Por Sálvio Siqueira
Após o embate entre o bando de Lampião e a Força Volante comandada pelo tenente Arsênio Alves de Souza, na Lagoa do Mel no qual tomba o terceiro irmão do “Rei dos Cangaceiros”, Ezequiel Ferreira, segundo alguns autores, já alguns pesquisadores e estudiosos acham que trata-se de mais uma ‘tramóia’ do chefe cangaceiro pernambucano, conhecido pela alcunha de ‘Ponto Fino’, dá-se uma quantidade enorme de mortes violentas, torturas e muito sangue na vasta área que compunha os municípios das cidades de Jeremoabo e Santo Antônio da Glória, no Estado baiano, em forma de represália e vingança.
O cangaceiro Corisco, chefe de um dos subgrupos do bando de Lampião, retorna para o esconderijo, acampamento ou coito, como queiram, onde tinha deixado sua amada, a cangaceira Dadá, sob os cuidados dos ‘cabras’ Baliza’ e ‘Mourão’, mais a cangaceira Rita.
Dadá ao ver as condições em que se encontrava seu amado, chega a pensar que ela estivesse tomado um tiro, tamanha era a quantidade de sangue que tinha em suas roupas. Porém, nada disso tinha acontecido. Era o sangue das vítimas que eles fizeram. Após esses acontecimentos, os cangaceiros resolvem adentrarem no grande Raso da Catarina, pois eram cientes da represália que sofreriam, numa grande caçada humana, por parte da Força Pública.
Logo após a Revolução de 1930, já em 1931, o governo revolucionário toma uma decisão notadamente para prevenir-se de uma eventual reação por parte da população contra ele e implanta o desarmamento. Essa é uma medida, e um fato histórico, que todo governo quando quer deixar a população inerte, a sua mercê, toma. Desarmada a população, ela fica sem condições de qualquer levante contra o que o governo queira fazer contra os cidadãos da Nação. Em contra partida, os civis desarmados, facilitou as ações dos grupos de cangaceiros agindo nos sertões nordestinos.
Depois de um longo tempo acoitados no Raso da Catarina, os cangaceiros resolvem voltar a ativa. ‘Aprontam’ em várias frentes ao mesmo tempo, um dos motivos da divisão do grande bando em pequenos grupos feito pelo “Rei do Cangaço”, denominados de subgrupos, deixando a Força combatente desnorteada, sem saber, na verdade, onde estariam com certeza. A coisa fica tão espalhada, que alguns catingueiros pensando em arrecadar dinheiro ‘fácil’, inventam de passarem por chefes de subgrupos, inclusive por Corisco, como foi o caso do senhor Manoel Inácio, preso pelo comandante de volante tenente Agnaldo Celestino, agindo descaradamente em terras sergipanas. Corisco e seus homens tomam um rumo diferente dos demais, roubando, extorquindo e recebendo resgates por suas vítimas.
Há muito tempo atrás, Cristino Gomes, futuro cangaceiro Corisco, o “Diabo Louro”, tinha sido preso por um cidadão, Herculano Borges de Sales, na povoação de Santa Rosa de Lima, território baiano, que exercia o cargo de subdelegado nessa localidade. Sentindo-se humilhado pelo então subdelegado, Cristino Gomes da Silva Cleto, jura um dia vingar-se daquela ação. Sabedor do paradeiro de Herculano, Corisco chama dez homens e faz uma longa caminhada até as terras que circundam o, então, Distrito de Santa Rosa de Lima, município de Jaguarari, BA, para cumprir sua promessa.
Sem poderem-se mostrarem-se as pessoas, os cangaceiros passavam a maior parte do tempo escondidos nas moitas, vendo-as, porém, sem deixar serem notados. Após uma noite de descanso, estavam os cangaceiros nas terras da fazenda Bom Despacho, entocados. O local que eles estavam era nas margens do leito de um riacho, ou um rio, temporário onde o proprietário tinha cavado uma cacimba, poço, para retirarem o líquido precioso e darem de beber aos animais e outras serventias.
