LAMPIÃO DEIXA PERNAMBUCO:
Foi no quadriênio 1922-1926
que se verificou a recrudescência assustadora do banditismo no Sertão
pernambucano. O governador Sérgio Loreto, já em 1924, cancelou uma viagem que
faria ao Sertão “por não poder garanti-lo a Força Pública”, diz Frederico
Pernambucano de Mello (A Tragédia dos Blindados, p. 69).
O grupo de Lampião se multiplicou notadamente nesse período de Loreto: subiu
dos habituais 30 homens para cerca de 120, “em clara indicação de ter estado à
vontade o banditismo no período”. E é nesse clima que Estácio Coimbra, eleito
em 1926, assume no ano seguinte o governo do Estado. Convida o Dr. Eurico de Souza
Leão para a chefia da Polícia e este assume “com carta branca, fidelidade
apenas ao compromisso de resultados”.
No Comando Geral das Forças
Volantes, o major Theóphanes Ferraz Torres. “No Sertão, o esforço por vezes
arbitrário se volta sabiamente contra os protetores dos bandidos, contra os
coiteiros do cangaço”, esclarece Pernambucano de Mello (obra citada, p. 75). A
perseguição aos cangaceiros começava a se tornar mais efetiva.
Em 1927, um dos redutos de difícil acesso dos bandidos - a serra Umã - foi
invadida por Manuel de Souza Neto, já no posto de sargento. Antes dele, somente
Theóphanes, em 1917, ousara incursionar na região. A partir de então os
bandidos reforçaram a vigilância, evitando novos ataques da polícia.
Conhecedor da situação,
Manuel Neto, à noite, deixou uma parte dos companheiros na base de elevação e,
acompanhado de nove homens, penetrou nas casas suspeitas, aprisionando e
amarrando alguns facínoras. Prendeu, nessa ocasião, Bispo dos Anjos, filho de
Miguel dos Anjos, este célebre bandido e que era o seu principal alvo, mas que
não foi encontrado.
Diz Marilourdes Ferraz que,
mais tarde, “Manuel Neto, aproveitando a escuridão, efetuou outro ataque ao
reduto, acompanhado por seu irmão Afonso e os soldados João Pedro, Benedito
Severo e João Roque, conseguindo repelir a resistência e ocasionando várias
mortes na facção dos bandidos”. Esclarece João Gomes de Lira (obra cit., p.
397) que aí foram eliminados os cangaceiros Barra Nova e João Marreca.
A perseguição a Lampião continuava. Vendo o bando se reduzir a cada dia, o
cangaceiro viu-se obrigado a evitar qualquer confronto com as volantes. E no
dia 21 de agosto de 1928 deixou Pernambuco, atravessando o rio São Francisco.
Ao seu lado, apenas o irmão Ezequiel, o cunhado Virgínio (Moderno), Luís Pedro,
Mariano e Mergulhão.
Billy Chandler (obra cit.,
p. 127) diz que “a polícia de Pernambuco não tencionava deixar Lampião
descansar, e Manuel Neto e seus nazarenos descobriram sua pista logo depois que
atravessou o São Francisco e o seguiram...”
Chegando à fazenda do “coronel” Petronilo Reis, Manuel Neto exigiu do vaqueiro
que lhe mostrasse onde estava Lampião. O vaqueiro se recusou e foi surrado.
“Depois da surra, entretanto, concordou em levá-los até Bonfim, onde chegaram
no dia 26 de agosto”. Houve pequeno tiroteio e os cangaceiros fugiram.
Chegando à Bahia, Lampião
mudou sua tática. Passou a distribuir dinheiro, era bondoso e pacato,
procurando mostrar-se um indivíduo injustiçado. Dizia que fora à Bahia apenas
para descansar e não tinha intenção de fazer mal a ninguém. Essa sua
inatividade, aliada a incidentes como a surra dada no vaqueiro de Petronilo,
levaram as autoridades baianas a pedirem ao governo pernambucano a retirada de
suas volantes. E Manuel Neto teve de voltar a sua terra, continuando ali sua
carreira militar.
Outubro de 1930: o
testemunho de Gilberto Freyre:
Vamos encontrar Manuel
Neto, em 1930, como ajudante de ordens do Governador Estácio Coimbra e no posto
de 2º tenente.
Seu empenho e seu valor no
combate ao banditismo, sua extrema coragem, sua lealdade ao governo o
credenciaram àquela posição.
Nos conturbados dias de
outubro daquele ano, portou-se como verdadeiro herói, resistindo até o último
momento contra as forças que procuravam depor, em Pernambuco, o Governador
Estácio Coimbra. Manuel Neto não pôde ficar indiferente ao governo que dera aos
nazarenos o amparo necessário à defesa do seu povoado, que tanto fora ameaçado
pelo facinoroso Virgulino Ferreira. Postou sua força da ponte Santa Isabel à
ponte da Boa Vista, fazendo fogo para a rua da Aurora, onde se encontravam os
revoltosos.
Gilberto Freyre, em
depoimento de 1972, por ocasião do centenário de Estácio Coimbra (v. Frederico
Pernambucano de Mello, obra cit., p. 32), diz que tentava-se, na Revolução de
1930, ridicularizar a resistência, que foi entretanto brava. “O Palácio do
governo, onde permaneceram, desde as primeiras violências nas ruas do Recife, o
Governador e vários dos seus auxiliares, tinha uma defesa constituída por um
grupo de bravos, que respondiam aos tiros vindos das ruas da Aurora e Santo
Amaro, da própria ponte de Santa Isabel, a peito descoberto. Vários pereceram
aí e no ataque ao depósito de munições da Soledade...”
