Por Marina Pinhoni, G1 SP — São Paulo - 27/07/2019
Único
integrante vivo da formação original da Banda de Pífanos de Caruaru, Biano teve
música gravada por Gilberto Gil e influenciou a Tropicália. Show com
participação de Zeca Baleiro será neste sábado (27) no Sesc Pompeia.
“Você toca o
meu toque?”, perguntou Lampião para um menino que segurava trêmulo um
pífano, na década de 20, no sertão de Pernambuco. A criança era Sebastião
Biano, que não só tocou a música “de ouvido”, como impressionou com seu talento
o cangaceiro mais temido do Brasil. Hoje
aos cem anos de idade, Seu Biano continua tocando o instrumento com a mesma
maestria com que conta suas muitas histórias. Sem pensar em aposentadoria, ele
participará de dois shows em São Paulo neste final de semana em comemoração ao
centenário.
Sebastião
Biano é único integrante vivo da formação original da Banda de Pífanos de
Caruaru, que influenciou movimentos como a Tropicália e o Manguebeat. Apelidado
por Gilberto Gil de
“Beatles de Caruaru”, o grupo também ganhou um Grammy Latino em 2004.
Em 1972, Gil
gravou com a banda uma música de autoria de Sebastião chamada “Pipoca
Moderna”, que posteriormente ganhou letra de Caetano Veloso.
Também tocaram com eles Luiz Gonzaga, Jackson do Pandeiro, Geraldo Azevedo e
outros grandes nomes.
“O Sebastião é
uma peça rara, um patrimônio vivo da cultura brasileira e da música. Ele
continua passando seus conhecimentos, celebrando a vida. Isso é muito
inspirador”, diz Junior Kaboclo, integrante da quarta geração da Banda de
Pífanos de Caruaru.
Quem ouve Seu Biano
alcançando diferentes escalas e brincando com as notas, não imagina que ele não
teve estudo musical formal algum. Autodidata, aprendeu a tocar aos cinco anos
de idade enquanto ajudava seu pai na roça junto com o irmão em Mata Grande, no
Sertão de Alagoas onde nasceu.
“Quem me
ensinou a tocar foi nosso pai [Deus]. Não teve mestre para mim de jeito nenhum.
Mas teve o começo. Meu pai me levou para a roça junto com meu irmão. A gente ia
para casa tocando uns 'caninhos' da flor de jerimum. Saía aquele 'apitozinho'
tão engraçado, coisa de criança mesmo. Ele vendo aquilo falou: ‘se vocês fazem
um som desse num pedacinho de folha desse 'tamainho', no ´pife´ o que não vão
fazer?”, lembra Sebastião.
Sebastião
Biano e Junior Kaboclo tocam pífanos — Foto: Fábio Tito/G1
O que é pife?
Espécie de
flauta transversal, o pífano é um instrumento de sopro que pode ser fabricado
de diferentes materiais. No Nordeste, geralmente é feito a partir da madeira de
bambu e usado em bandas tradicionais acompanhado da percussão do bumbo e
zabumba.
“O nome dele
certo mesmo no Nordeste é ‘pife’. Agora a imprensa achou mais nome para botar
aqui neste instrumento. Colocou ‘pífaro’ ou ‘pífano’. Mas o certo é ‘pife’,
quatro letrinhas só”, diz Sebastião.
Depois que
ganhou o primeiro de seu pai, Manuel Biano, Sebastião começou também a
fabricar o pife. “Eu sou caprichoso, faço um instrumento desse dar certinho com
a flauta da fábrica. E olha que meu pife ganha no tom. É mais alto”, afirma
rindo.
Se hoje Seu
Biano não consegue mais entrar na mata para procurar “a taboca boa que só nasce
em terra de brejo”, ele continua usando a mesma criatividade de criança com o
jerimum. Teve a ideia de transformar o cano da própria bengala em um pife, que
usará em uma parte do show em São Paulo.
A madrugada é
a hora preferida de Sebastião para compor as músicas que ele diz que “já vêm
prontas” na sua cabeça. “De 4h a 6h tem essa bondade para o artista. Vem todo
tipo de música no seu ouvido. Mas não pode dormir senão perde”, afirma.
A inspiração
também vem dos sons da natureza. “A carreira de um animal, o compasso do som
chocalho no pescoço, tudo inspira música”, diz.
O toque para
Lampião
Retirante da
seca, a família Biano se mudou de Alagoas para os arredores de Caruaru, em
Pernambuco, onde se estabeleceu por muitos anos. Foi lá que Manuel Biano, que
também era lavrador e vaqueiro, criou a primeira formação da banda de pífanos
junto com os dois filhos pequenos.
Nessa época
ocorreu o encontro da família com Virgulino Ferreira, o Lampião. Sebastião
conta que o cangaceiro tinha ido pagar uma promessa durante a celebração da
novena e encontrou as crianças sentadas em um banco com os instrumentos na mão.
“Ele apareceu
de dentro da mata com 50 cangaceiros para chegar na igreja. A gente já tava
todo molhado. Eram três meninos e meu pai, que era o único homem formado que
tinha na banda. Ninguém falava nada, a língua ficou enrolada dentro da boca de
medo. A gente já tinha medo de Lampião quando estava a 10 léguas de distância,
imagina pertinho assim”, diz.
Segundo
Sebastião, Lampião então pediu que os garotos tocassem a música do seu bando.
“’Vocês são tocador, né? Vocês sabem tocar meu toque?’”.
“Deus ajudou,
até que acertemos os dedos na nota do pife, porque parecia que não tinha buraco
nenhum. O medo é fogo. Mas aí toquemos. Quando parou, Lampião disse assim para
os dois capangas: ‘Vocês tão vendo esses meninos como é que tocam? E vocês,
dois cavalões desses, não tocam piroca nenhuma’. Ele deu valor. Foi a palavra
que ele disse. Até hoje está guardada na minha cabeça”, conta Seu Biano.
Sebastião
Biano mostra o Grammy Latino que ganhou em 2004 com a Banda de Pífanos de
Caruaru — Foto: Fábio Tito/G1
Homenagens aos
cem anos
Depois de construir
carreira no Nordeste junto com a banda da família, Sebastião se mudou para a
cidade de São Paulo ainda nos anos 70. Hoje vive com uma de suas filhas – dos
16 que teve – em Suzano, na Grande São Paulo.
Como parte das
comemorações do centenário, Seu Biano voltou a Caruaru no dia do seu
aniversário, em 23 de junho, para receber
uma homenagem na tradicional festa de São João do município. Três anos
antes já havia recebido o título de "Cidadão Caruaruense".
“Foi bonito,
viu? Foi uma festa que nunca tinha visto daquele jeito. Eles pediram que eu
fosse fazer meu aniversário em Caruaru. Porque meu pai é enterrado lá, também
meu irmão. E talvez, quando eu falecer, eu vá para lá de novo”, diz.
Mas se
depender dele, esse dia ainda vai demorar. “Cem anos não são cem dias. É um
bocadinho de chão. Mas Deus vai me dar muito mais do que isso ainda”, afirma.
Shows no Sesc
Pompeia
As apresentações
da Banda de Pífanos de Caruaru em comemoração ao centenário de Sebastião Biano
acontecerão no sábado (27) e no domingo (28) no Sesc Pompeia, na Zona Oeste de
São Paulo. O ator Gero Camilo estará no palco, nos dois dias, interpretando
“causos” de Seu Biano. No sábado, o show terá participação de Zeca Baleiro. No
domingo, da banda A Barca.
Data: Sábado
(27) às 21h. Domingo (28) às 18h
Local: Sesc Pompeia - R. Clélia, 93 - Água Branca, São Paulo
Ingressos: De R$ 9 a R$ 30
Mais informações: site do Sesc Pompeia
Local: Sesc Pompeia - R. Clélia, 93 - Água Branca, São Paulo
Ingressos: De R$ 9 a R$ 30
Mais informações: site do Sesc Pompeia
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