Por Benedito Vasconcelos Mendes
Susana Goretti e esposo Benedito Vasconcelos Mendes
O Rio
Aracatiaçu passava na Fazenda Aracati, de propriedade do meu avô paterno.
É um rio totalmente cearense, intermitente, que desemboca no Oceano Atlântico,
no litoral semiárido do Ceará, nas proximidades do distrito de Moitas, no
município de Amontada, e que, na fazenda do meu avô, corria entre enormes
blocos de rochas graníticas. Era a única fonte de água para a referida fazenda.
No estio anual ( verão ), a água para beber e para o gasto da casa era tirada
de uma cacimba cavada na areia do leito seco deste rio e era trazida em
ancoretas de pau-branco, sobre cangalha, em lombo de jumento. Quando o rio
parava de correr, no final do período chuvoso, deixava, ao longo de seu curso,
extensos e profundos poços de água parada, que serviam para
dessedentar os animais, lavar roupa, pescaria e banho da pequena população
ribeirinha. Tomar banho e pescar no rio eram as minhas diversões preferidas.
Pescar piabas, em garrafa de litro transparente, com isca de farinha de mandioca
era meu passatempo diário. A pesca com anzol, utilizando isca de minhoca, e a
pesca com landuá, nas locas das rochas submersas, também faziam parte do
meu lazer. Os peixes mais pescados eram curimatã, piau, cangati, beiru, cascudo
e traíra. Para a pesca da traíra, usava-se na região um tipo singular de
armadilha, conhecida como choque. É um cercado circular, em forma de cone,
feito de finas varas de marmeleiro, amarradas, uma na outra, por
embira de entrecasca de sabiá, medindo, aproximadamente, 60 centímetros
de diâmetro por 40 centímetros de altura, com uma estreita boca redonda na
parte de cima, com cerca de 20 centímetros de diâmetro. A medida que a água ia
baixando na margem da Lagoa do Osso (lagoa que existia na Fazenda
Aracati) e na beira dos lagos formados no verão no leito do rio, as traíras
iam se enterrando na lama, ocasião em que se cercava (prendia) os peixes com
o choque e, depois, retirava-os com a mão, pela boca de cima. Minha avó
extraía a banha de traíra, para ser usada como remédio caseiro. Por
solicitação de minha avó, eu pegava também cágado e gia (rã grande e preta),
para ela retirar a banha, que servia de remédio na medicina caseira
regional. A carne de cágado e a de gia não eram consumidas, pois somente
a banha destes animais era usada como meizinha. O casco do cágado era muito
utilizado como recipiente, especialmente nas bodegas, para manusear grãos (milho, feijão e arroz ).
No período chuvoso (inverno), quando o rio tomava água, ficava
cheio, dando nado de barreira a barreira, os peixes nativos realizavam a
piracema, subindo o rio para se reproduzir. Quando as curimatãs ficavam ovadas,
elas se tornavam os peixes preferidos nas pescarias, pois a ova de
curimatã é uma iguaria saborosa e muito consumida pelos sertanejos. Nas
furnas de pedras submersas, com fundo de lama, tinha grande quantidade de
muçuns (peixe preto, em forma de cobra, sem nadadeiras e sem escamas,
que se tornava muito liso quando se pegava, devido ele secretar uma gosma). Na região, não se tinha o costume de pescá-lo. Durante o banho de rio, eu e meus amigos, filhos do vaqueiro Sales,
competíamos nos “pulos de ponta”, de cima dos grandes blocos de pedra, e quem
demorava mais tempo com a cabeça submersa na água. Praticávamos muitas outras
brincadeiras, como a de esconder uma pedra no fundo do rio, quem nadava mais
rápido, quem melhor pulava de ponta de cima da barreia e outras competições.
Em casa, eu tratava (retirava
as vísceras e as escamas) e salgava os peixes. As piabas eram fritadas,
em banha de porco, com as vísceras e escamas e depois consumidas, de mistura
com farinha de mandioca.
Enviado pelo professor, escritor, pesquisador do cangaço e gonzaguiano José Romero de Araújo Cardoso
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário