “Coronel” assassinado
perguntou-lhe o que ia fazer, tendo Chico Lopes respondido estar decidido ir
até Princesa, conversar com Lampião sobre o melindroso e humilhante assunto.
Havia um irmão de Chico Lopes que integrava o bando de Lampião há alguns anos.
Isso facilitou a decisão do chefe supremo do cangaço em enviar dezessete homens
de sua confiança para Nazarezinho. Antônio e Levino Ferreira, bem como
Meia-Noite e Sabino Gório, também integravam o grupo que iria se
responsabilizar pela mais aviltante ação cangaceira no Estado da Paraíba.
Notícias
corriam céleres, dando conta dda aproximação do grupo cangaceiro. Em Sousa
alguns aventavam a hipótese de organizar defesa, mas como não acreditaram na
possibilidade de tamanha ousadia, relaxaram completamente. Ao chegar ao
Jacu, os dezessete homens foram recepcionados efusivamente. O número final de
bandidos prontos a atacar Sousa, aumentado com muitos da região, somava oitenta
e quatro quadrilheiros dispostos.
Ângelo Osmiro,
Jorge Remígio e Narciso Dias, na visita do Cariri Cangaço ao Jacu, fazenda do Cel. João Pereira e seu filho; Chico Pereira.
Antes do
amanhecer do dia 27 de julho de 1924, os bandidos cortaram a linha do telégrafo
e invadiram Sousa, cuja maioria da população foi pega totalmente desprevenida.
Pequena resistência partiu da residência de Otávio Mariz, principal alvo dos
atacantes. Experiente e tarimbado sertanejo, Otávio Mariz escapuliu quando viu
que não poderia resistir ao implacável ataque.
Tudo em Sousa
virou alvo de saque, os cangaceiros roubaram o comércio, residências, tudo,
prejuízo incalculável que marcou indelevelmente a história sousense. Feras
endiabradas davam vazão a todos os instintos selvagens possíveis e imagináveis.
O destacamento local, comandado pelo então Tenente Salgado, não conseguiu
realizar qualquer ação de defesa em Sousa, verdadeiro suicídio se tivesse
havido consumação.
Grupo composto
de quase duas dezenas de bandidos, liderados por cangaceiro conhecido por
“Paizinho”, teve como alvo principal a residência do juiz local, de nome Dr.
Archimedes Soutto Mayor. “Paizinho” tinha queixas pessoais contra o magistrado,
a quem acusava de tê-lo condenando injustamente. Retirado ainda com roupas de
dormir, o Juiz foi submetido a todo tipo de suplicia e humilhação, sendo
forçado a andar de cangalha e em posição vexatória pelas ruas de Sousa. O ato
final seria o assassinato do magistrado, mas Chico Pereira interveio e evitou a
consumação do ato extremo.
Mesa de
abertura do Cariri Cangaço em Sousa, junho de 2013
Manoel Severo,
Bismarck Oliveira e Jorge Remígio em Sousa
O magistrado,
depois de tudo, no ensejo dos desdobramentos do audacioso ataque cangaceiro à
cidade de Sousa, assumiu a responsabilidade de fazer merecida justiça contra
àquelas feras que o atacaram.
A rede de
informações montada por Lampião era impecável e precisa. Logo ele ficou sabendo
dos estragos em Sousa e, principalmente, do que fizeram com o juiz. Rodopiava
nos calcanhares, ainda sentindo dores terríveis, empunhando Parabellum e
raciocinando sobre o futuro dali para frente. Homem de raciocínio rápido,
Lampião sabia que em breve enfrentariam duras batalhas contra as forças
volantes paraibanas, extremamente tolerantes devido ao respeito ao “Coronel”
José Pereira Lima e a Marcolino Pereira Diniz.
Marcolino
Diniz
Lampião estava
certo. A providência inicial do recém instalado governo de João Suassuna foi a
instalação do segundo batalhão da Polícia Militar Paraibana na cidade de Patos
das Espinharas, com absoluto aval para dar caça ininterrupta aos cangaceiros. A
responsabilidade pela iniciativa maior de efetivar a campanha paraibana contra
o cangaço liderado por Lampião coube, naturalmente, ao “Coronel” José Pereira
Lima.
Não obstante a
proteção que Lampião desfrutou em Princesa, seria inadmissível que o chefe
político das terras da lagoa da perdição tolerasse tamanha afronta,
principalmente em razão da forma como o magistrado sousense foi humilhado pelos
cangaceiros.
Lampião e
Antônio Ferreira no ano de 1926
No ensejo da
caçada movida contra os bandoleiros, há fato digno de registro, referente à
resistência efetivada pelo cangaceiro Meia-Noite em uma casa de farinha no
sítio Tataíra, fronteira entre os estados da Paraíba e de Pernambuco. Na
companhia da esposa, Meia-Noite, embora a mulher não tenha participado do
combate, enfrentou combinado de volantes, comandados pelo então Tenente Manuel
Benício, e tropa de cachimbos (civis em armas) contratada pelo “Coronel” José
Pereira. Meia-Noite lutou contra oitenta e dois homens, ferindo dezoito.
Escapuliu do tiroteio, mas a esposa ficou no local em que se entrincheirara,
sendo depois conduzida à cadeia de Princesa. No local, conforme Érico de
Almeida, primeiro biógrafo de Lampião, autor do livro “Lampeão, sua história”
(1926(1ª ed.), 1996( 2ª ed.), 1998(3ª ed) ), foram encontradas quatrocentas e
noventa e duas balas de fuzil mauser DWN, modelo 1912.
Em seguida,
devido às volantes paraibanas estarem assanhadas com a ordem capital de darem
combates violentos aos cangaceiros, inúmeros enfrentamentos foram registrados,
como a batalha do Tenório, no ano de 1925, quando Levino Ferreira foi
assassinado pelo volante Belarmino Morais, comandado pelo então cabo José
Guedes. Como forma de se vingar do “Coronel” José Pereira, a quem culpava pela
morte do irmão, Lampião e seu bando invadiram humildes propriedades em
princesa, como a do Caboré, assassinando diversas pessoas, incluindo entre
essas um ancião de provecta idade de noventa e dois anos e um garoto de apenas
doze anos.
Cel Zé Pereira
de Princesa
O governo
paraibano invocou o convênio anti-banditismo, firmado no ano de 1922 em Recife
(PE), obtendo permissão para que suas forças de segurança pública em
perseguição aos bandoleiros adentrassem os territórios de outros estados
nordestinos. O grupo cangaceiro, em certa ocasião no ano de 1925, foi
localizado na região de Serrote Preto. Desprezando as mais elementares táticas
militares, os volantes paraibanos atacaram irresponsavelmente o valhacouto de
Lampião. As estratégias guerrilheiras foram implementadas impecavelmente pelos
cangaceiros, resultando em horrível carnificina, na qual pereceram os
comandantes Tenentes Joaquim Adauto e Francisco de Oliveira, além de mais de
uma dezena de soldados.
Abalado com a
perseguição tenaz que as volantes paraibanas realizavam, Lampião evitou a
Paraíba, pois seus antigos protetores não estavam mais propensos a desafiar as
ordens do governo paraibano, bem como a decisão irredutível do “Coronel” José
Pereira Lima em buscar erradicar o cangaço liderado por Lampião, pelo menos em
terras paraibanas.
Chico Pereira
Para Chico
Pereira não houve outra saída, em razão da gravidade dos fatos ocorridos em
Sousa, a não ser acompanhar o grupo de Lampião pelas adustas plagas sertanejas.
Travou combate em Areias do Pelo Sinal, entre Princesa e o distrito de Alagoa
Nova (Hoje Manaíra), depois, vítima de picada de cascavel, em território
pernambucano, amargou provações inenarráveis.
O extenso
processo elaborado pelo Dr. Archimedes Soutto Mayor mostrou-se simpático a
Chico Pereira, eximindo-o de algumas culpas e louvando diversas interferências
realizadas quando do ataque cangaceiro do dia 27 de julho de 1924 à cidade de
Sousa.
Perseguido,
embora tolerado discretamente, Chico Pereira era, no entanto, alvo de olhares
vingativos, sobretudo em razão de suas práticas donjuanescas. Sedutor, Chico
Pereira desafiava importante elemento da moral sertaneja. Ao que tudo indica,
houve a sedução de uma sobrinha do governador norte-riograndense Juvenal
Lamartine, em Serra Negra (RN).
Wescley
Rodrigues na abertura do Cariri Cangaço em Sousa
Provavelmente
houve um conluio entre Juvenal Lamartine e seu colega João Suassuna para
eliminar Chico Pereira. João Suassuna, através de irmão de nome Antônio,
empenhou a palavra sobre a total liberdade do homem que foi obrigado a se
tornar cangaceiro devido à morte do pai, motivada pela política acirrada dos
turbulentos anos da década de vinte do século passado.
Na festa da
padroeira de Cajazeiras, no ano de 1928, Chico Pereira foi detido por oficiais
da polícia militar paraibana. Manuel Arruda de Assis foi o responsável pela
prisão. Conduzido a Pombal, onde tinha praticado crime, quando do cerco ao
velho casarão de Antônio Mamede no sítio Pau Ferrado, Chico Pereira ia ser
transferido para Princesa, onde havia assassinado soldado de nome
Pierre. A escolta que o conduzia rumou em direção a Santa Luzia. Havia um
crime atribuído a ele em Acari (RN), referente a um roubo praticado contra o
velho “Coronel” Quincó da Ramada. Era parte do esquema estruturado por
Juvenal Lamartine para liquidá-lo. Joaquim de Moura, famanaz executor de bandoleiros,
foi o responsável pela morte de Chico Pereira.
O ataque do
bando de Lampião à cidade de Sousa foi um dos mais ousado ato praticado pelos
bandoleiros das caatingas, cuja marca indelével permaneceu por tempos e ainda
resiste na memória de poucos que tiveram a infelicidade de presenciar a
verdadeira baderna que os cangaceiros fizeram na simpática cidade sorriso no
longínquo dia 27 de julho de 1924.
José Romero
Araújo Cardoso
http://omundocomoelee.blogspot.com.br
http://omundocomoelee.blogspot.com.br
José Romero
Araújo Cardoso. Geógrafo. Professor Adjunto do Departamento de Geografia da
Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio
Grande do Norte. Especialista em Geografia e Gestão Territorial (UFPB) e em
Organização de Arquivos (UFPB). Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente
(PRODEMA – UERN). Contato: romerocardoso@uol.com.br
http://cariricangaco.blogspot.com
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
Caro Mendes, estas são duas matérias que acredito serem de primeira qualidade, pois nunca ouvi falar antes no Tenente Cirilo, e o ataque de Lampião a Sousa, pouco eu conhecia. Irei lê-las cuidadosamente.
ResponderExcluirGrato,
Antonio Oliveira - Serrinha-Ba.