Por José
Mendes Pereira
Saudoso Raimundo Feliciano
Meu amigo e
irmão Raimundo Feliciano:
Ainda recordo
como se fosse hoje numa manhã ensombrada pelas nuvens sem previsões de chuvas,
o dia em que a nossa diretora dona Caboclinha nos chamou em sua diretoria, e
nos comunicou que aquela boa vida que nós tínhamos antes, naquela Casa de
Menores Mário Negócio, havia chegado o fim, pois nós não tínhamos mais direito
de continuarmos como internos daquela instituição, alegando-nos a nossa
maioridade, por ser uma escola que abrigava alunos até que completasse 18 anos.
O mês era
novembro, o dia, se não me foge a memória, 26, mas o ano não tem como fugir da
minha memória, foi em 1970, e neste mesmo ano, havíamos terminado os nossos
sofrimentos no TG - Tiro de Guerra em Mossoró. Mas digo sofrimentos no bom
sentido, porque quem passa pelo TG, ficará preparado para enfrentar a vida como
ela é.
Aquela notícia
de imediato era como se a gente tivesse sido atingido por uma perversa
punhalada. O que era bom antes, agora seria difícil para procurarmos um lugar
seguro, onde nós pudéssemos conviver em família. Os que ali ficaram não sabiam
bem se o nosso amanhã iria nos dar alimentos ao redor de outros, que talvez
substituíssem as nossas amizades de antes.
Lembro-me que
a nossa convivência naquela casa seria até quarta-feira que se aproximava. Você
com seu jeito engraçado, apoderado daquele violão do Chico Pompilo, que com ele
fazíamos as nossas serenatas, pôs-se a cantar uma música de Roberto Carlos, a
qual estava sendo a mais tocada nas emissoras de rádio. "Não vou ficar".
https://www.youtube.com/watch?v=E-b-dVu-HZo&fbclid=IwAR0jhiGQ5LfgG9U9RtO2C7qvA1fW8M3xNB7upO8pA5HPUKaNx8FW7p_p4Z0
Após a nossa
saída de lá você tomou rumo aos seus familiares, e como sempre foi responsável,
trabalhou durante muitos anos com a família Negreiros, a qual tinha toda
confiança e respeito à sua pessoa, e pelo seu profissionalismo, só a deixando,
quando os Negreiros mais velhos partiram para a eternidade.
Assim como eu
você também foi um que passou pela Editora Comercial S/A. Sei que foi por pouco
tempo, porque a sua profissão não era manusear aquele quebra-cabeças, de juntar
letras por letras, para formar palavras ou conteúdos inteiros.
Eu não quis
voltar para os meus familiares porque de lá eu já tinha vindo, e a solução foi
me alojar no Sindicado da Lavoura de Mossoró, hospedagem adquirida pelo meu
pai, Pedro Nél Pereira, que era um dos membros da diretoria daquela instituição
sindical.
A primeira
noite em que dormi lá senti-me como se fosse um sujeito rejeitado por Deus,
pela sociedade, pelos amigos, sem pai, sem mãe e irmãos ao meu lado. Deitei-me
e fiquei a olhar o teto, imaginando o teto que eu havia deixado para trás,
seguro, com alimentação na hora certa, roupas e calçados se eu precisasse,
acompanhado de uma porção de amigos. Eu ali sentia uma solidão que só eu sabia.
Em alguns momentos, levantei-me, fui até à porta e fiquei observando os
transeuntes, que àquelas horas, ainda passavam para suas casas.
Eu, em
segredo, pelas rótulas da porta da frente, observava aquele movimento bastante
restrito de pessoas que se deslocavam, e de repente, vinha um senhor ocupando
toda a Rua Almirante Barroso, e em suas mãos, um objeto. Vi de imediato que era
um bêbado que conduzia um cabresto, talvez para recolher um dos seus animais.
As horas já se
passavam, mas eu não tinha a mínima ideia, o que os relógios da humanidade
marcavam naquele momento.
