Por Charles Garrido
É sempre uma
alegria renovada, estar ao lado dos nossos diletos leitores, desejando a todos
um ano novo próspero, de muitas realizações e, sobretudo, cheio de saúde e paz
de espírito.
Em nossa
última postagem do decorrente, traremos o relato da cangaceira Sila, onde a
mesma nos contará como foi o angustiante momento de sua entrada para o cangaço.
Deixaremos a
análise das imagens, após lermos o texto, por gentileza.
"Já
estava tudo acertado, não tinha mais como fugir do meu destino. Zé Sereno havia
resolvido que eu ia ter que acompanhá-lo na vida do cangaço. Caso recusasse,
eles matariam todos os meus familiares. Não havia saída. Só tinha catorze anos,
era ingênua e inocente.
Chegou o momento e partimos em retirada. Me deram um chapéu, um bornal, um lenço e uma arma curta para defesa pessoal, mas eu não sabia atirar e nem havia tempo para aprender.
Passamos o dia todo caminhando.
Tinha uma mulher chamada Neném, que acompanhava o marido, Luís Pedro. Em princípio, iríamos nos encontrar com Lampião, apenas no dia seguinte. Essa era a única coisa boa que eu tinha em mente, pois queria conhecer aquele homem que todos temiam e admiravam ao mesmo tempo.
Continuávamos caminhando, eu só fazia chorar. Foi quando Neném, me chamou e disse:
- Menina, vá
se acostumando, você ainda irá chorar muito.
Esqueça seus irmãos, seus pais, seus amigos... pois sua família agora somos nós.
Continuamos
andando. Eu não entendia o porquê deles caminharem o tempo todo de orelha em pé
e, o último, cuidando de apagar o rastro dos outros.
Até que depois de tanto caminhar pelo mato, chegamos à uma casa, era final da tarde. Achávamos que estava tudo bem. Foi quando de repente, Luís Pedro chama Zé Sereno, e diz:
- Zé, aí tem
"moca"
Quando eu ia
perguntar o que diabo era "moca", não deu mais tempo, ouvi foi o
"pipocado" de bala.
Os macacos chegaram de supetão.
Eu, por ser nova no bando, não sabia o que fazer.
Já estava quase tudo escuro, não dava para enxergar direito e o barulho era ensurdecedor. A gente tinha que fugir e, só quando clareavam os tiros, era que conseguíamos dar alguns passos.
Havia uma cerca de arame nos fundos da casa, se conseguíssemos ultrapassá-la, estaríamos mais seguros. E assim tentamos. Porém, a minha mais nova amiga; Neném, quando foi tentar pular, levou um tiro e já caiu morta.
Meu Deus, nunca tinha visto ninguém morrer, ainda mais assim de um modo tão trágico. Não podíamos tentar socorrê-la, pois víamos que o caso era sem jeito. Quem ficasse, poderia morrer também. Todos os outros conseguiram escapar do tiroteio.
Luís Pedro estava desolado, desesperado.
Finalmente, o dia seguinte chega.
Eu não consegui pregar um olho sequer e, sabíamos que até o fim da tarde, iríamos encontrar Lampião e os demais cangaceiros.
No meio do caminho até o coito, encontramos três trabalhadores numa roça, eles não sabiam quem éramos nós, pois as roupas eram muito parecidas, tanto as das volantes, quanto as dos cangaceiros. Luís Pedro se aproximou deles e perguntou:
- Me digam uma
coisa, se vocês virem os cangaceiros por aqui, o quê irão fazer?
- Com certeza
iremos entregar à volante (disse um deles, ingenuamente)
- Vocês vão é
morrer . (Luís Pedro)
O cangaceiro,
revoltado e enfurecido com a perda da companheira, saca de seu parabélum e
impiedosamente mata os três sertanejos indefesos e inocentes à sangue frio. Foi
outra cena que jamais esqueci e era apenas o meu segundo dia na vida do
cangaço.
Seguimos
viagem.
No final da
tarde, finalmente chegamos onde estavam os outros. Não tinha como não saber
quem era o chefe. Um homem alto, magro, cheio de ouro, até o óculos brilhava.
Logo ele chegou até nós, e perguntou:
- Zé Sereno,
quem é essa menina?
- É Sila,
minha mulher (Zé Sereno).
- Mas ela
ainda é uma criança (Lampião).
- Com o tempo
ela se acostuma (Zé Sereno).
Lampião, como
já era de esperar, tratou logo de perguntar:
- Luís, cadê
Neném?
Luís Pedro,
que até então passara a maior parte da viagem calado, não suporta mais e
desabafa aos prantos, abraçado ao velho amigo:
- Lampião,
mataram a minha companheira.
Foi a primeira
vez que vi um "homem feito", chorar".
Caros
leitores, leiamos agora um pequeno trecho do depoimento do Sr. Renilson, cujo
qual, à época, ainda uma criança de apenas oito anos de idade, conversou com
Luiz Pedro, poucos minutos antes da morte de Neném, quando os cangaceiros
chegaram de surpresa na propriedade de seu pai, um fazendeiro bem sucedido na
região:
"Eu
estava no terreiro da casa e me lembro como se fosse hoje. De repente, chegou
um grupo de pessoas estranhas, que nunca tinha visto antes na vida. Eram
catorze no total, onze homens e três mulheres. Todos muito enfeitados e cheios
de ouro".
Um deles veio até mim e perguntou:
- Menino, cadê
seu pai?
* Está lá
dentro.
Ele, mais
quatro, foram logo entrando e eu segui atrás.
Quando meu pai viu os homens, tentou manter a calma e perguntou ao que estava a frente:
- Quem é o
senhor?
* Luiz Pedro,
cabra de Lampião.
Lembro demais
da feição do meu velho, que apesar do susto, tentou não demonstrar medo e, foi
logo dando as boas vindas:
- Os senhores
devem estar com fome. Vou mandar preparar almoço para todos, mas por favor, não façam nada com a minha família.
Luiz Pedro foi
muito educado e respondeu:
- O senhor
pode ficar tranquilo, não iremos mexer com ninguém, só queremos comida e água.
Outra cena que
jamais esquecerei, foi quando, mesmo dando garantia que não iriam nos fazer
mal, uma das moradoras da fazenda que foi servir a comida, na hora em que
chegou à sala e viu os homens todos fortemente armados, literalmente, urinou-se
na roupa. Aquilo foi um alvoroço só, ela ficou paralisada, sem conseguir dizer
uma só palavra. E por incrível que pareça, Luiz Pedro, em respeito ao momento
constrangedor, mandou que todos os homens se retirassem do recinto e, somente
após terem limpado o local e retirado a coitada, foi que todos retornaram para
almoçar.
No fim da tarde, meu avô tinha uma gramofone e resolveu colocar uma música. Nisso, dois cangaceiros, cada um segurando seus fuzis, começaram a dançar, fazendo de suas armas, respectivas damas.
Já estava chegando o final da tarde, o bando partiu em retirada.
Poucos minutos depois, ouvimos o mundo se acabando. Eles se encontraram com uma volante e, no tiroteio, a companheira de Luiz Pedro foi morta a tiros. Meu pai foi lá, horas após o ocorrido e, ainda chegou a ver o corpo dela que, no dia seguinte, foi exposto ao público, numa localidade chamada Mocambo".
Vamos à
análise das imagens, por gentileza:
1 – Neném e
Luiz Pedro.
2 – Sila e eu,
no ano de 1999, no município de Poço Redondo-SE.
3 e 4 – O Sr.
Renílson (hoje professor de matemática, aposentado) cedendo-nos uma memorável
entrevista, na casa do pesquisador Antônio Amaury, em São Paulo, no ano de
2014.
Amigos, vejam
que intrigante, Sila, quando citou sobre o triplo homicídio cometido por Luiz
Pedro, não somente eu estava presente, mas sim, vários outros colegas
pesquisadores e, ela foi bastante enfática em seu relato, inclusive, em nenhum
momento enalteceu a figura de seu companheiro (Zé Sereno) ou de si mesma.
Entretanto, o próprio pesquisador Antônio Amaury, nunca acreditou nesse fato. O
Sr. Renilson, certamente, seria a pessoa apropriada para nos dar mais
informações do acontecimento trágico.
Vejam o que
ele respondeu:
- Aquela
região era muito pequena, todo mundo se conhecia. Seria impossível acontecer um
triplo assassinato, sem que ninguém ficasse sabendo. Eu, hoje com oitenta e
seis anos, é a primeira vez que escuto falarem sobre isso.
Senhores,
permitam-me uma opinião pessoal, eu não vejo motivo algum para Sila ter
mentido. Percebam, era apenas o seu segundo dia no cangaço e, um fato dessa
natureza, não esquecemos jamais. A hospedei na minha casa em duas ocasiões e,
fiz a mesma pergunta sobre esse episódio, inúmeras vezes, para ver se ela
entrava em contradição e, posso garanti-los, a velha cangaceira nunca titubeou.
Sempre repetiu o mesmo relato de forma retilínea e fiel aos depoimentos
anteriores. Portanto, eu prefiro acreditar nela. Porém, repito, isso é apenas um
humilde parecer desse que vos escreve, fiquem à vontade para tirar suas
próprias conclusões.
Um grande
abraço a todos.
Feliz 2018!
Feliz 2018!
Charles
Garrido.
Pesquisador.
Fortaleza-CE.
Pesquisador.
Fortaleza-CE.
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