E acrescentou: - “Vi o que
é ter gente simples a mística coragem de enfrentar a morte como um toureiro
espanhol ao touro numa arena de Madri: sorrindo e até bailando. Lembro-me,
sobretudo, do então tenente Manuel Neto. Não creio que um homem possa ser mais
bravo do que foi, nesses momentos que se prolongaram da noite por todo um dia,
até a noite seguinte, esse admirável Manuel Neto. Vi-o em ação. Manuel Neto
saltava, dançava, bailava, gritava ao dar seus tiros.
Era o bravo do tipo dionísico.”
Enquanto a força lutava
deitada, ao abrigo dos tiros, Manuel Neto causava admiração a quem o via de pé,
“fazendo dos seus movimentos um “balet” de bravura. Dançava repelindo os tiros
e atirando”, testemunhou Gilberto Freyre.
Estácio Coimbra, atendendo a um pedido do Comandante do Exército - que desejava
se instalar no Palácio para, dali, repelir o ataque que vinha da Paraíba -,
deixou o Palácio acompanhado de Gilberto Freyre e de outros auxiliares
imediatos. Dirigiu-se ao edifício das Docas e, dali, seguiu para Tamandaré,
“onde pretendia instalar o governo e esperar o prometido reforço federal, que
deveria chegar do Sul.”
Sentindo alguma coisa no
ar, Manuel Neto foi ao Palácio, sendo informado que Estácio Coimbra deixara o
local e que se dirigira a Tamandaré. “Sem demora” - conta João Lira (obra
citada, p. 450) -, “o tenente Manuel Neto pegou um carro e seguiu ao encontro
do governador. Por ser o carro do Palácio muito conhecido, em todas as ruas que
passava, era fortemente alvejado pelos inimigos do governo”. Alcançou o
governador em Tamandaré.
O reforço esperado não
chegou e Estácio Coimbra decidiu seguir para a Bahia, sendo acompanhado pelo
ajudante de ordens que deixava, talvez sem o saber, o irmão, sargento Afonso de
Sá Nogueira, morto em combate contra os revoltosos que desciam da Paraíba. Da
Bahia o governador seguiu para o exílio. Neto decidiu ficar no Brasil. Pediu a
Estácio algumas cartas, recomendando-o a amigos e parentes no Rio de Janeiro,
para onde seguiu. Ali chegando, foi preso.
“Os estudantes davam viva à
Revolução e pediam, exigiam das autoridades que lhes entregassem Manuel Neto
para matá-lo em praça pública”, conta João Lira.
Ainda em outubro de 1930, grande contingente policial foi deslocado do Sertão
para a capital. Aproveitando a oportunidade, Lampião resolveu visitar
Pernambuco, depois de uma longa ausência. Atravessou o São Francisco e entrou
no município de Floresta. Matou o ex-cabo Aureliano e, a 26 de novembro,
capturou Macário Gomes de Sá (v. GS, Tn 224), libertando-o depois de receber a
importância exigida e que fora cedida por Sérgio Gomes Correia (Yoyô), da
fazenda Tigre. A permanência do cangaceiro no território pernambucano,
entretanto, foi rápida.
Logo voltou ao eixo
Bahia-Sergipe.
Àquela altura, as forças do
Nordeste levantaram-se contra a prisão de Manuel Neto. Saíram em defesa do
homem de tantas e encarniçadas batalhas contra o banditismo no Sertão.
Libertado, Manuel Neto voltou a Pernambuco, tomando conhecimento de sua
exclusão da Polícia Militar. Também eram afastados diversos parentes, inclusive
Euclides de Souza Ferraz, Hercílio de Souza Nogueira e Aureliano de Souza
Nogueira.
Resolveu voltar a Nazaré, onde a situação não era das melhores. Muniz de
Farias, não se sabendo onde, achara alguma coragem e, tomando parte ativa na
Revolução, tornara-se um dos seus festejados heróis; dono da situação, assumiu
o Comando da Força Pública e resolveu insurgir-se contra os nazarenos,
tramando-lhes o desarmamento.
“Higino, Arlindo Rocha e
outros oficiais negaram-se a desarmar Nazaré, solidários com os nazarenos.”
Manuel Neto tomou nas mãos
a reação do povoado e de sua gente. Buscou ajuda e esta lhe chegou sem demora.
De “toda parte chegava solidariedade para os nazarenos”, conta, em detalhes,
João Lira (obra citada, p. 472). Nazaré “era inimiga de Lampião e não podia
ficar desarmada: preferiam brigar armados contra o governo, mas não ficariam desarmados
contra Lampião”. Essa a posição de Manuel Neto e de seus parentes.
Na noite de 20 de março de
1931, Manuel Neto traçou os planos: não entregariam as armas e enfrentariam o
governo até o último homem. Ficaria “com cem homens em Pernambuco” e Euclides,
Odilon Flor, Hercílio, Lero, Arconso e Antônio Capistrano, “cada um assumiria o
comando de cem homens. Rumariam para os Estados da Paraíba, Ceará, Alagoas,
Bahia e Sergipe.”
Com a intermediação do
padre Urbano Carvalho, chegou-se, entretanto, a um acordo. Continuou o povoado
armado, pronto a rebater qualquer ataque de Virgulino Ferreira.
O capitão José Émerson
Benjamim, que representava o governo, resolveu inclusive pedir a reinclusão de
Manuel Neto e de outros nazarenos na Polícia do Estado.
A 27 de abril de 1931, Neto
voltou às fileiras da Polícia Militar, no posto de 2º sargento. Relutara em
aceitar, pois fora afastado como 2º tenente. O capitão, entretanto,
garantira-lhe que, se assumisse, dentro de um mês conseguiria sua promoção ao
antigo posto.
CONTINUAREMOS AMANHÃ...
Nenhum comentário:
Postar um comentário