Lembrei-me da matriz de Nosso Senhora da Conceição, e resolvi sair fora, para ter ideia que horas o relógio da Igreja assinalava. E vi que os enormes ponteiros marcavam 2 horas da manhã. Retornei à rede e fiquei imaginando o que seria de mim no dia seguinte, onde eu iria tomar o primeiro café do dia, almoçar, e posteriormente o jantar. Mas finalmente, minutos depois, eu adormeci, só acordando quando Maria da Paz a assistente do dentista do sindicado (Dr. João Falcão) chegou para dar início aos seus trabalhos rotineiros.
Vivi dias e
noites difíceis, alimentando-me muito mal, e se eu almoçava (na Churrascaria do
Batista, na Alberto Maranhão com o cruzamento da Almirante Barroso), às vezes
eu não jantava, por falta de dinheiro; eu ainda não era gráfico profissional, e
ganhava muito pouco. Foram dias, meses tentando me adaptar a nova vida que eu
havia ganhado.
Neste período
de sofrimento eu era aluno do Ginásio Municipal, e que muitas vezes, frequentei
àquela escola sem jantar, mas nunca cheguei a nenhum dos meus amigos para
contar o que estava se passando comigo. E para amenizar um pouco a falta de
alimento em minha barriga, eu fumaça, fumaça, e feito isso, o que me maltratava
no momento, havia desaparecido, só retornando as mesmas crises horas depois.
Quando o meu
pai me visitava no meu local de trabalho especulava-me sobre o meu passadio, se
eu estava comendo todos os dias, se eu jantava, tomava café..., se eu estava
necessitando de roupas e calçados. Mas eu o deixava sossegado, em paz, sem
aperreios, para que ele, minha mãe e meus irmãos dormissem as noites inteiras
sossegados.
O meu pai
nunca fora rico apenas era um homem que tinha um bom chiqueiro de caprinos,
mais umas cabecinhas de bovinos. Ele sempre me dizia, que se eu estivesse
necessitando de alguma coisa para tanger a vida ele venderia alguns bichos
miúdos. Mas eu lhe dizia que eu estava muito bem, obrigado! Comia francamente,
todos os dias.
Devido a minha
situação difícil em alguns momentos pensei em retornar ao campo, voltar a viver
àquela vida de camponês, trabalhando na agricultura, nos carnaubais, acordar
três horas da madrugada para fazer empilhamentos das palhas das carnaubeiras,
cuidando das criações, campeando o minúsculo rebanho de gado que o meu pai
possuía, carregando água em ancoretas sobre o lombo de animais, ou sobre o meu
próprio ombro.
Mas me veio o
medo de passar por covarde, fraco, sem esperanças, desprovido de fé em Deus, e
depois de imaginar tudo isto, decidi-me, tentar valia a pena, desistir do
sofrimento não era uma boa opção. Que eu seguisse o caminho para ver aonde eu
iria chegar, do jeito que Deus havia determinado para mim.
Para tomar
intimidade com esta nova vida, levei muitos dias para me acostumar, e como
sempre Deus está perto de nós, felizmente, um funcionário que trabalhava comigo
na Editora Comercial, José Nogueira filho de Aldenor Nogueira resolveu ir morar
em Natal, e a partir daí, fiquei assumindo o seu lugar, e passei a ganhar de
igualdade com os outros profissionais.
Sofri muito,
mas tudo que passei valeu a pena. Estudei e sou formado pela Universidade
Regional do Rio Grande do Norte - FURRN, nos dias de hoje, UERN. Já estou
aposentado pela Secretaria de Educação e tenho quatro filhos, todos,
empregados, e tenho sete netos. Foi uma prova dada por Deus. Venci todos os
obstáculos que um ser humano tem que enfrentar para contar a sua história. Hoje
estou amparado pela divina graça do Deus todo poderoso.
Minhas Simples
Histórias
Se você não
gostou da minha historinha não diga a ninguém, deixe-me pegar outro.
Nenhum comentário:
Postar um comentário