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sexta-feira, 12 de outubro de 2018

RESGATE E MEMÓRIA DO CANGAÇO

Página do Rubens Stone

- Extraído do Jornal de Pernambuco, edição do dia 29/07/1938, um dia após a morte de Lampião.

OS DESCENDENTES DO CRIME

MACEIÓ, 26 (Da Succursal do DIÁRIO DE PERNAMBUCO) - O Sr. Oswaldo Santos, da Associação Alagoana de Imprensa, communica-nos o seguinte:

"Da acção barbara, da sêde de sangue dos cangaceiros que infestam os sertões de Alagoas, vêm-se as mais desoladoras notícias.

Andam em grupos depredando, roubando, matando e fazem-se e fazem-se acompanhar por mulheres que também tomam parte nos crimes. É mister que muitas dessas mulheres dão a luz em plena catinga nos esconderijos, a filhos de seus maridos ou amasios. E como as creanças são um embaraço á vida errante, inquieta e ameaçada dos cangaceiros, estes encontraram como resolver o caso. Mandam deixar os filhos em casa de pessoas de destaque das cidades e villas ou propriedades agrícolas abastadas.

O portador da creança é também o portador de uma carta com o nome, idade, recommendando que o destinatário zele pela educação da creança e nos dizeres da carta vae sempre uma como ameaça na responsabilidade assumida pelo depositário.

Vê-se como são argutos esses scelerados, percebendo-se que em toda a sua hediondez, apparece sempre um signal de amor paternal. E esses descendentes de crimes poderão vir a ser, dias adeante, homens úteis á communhão social, de vez que convivem e se educam sob cuidados de pessoas de responsabilidade e que terão a preocupação de reformar a índole e o caracter das creanças mandadas entregar a varias pessoas:

Sylvio Hermano, filho do cangaceiro Corisco, entregue ao padre José Bulhões, vigario de Sant'Anna do Ipanema, que o educa carinhosamente e chega a dizer "que foi a melhor dadiva que já recebera".

Francisco de Salles, ao padre Dumuriez, vigario de Matta Grande.

Maria Celeste, irmã de Sylvio Hermano, ao agrcultor Sebastião Wanderley, em Poço das Trincheiras.

Maria Amalia e Maria Celeste, ao vigario de Pão de Assucar, padre Soares Pinto.

José Mariano, ao padre Manoel Firmino, ex-vigario de Matta Grande.

José Maria, ao dr. Nestor Selva, juis municipal de Matta Grande.

Santelmo, ao cel. Herculino Carvalho, em Maravilha.

Joaquim Manoel Calumby, filho do cangaceiro Moita Brava, ao dr. Manoel Candido, promotor de Agua Branca.

Maria de Lourdes, a José Oscar de Alencar, commerciante em Matta Grande.

Ainda para accentuar o pendor dos cangaceiros, transcrevemos, por copia, uma carta, acompanhando a creança que foi confiada ao revmo. vigario de Sant'Anna do Ipanema:

"Ilmo. exmo. sr. reverendíssimo vigario da Freguezia de Sant'Anna do Ipanema - Bulhões. 

Desejo que esta vá lhe encontrar gosando perfeita saúde e paz de espirito, a si com os que lhe forem caros.

Sr. Bulhões segue em companhia desta carta, este menino para o Sr. criar como seu filho, e educar da forma que puder. A madrinha é Nossa Senhora e o padrinho é o Sr. mesmo, peço ao bom vigario que crie este menino da melhor forma que puder o pae do menino sou eu Capitão Christino Gomes da Silva Cleto, conhecido por Corisco. A mãe do menino é Sergia Correia da Conceição, conhecida por Dadá. Outro assumpto cuidado com meu filho, sou o mesmo Capitão Corisco, Chefe do Grupo dos Grandes Cangaceiros".

É esta a vida dos cangaceiros que infesta o sertão de Alagôas, e sobre tudo isso meditem os homens do governo, os que têm o dever de defender a sociedade, interessando-se pelo sertão que, dia a dia mais se despovôa e mais empobrece".

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