Pois bem, lá pelo meado da tarde, próximo a essa cacimba, chegam dois homens, almocreves, param a burrarada em cima da barreira e começam a aprontá-los para que bebessem. Pegando algumas ‘moringas’, um deles desce a barreira e vai até junta da água da cacimba. O que ficou com os animais, de repente se ver cercado por um bando de cangaceiros. Antes de escolher aquele determinado local, Corisco, tendo ido ao povoado, estava ciente de que Herculano não mais exercia a profissão de subdelegado, e sim de comerciante e almocreve. Conhecedor do terreno em volta, sabia o alagoano que era até uma obrigação de quem viajava com animais, parar naquele ponto para dar de beber aos mesmos. Só que nunca imaginaria que um empregado do seu inimigo seria a primeira pessoa a aparecer. Após colocarem o prisioneiro em frente do chefe, esse começa a ‘interrogar’ o cidadão.
Sem nada saber, Higino o ajudante de Herculano, e mesmo se soubesse não dava mais para esconder, diz para Corisco que trabalhava para ‘Herculano Borges’ e que o mesmo estava enchendo uns objetos com água para levarem nos lombos dos burros.
“(...) Corisco não consegue esconder a satisfação em ter ouvido aquele nome. Finalmente chega a hora da desforra. Herculano Borges! – O homem que, em seu entender, um dia lhe submetera a maus-tratos e a uma prisão desnecessária, está ali, ao alcance da mão (...).” (“Corisco – A Sombra de Lampião” – DANTAS, Sérgio Augusto de Souza. 1ª Edição. Natal, RN, 2015)
O “Diabo Louro” dá ordem para que alguns dos cangaceiros desçam, prendam e tragam o homem. Imediatamente os ‘cabras’ cumprem a ordem e, em poucos instantes, Herculano Borges de Sales, ex - subdelegado, está diante de um dos homens mais cruéis que passou pelas ‘veredas’ do Cangaço. Conhecedor dos fatos que circulavam sobre o cangaceiro que estava em sua frente, com certeza, Herculano sabia sua sina.
A cabroeira pega sua vítima e logo a arrastam-na para um local mais distante da cacimba, para dentro do mato, e a amarram em um pé de aroeira, planta nativa da caatinga. Em seguida, eles vão até onde estavam os animais e os retiram de onde estavam, escondendo-os.
Após ser amarrado, Herculano olha para Corisco e nada escuta dele. Apenas sente o olhar duro, frio, a lhe fitar, parecendo estar vendo sua alma. Assim as horas vão se passando e a angustia do ex - subdelegado aumentando, e permanecem até quando as primeiras sombras da noite começa a envolver o sertão baiano com seu negro manto.
Naquele momento silencioso, no fim de um ocaso, a voz do chefe cangaceiro ecoa mais forte do que de costume.
“- Vosmicê não está lembrado de mim não, cabra ordinário? Vosmicê não lembra que um dia eu quis viver sossegado e por conta de uma besteira você não quis deixar? Está lembrando agora? O que é que um homem deve fazer com um safado como você, Herculano?” (Ob. Ct.)
Quanto mais Corisco fala, mais o prisioneiro fica calado e assombrado. Corisco continua com seu terrorismo, vendo que sua vítima ficava, a cada instante, mais amedrontada.
Herculano, como qualquer outra pessoa, vendo que sua vida está prestes a terminar, a ter um fim antecipado, só ver uma saída, tentar justificar sua ação em tempos passados, dizendo:
“- Mas eu era delegado. Tinha que cumprir as ordens!
- Que ordem, que nada! Eu bem que podia deixar passar, mas não deixo! Eu jurei me vingar e graças a Deus o dia chegou! (diz Corisco) (Ob. Ct.)
O chefe cangaceiro não arreda um centímetro da sua decisão. O prisioneiro faz outras argumentações, como se morrer deixará os filhos órfãos e até uma quantia em dinheiro ofereceu por sua vida. Porém, Corisco não muda em nada em executar a sua vingança. Em tanto ouvi-lo suplicar, Corisco resolveu fazer com Herculano, aquilo que, segundo ele, o subdelegado não fez.
“(...) Olhe, Herculano, eu vou ser homem como vosmicê não foi. Não vou lhe matar agora. Antes, vou deixar vosmicê escrever um bilhete prá modo de se despedir de sua mulher e dos seus filhos. A mim, eles nada devem. Não tenho nada contra ele. Meu negócio é só com você(...).” (Ob.Ct.)
