Por Rangel Alves
da Costa*
Aluado era o
nome dele, do doido. Mas não havia nascido assim, de pouco ou quase nenhum
juízo, dono de um mundo próprio, apaixonado pela lua. Tal paixão talvez tenha
sido o motivo de ser chamado assim. Verdade é que mirava o anel dourado da
noite com tanto brilho no olhar que parecia querer voar para abraçá-lo. E
desejava voar mesmo.
Nascido
normal, menino sapeca, traquina, dizem que perdeu o juízo depois de ter
avistado um fogo-corredor - dessas visagens misteriosas que surgem nas noites
de pouca lua - e, chegando assustado em casa, sua mãe lhe confessou que ali era
alma vagante do padre Ambrósio. Mas o pior foi confessar que o tal vigário era
o seu pai. Portanto, aquele fogo-corredor, botando fogo pelas ventas e
galopando na noite, era o seu próprio pai.
Como não
conseguiu compreender tudo de uma vez, no primeiro instante o menino apenas
achou estranho ser filho de um fogo-corredor. Mas depois foi pensando e
pensando mais, juntando uma coisa com outra, até se certificar de vez que era
filho de um padre pecador e que, por isso mesmo, havia se transformado naquele
ser horrendo depois de falecido. E de tanto pensar nisso foi enfraquecendo o
juízo até ficar doido de vez. E doido de pedra.
Rapazote e já
estava completamente louco. Outra coisa não fazia senão esperar as sombras da
noite surgirem para correr até a janela ou qualquer lugar aberto e ficar
observando sua musa luzente chegar. E quanto mais a lua se aproximava, quanto
mais aumentava o seu brilho, mais ele se enchia de encantamento, num frenesi de
arregalar os olhos. Ora, estava diante de sua namorada, de sua paixão, daquela
que tanto amava. E que amor tão profundo e verdadeiro!
Mas a lua não
era a única coisa que realmente lhe despertava atenção. Durante o dia, quando o
sol começava a amainar e o entardecer despontava, seguia no mesmo percurso,
numa caminhada não muito distante de sua casa até o destino. E o destino era
uma pedra grande que se eternizava imponente pelos arredores. Todo dia, mesmo
que tempestade caísse, Aluado seguia naquela direção e para fazer a mesma
coisa.
E o que ela
fazia era longamente conversar com a pedra. Chegava sempre com pedrinhas miúdas
nas mãos, subia, sentava sempre no mesmo lugar e na mesma posição, colocava as
pedrinhas de lado, e de vez em quanto jogava uma em quem passasse com
xingamentos ou fazendo zombaria. Daí também ser conhecido como doido de pedra.
Mas nem queria arremessar nada em ninguém, apenas para ter o que fazer enquanto
se voltava para o que mais gostava: conversar com a pedra.
Você nunca sai
daqui. Tem que encontrar uma casa pra sair daqui. Mas aqui é melhor que a casa.
Eu tenho uma casa, mas quero morar aqui. Você deixa eu morar aqui mais você? E
aqui é bom porque já fico mais perto de minha namorada. Mais tarde ela vai
chegar bonita, bem grande, me chamando pra junto dela. Você tem uma namorada
também? A minha é só minha e fica lá em cima me esperando. Qualquer dia desse
eu subo num passarinho e vou até lá. Ainda não fui porque nunca vejo um
passarinho quando ela me chama. Falou o doidinho.
E a pedra
entabulava conversação: Você vai ficar pior do juízo, eu tô avisando. Mas até
acho melhor namorar a lua que arranjar uma dessas que andam por aí. E ainda
pensam que têm o juízo bom. Mas qualquer dia eu lhe ensino como subir até lá. Quanto
a você morar aqui comigo não acho que seja o melhor a ser feito. Só sendo mesmo
de pedra pra aguentar chuva e sol, ventania e tempestade. Mas sei que será o
vento o meu passarinho. Um dia também já não estarei mais aqui. O vento vai
batendo e me levando grão a grão, me esfarelando pelo ar. Ninguém percebe, mas
a cada dia sou menos pedra, sou menos forte. E chegará o dia que serei
totalmente pó. E será o dia do vento ser meu passarinho...
Não entendi
nada do que falou, mas pra onde você for também vou. Mas o meu medo maior é
chegar aqui e não encontrar mais você. Ouvi minha mãe dizendo uma coisa que
também não entendi bem. Ela disse que iam quebrar em pedacinho toda pedra pra
fazer calçamento. Ninguém quebra você não, não é? Indagou um entristecido Aluado.
A pedra não
respondeu. Mas em seguida o doidinho perguntou por que ela estava molhada. E a
pedra nada respondeu. Apenas sentia o amigo tentando enxugar suas lágrimas.
Poeta e
cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
Título e história interessantes!
ResponderExcluirPois é companheiro Mendes, esta crônica do Escritor Rangel eu já havia passado para meu HD, para ler com atenção depois, mas li agora e gostei até mesmo do trocadilho no título. Como sempre, poeta tem sempre na mente essas histórias. E É ASSIM QUE É O RANGEL ALVES DA COSTA.
ResponderExcluirAntonio Oliveira - Serrinha