Por Rangel Alves
da Costa*
Atualmente
está tudo muito diferente. As residências são guarnecidas por móveis modulados,
de madeira prensada ou mesmo de materiais requintados e de fino acabamento.
Visualmente são maravilhosos, mas de curtíssima duração. Como dizia a velha
comadre, já não se faz nada que tenha serventia como antigamente. E tem razão a
velha comadre. As estantes, cadeiras e mesas de hoje, bem como todo o aparato
mobiliário, não duram muito e logo começam a ficar tronchos, a esfarelar e a
cair.
Mas nem sempre
foi assim. Ainda hoje, com mais de cinquenta anos de varanda ou alpendre, de
frio e calor, de chuva e sol, muitos assentos continuam inteiros e firmes por
esse mundão afora. E o sertão tem exemplo de sobra. As mesas, bancos, cadeiras
e tamboretes venceram gerações e mudaram somente a cor, pois ficaram mais
envernizados, mais bonitos. Pelas salas e alpendres das fazendas se avistavam
aqueles bancos enormes, compridos, com mais de três metros, todos em madeira de
lei. Nenhum cupim jamais se deu ao prazer da destruição.
Tais bancos
ainda são encontrados, mas com maior raridade. As igrejas utilizam da mesma
madeira sertaneja nos seus assentos imorredouros. Aroeira, maçaranduba, peroba,
angico, bonome, baraúna, tudo madeira que cupim não rói, por isso mesmo
duradoura, resistente, apropriada para ser utilizada onde se deseja firmeza e
resistência. Também por isso que gerações desaparecem e os bancos que ainda
restam nos telheiros continuam com feição irretocável.
Contudo, ao
aderirem aos modismos mobiliários, tantos as povoações interioranas como os
centros urbanos foram fragilizando os seus costumes. Igualmente aos modismos
que chegam, destroem e somem, os costumes mobiliários demonstram as
fragilidades desse novo tempo. Dificilmente se encontra uma casa onde a mesa
seja de madeira autêntica, nobre, antiga, tingida pelo verniz do tempo. O que
se vê comumente são móveis novos, bonitos, brilhentos, coloridos, porém todos
prensados, de fórmica ou um material qualquer de curta durabilidade.
Somente nas
casas das fazendas, nos sítios mais distantes e algumas povoações, ainda é
possível ter a satisfação de encontrar móveis antigos ainda em pleno uso e com
feições de eternidade. Ainda é possível encontrar um velho pilão dos tempos da
escravidão, com sua mão enorme e ainda o eco da batida no café, no milho, no
grão de outras gerações. Mesas imensas, para acolher toda a família em almoço e
confraternização. Cadeiras e bancos que de tão pesados mais parecem uns troncos
trazidos da mataria ao redor.
Também nas
povoações mais distantes, principalmente nas residências mais antigas e de
famílias com maiores posses, ainda é possível encontrar cristaleiras que são
verdadeiras relíquias. Aqueles armários antigos, construídos com madeira nobre
e artesanalmente adornados, geralmente colocados nas salas de refeições, davam
um toque requintado aos rústicos ambientes. Olhando através das vidraças eram
avistados os copos finos, as taças, os cristais, as garrafas antigas.
O mesmo
acontece com os oratórios. Ora, na região sertaneja os oratórios são tidos e
conservados como verdadeiras miniaturas de igrejas, como locais de fé e
orações, como lugar reservado para encontros e diálogos com Deus, santos e
anjos. Alguns são tão antigos e trabalhados que se tornaram verdadeiras
raridades. E muitos destes com imagens ainda mais antigas, de madeira,
lindamente trabalhados nos mínimos detalhes. Daí serem tão raros, caros e
preciosos. Atualmente são poucos os oratórios que são encontrados em bom estado
de conservação, principalmente porque o desaparecimento dos mais velhos vai
deixando a fé sertaneja carente de devoção. E as novas gerações nem sempre
acendem uma vela ao lado ou se ajoelham perante o templo de madeira para
expressar sua religiosidade.
Os velhos
oratórios continuam nos quartos ou pelos cantos das salas, mas o mesmo não
acontece com os santos esculpidos em madeira. As imagens sacras foram levadas,
muitas vezes a preço de esmola, para as estantes ou as coleções dos
endinheirados da cidade grande. E para servir apenas como enfeites e forjamento
de uma religiosidade que mais se afeiçoa a um grande pecado. Verdade que o
sertanejo não sabia valorizar a arte nos seus santos, também não sabia que sua
santinha era tão cobiçada para outros fins. E no seu jeito humilde de ser,
comumente entregou ao estranho sua protetora achando que talvez ela tivesse
serventia milagrosa para aquela alma carente. Mas que pecado.
A
receptividade do sertanejo já serviu como porta para muitas ações insidiosas
perpetradas por espertalhões. Durante muito tempo forasteiros pagaram preço de banana
por toalhas e colchas rendadas e trabalhadas por mais de três meses seguidos.
Sentadas nas calçadas ou debaixo do pé de pau em todos os momentos que não
estivessem nas lides da casa, as amigas bordavam verdadeiras obras de arte. Do
mesmo modo as velhas senhoras com suas almofadas e bilros, numa maestria
peculiar, fazendo surgir rendados de paraíso. E depois entregar ao forasteiro
por quantia que nem sempre cobria os custos das linhas, dos panos e das
espetadas das agulhas nos dedos.
Tantas
riquezas e o povo sertanejo alheio ao seu real valor. Coisas antigas e
preciosas, heranças familiares, simplesmente foram relegadas pelo
desconhecimento de sua importância cultural e até afetiva. Até mesmo os velhos
baús foram abandonados. Ou não, pois talvez estejam enfeitando as salas de
visita da burguesia que busca na antiguidade a simbologia da riqueza.
Poeta e
cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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