Corisco sempre andava com papel e lápis no bornal, era necessário para escrever os famosos ‘bilhetes’ de extorsão. Pegando-os, entrega-os ao prisioneiro, o qual já estava desamarrado, para que ele faça sua missiva de ‘despedida’ para a família. Após terminar sua escrita, Herculano a entrega ao cangaceiro que manda que tragam seu empregado, Higino, e determina que esse vá, suma-se dali, e leve aquele bilhete para a esposa do ex-subdelegado. Higino, mesmo sendo ainda madrugada, com pouca ou sem nenhuma claridade, sai numa carreira que nem bala o alcançava.
Corisco então ordena que seus homens amarrem novamente o prisioneiro, só que, dessa vez, de cabeça para baixo, pelos tornozelos, sendo que esses ficassem distantes um dos outro, ou seja, de pernas abertas, e suas mãos fossem amarradas em troncos, ou tornos, rentes ao solo.
Em seguida a ‘sessão de tortura’ inicia-se. Os cangaceiros pegam seus punhais e começam a perfurar o corpo do pobre infeliz. Perfuram tanto, que o torturado implora para que o matem de uma vez.
Alguns autores, nesse trecho do ocorrido, colocam em suas entrelinhas, que o chefe de subgrupo começa a retirar a pele, couro, em tiras do corpo de Herculano, ele ainda vivo. Seguimos, então, com a obra pesquisada, onde após essa sessão de torturas, e tendo escutado Herculano implorar pela morte, Corisco atira no peito do mesmo, que, após estrebuchar um pouco, morre. Depois da execução, Corisco deixa que seus ‘meninos’ se divirtam, profanem, e lacerem o corpo do ex - subdelegado.
Após desamarrarem o corpo inerte do prisioneiro, os cangaceiros retiram tiras da pele do mesmo como se estivessem retirando o couro de um bode. Com os facões, eles o ‘dividem’, partem, em várias partes.
“ – Juntem esses pedaços, porque quero deixar eles no curral da fazenda Bom despacho, para o povo ver quem é Corisco e o que ele faz com gente que não presta.” (Ob. Ct.)
Assim foi feito. A caterva junta às partes do corpo de Herculano Borges e os leva até a sede da fazenda. Lá, um cangaceiro adianta-se e, chamando o proprietário, o sr. Quinto Evangelista, diz que Corisco está ali e quer falar-lhe. O dono da fazenda atende ao chamado imediatamente, e escuta do chefe cangaceiro a seguinte ordem:
“- Isso vai ficar aí uns dias como ‘de comer’ para urubu, tá ouvindo? Lá prá sábado o senhor enterra onde o senhor quiser. Mas não enterre antes disso, senão venho aqui acertar as contas.” (Ob.Ct.)
O senhor Quinto tinha um filho, que no momento estava com o pai, e os dois veem os cangaceiros, um a um, colocando partes do corpo de Herculano na ponta das varas e estacas da cerca, sendo que a cabeça fora colocada em um mourão.
Segundo outro cangaceiro, o Volta Seca, que não estava no local, mas disse ter escutado alguns ‘cabras’ dizerem:
“- ‘terminada a tarefa, o local ficou semelhante a um matadouro e Corisco andou pendurando os membros e órgãos de Herculano pelas árvores vizinhas.” (Ob. Ct.)
Oficiais da Força Baiana também deram seu parecer, achar, daquela morte cruel praticada por Corisco. Anos depois do ocorrido, o oficial Felipe de Castro referiu sobre a barbárie, o seguinte:
“Não há em toda essa história, ao longo de doze anos desenrolada nos nordeste da Bahia, outro fato praticado pelos cangaceiros chefiados por lampião, cuja execução se revestisse de maior e mais cruel brutalidade”(Ob.Ct.)
Sabedor da horrenda notícia da morte de Herculano, o Interventor baiano, na ocasião, Juracy Magalhães, faz um relatório detalhado, e envia-o ao Presidente da República, Getúlio Vargas.
Grande repercussão tem esse fato ocorrido no sertão baiano em todo Nordeste. As autoridades, a imprensa e a população pedem as autoridades melhores, eficientes e eficazes providências da parte delas. Porém, como de outras vezes, as coisas vão novamente sendo jogadas para ‘baixo do tapete’, e as vítimas voltam a perecerem sub as pontas agudas dos punhas dos cangaceiros.
Fonte “Corisco – A Sombra de Lampião” – DANTAS, Sérgio Augusto de Souza. 1ª Edição. Natal, RN, 2015
Foto Benjamim Abrahão
Ob. Ct.
Foto Benjamim Abrahão
Ob. Ct.
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