Seguidores

terça-feira, 27 de março de 2018

PESCARIA NO RIO ARACATIAÇU.

Por Benedito Vasconcelos Mendes
Susana Goretti e esposo Benedito Vasconcelos Mendes

O Rio Aracatiaçu passava na Fazenda Aracati, de propriedade do meu avô paterno. É um rio totalmente cearense, intermitente, que desemboca no Oceano Atlântico, no litoral semiárido do Ceará, nas proximidades do distrito  de Moitas, no município de Amontada, e que, na fazenda do meu avô, corria entre enormes blocos de rochas graníticas. Era a única fonte de água para a referida fazenda. No estio anual ( verão ), a água para beber e para o gasto da casa era tirada de uma cacimba cavada na areia do leito seco deste rio e era trazida em ancoretas de pau-branco, sobre cangalha, em lombo de jumento. Quando o rio parava de correr, no final do período chuvoso, deixava, ao longo de seu curso, extensos e  profundos poços de água parada,  que serviam para dessedentar os animais, lavar roupa, pescaria e banho da pequena população ribeirinha. Tomar banho e pescar no rio eram as minhas diversões preferidas. Pescar piabas,  em garrafa de litro transparente, com isca de farinha de mandioca era meu passatempo diário. A pesca com anzol, utilizando isca de minhoca, e a pesca com landuá, nas locas das rochas submersas,  também faziam parte do meu lazer. Os peixes mais pescados eram curimatã, piau, cangati, beiru, cascudo e traíra. Para a pesca da traíra, usava-se na região um tipo singular de armadilha, conhecida como choque. É um cercado circular, em forma de cone, feito  de finas varas de marmeleiro, amarradas, uma na outra, por embira  de entrecasca de sabiá, medindo, aproximadamente, 60 centímetros de diâmetro por 40 centímetros de altura, com uma estreita boca redonda na parte de cima, com cerca de 20 centímetros de diâmetro. A medida que a água ia baixando  na margem da  Lagoa do Osso (lagoa que existia na Fazenda Aracati) e na beira dos lagos formados no verão no leito do rio, as traíras iam se enterrando na lama, ocasião em que se cercava (prendia) os peixes com o choque e, depois,  retirava-os com a mão, pela boca de cima. Minha avó extraía a banha de  traíra, para ser usada como remédio caseiro. Por solicitação de minha avó, eu pegava também cágado e gia (rã grande e preta), para ela retirar a banha, que servia  de remédio na medicina caseira regional. A carne de cágado e a de gia não eram consumidas, pois somente  a banha destes animais era usada como meizinha. O casco do cágado era muito utilizado como recipiente, especialmente nas bodegas, para manusear grãos (milho, feijão e arroz ).      
                                                               
                                                                                 
No período chuvoso (inverno), quando o rio tomava água, ficava cheio, dando nado de barreira a barreira, os peixes nativos realizavam  a piracema, subindo o rio para se reproduzir. Quando as curimatãs ficavam ovadas, elas se tornavam os peixes preferidos nas pescarias, pois a ova  de curimatã é  uma iguaria saborosa e muito consumida pelos sertanejos. Nas furnas de pedras submersas, com fundo de lama, tinha grande quantidade de muçuns (peixe preto,  em forma de cobra, sem nadadeiras e sem escamas, que se tornava muito liso quando se pegava, devido  ele secretar uma gosma). Na região, não se tinha o costume de pescá-lo.                                                                                                                                                                                                            Durante o banho de rio, eu e meus amigos, filhos do vaqueiro Sales, competíamos nos “pulos de ponta”, de cima dos grandes blocos de pedra, e quem demorava mais tempo com a cabeça submersa na água. Praticávamos muitas outras brincadeiras, como a de esconder uma pedra no fundo do rio, quem nadava mais rápido, quem melhor pulava de ponta de cima da barreia e outras competições.                                                                                
Em casa, eu tratava (retirava  as vísceras e as  escamas) e salgava os peixes. As piabas eram fritadas, em banha de porco, com as vísceras e escamas e depois consumidas, de mistura com farinha de mandioca.

Enviado pelo professor, escritor, pesquisador do cangaço e gonzaguiano José Romero de Araújo Cardoso

http://blogdomendesemendes.blogspot.com

Nenhum comentário:

Postar um comentário