Tudo teve e
perdeu – dinheiro, um banco, poder… –, mas conservou, intacta, a simplicidade
que eu diria franciscana, não fora ele, Francisco Souto Filho, um devoto de
Santa Luzia, a padroeira de Mossoró, onde tem transcorrido toda a sua vida,
embora tenha passado os primeiros anos de sua infância em Areia Branca, terra
onde viu a luz pela primeira vez.
O que encanta
em Soutinho é o desprendimento e a adaptabilidade à circunstância, virtude que
é um dos nomes da inteligência e apanágio do filósofo que dialoga com a vida e
com as idéias, sem temê-las. Lúcido e ativo, aos oitenta e um anos continua
trabalhando todos os dias, em dois expedientes, com exceção do sábado, quando
atravessa a rua e vai assistir a missa das dez horas na catedral de Mossoró.
Aos domingos,
visita uma de suas propriedades rurais. Não fuma, não joga, não bebe. Sem nunca
jamais ter mudado a sua rotina, mesmo quando era banqueiro e tinha que
participar, em outros lugares, de reuniões e assembleias, continuou sempre o
mesmo, sem mais ou menos luxo, cônscio de que o homem precisa de pouco para
viver.
Seus maiores
gastos sempre foram feitos com os outros, e, de preferência, de maneira
discreta, sem espalhafato, para que a mão esquerda não soubesse o que a direita
estava fazendo, ao metê-la no bolso. Vou encontrá-lo um fim de tarde, num
feriado, sozinho em casa, vendo televisão.
Tudo muito
simples e quase ascético, como convém a um filósofo cuja filosofia é o
trabalho. O trabalho contínuo, rotineiro, produtivo, ao qual dedicou sempre,
desde muito jovem, suas melhores energias.
Hoje, após a
liquidação do seu banco, ele constata que a sua vida continua a mesma – sempre
feita de trabalho e paciência, de esperança e fé. Como se espera de um
intrépido lutador que se inclui entre os homens bons de Mossoró. Fico sabendo
que suas origens remontam a Campo Grande, da parte do seu pai – de quem herdou
o nome – e ao Piauí, de onde lhe veio o avô materno, da família Burlamaqui.
Seu pai e ele
próprio nasceram em Areia Branca, na Rua do Meio, entre a Rua da Frente e a Rua
de Trás, ou seja, geograficamente colocada entre os ricos e os pobres do lugar.
Embora
analfabeto e tendo começado a vida como carroceiro, seu pai amealhou uma
considerável fortuna e lhe deixou um banco ao morrer. O Banco Mossoró, que teve
agências em Ceará-Mirim, Natal, Recife e São Paulo. O único banco privado do
Rio Grande do Norte a expandir-se noutras praças.
Em Mossoró,
sempre morou à Praça Vigário Antonio Joaquim, nesta casa que estava sendo
construída quando seu pai morreu, não sem antes de lhe dar um conselho que ele
seguiu à risca, o de nunca ser candidato a nada e de manter-se equidistante da
política, embora a sua mulher – dona Edite Souto –, uma das Senadoras de
Mossoró, tenha sempre participado ativamente de campanhas eleitorais, financiando
candidaturas, até pouco tempo.
Vários nomes
proeminentes da política municipal e estadual, como o ex-governador Aluízio
Alves e a senadora Rosalba Ciarlini, se beneficiaram de sua generosidade. Seu
pai ainda lhe disse que, se quisesse abraçar a política, vendesse tudo o que
possuía, pois as duas atividades são incompatíveis; do contrário, perderia
tudo.
Naquele tempo,
lembra Soutinho, a política não era um negócio como hoje e ninguém ficava rico
com o mandato popular. Entrava-se então na política para servir à terra ou por
vaidade. Hoje está tudo mudado, reconhece. E, diante da corrupção que passou a
dominar a política, não sabe aonde o Brasil vai parar.
Só sabe
efetivamente que o mundo mudou. E não foi para melhor.
Franklin Jorge,
escritor e jornalista (franklinjorge@yahoo.com.br)
Categoria(s): Fred Mercury
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