*Rangel Alves da Costa
Um relato angustiante, certamente. Uma realidade – ou ficção, se assim desejem – mas tão presente no cotidiano de muita gente, senão de todos. Quem já não sofreu perante o leito de um parente enfermo?
Quem nunca experimentou a dor de sofrer o mesmo sofrimento do outro, mas ainda assim buscar forças inexplicáveis para “fingir” o que sente e, assim, fazer da ilusão um meio de abrandamento da angústia do enfermo. E muitas vezes já em estágio terminal.
A pessoa doente, em enfermidade profunda, e então o outro se aproxima como se ali estivesse para um abraço de alegria. A aparência engana o que o coração não pode esconder. A boca quer sorrir, mas os olhos querem chorar. Quer demonstrar calma, força, até alegria, mas tudo vai se dobrando ao sofrimento.
Parecendo o cenário da pintura “A Menina Doente”, de Edvard Munch, onde uma mãe está sentada ao lado de sua filha enferma, zelando pelos seus últimos instantes de vida.
Na pintura, as faces esmaecidas da menina, num tormento de fim de vida, enquanto sua mãe pranteia internamente a sua dor. Uma representação triste, comovente e demasiadamente realista.
Desta feita, também um parente zelando pelos últimos momentos de um ser amado. Uma filha e uma mãe. Uma filha sofrendo a mesma dor da mãe, e uma mãe já sem forças para esboçar qualquer reação, senão através de palavras:
“Não chore assim, minha filha. Não chore que vou melhorar...”.
“Mas não estou chorando, mãe, não estou chorando. Só estou um pouco entristecida por tanto sofrimento que a senhora está passando e nada dessa doença ir embora...”.
“Oh filha, suas lágrimas chegam a cair sobre minha face...”.
“Aqui está muito quente e estou suada. Deve ser apenas isso. Deve ser apenas o suor respingando sobre a senhora...”.
“Já não tenho a idade das ilusões, minha filha. Lágrimas são lágrimas, respingos são respingos...”.
“Tá bem, minha mãe, tá bem. Não vou mais chorar. É que sofro tanto ao ver a senhora assim. Dia após dia e a senhora sem ter diminuição nessa febre, nessas dores...”.
“Oh filha, os tempos também chegam. As folhas perdem o viço e se vão com a ventania...”.
“Não fale assim, minha mãe. Por favor, não fale assim. A senhora vai logo ficar bem. E não demora muito e faremos uma viagem maravilhosa...”.
“Viagem, viagem, é o que eu farei minha filha. O vento sopra, tudo em açoite. E logo virá a ventania...”.
“Tome aqui esse remédio. Já está na hora. E, por favor, não fale mais nessas coisas de vento, de ventania. Tudo isso me entristece e sei que a senhora vai ficar logo boa...”.
“Lembra-se de quantos dias, semanas e meses, que eu venho tomando esses remédios sem parar. Qual foi a melhora que eu tive?...”.
“Mas eu sinto melhoras sim. Talvez a senhora nem perceba, mas suas faces ficam mais cheias de vida e sua disposição aumenta quando toma os remédios...”.
“Sei que tudo faz para me encorajar, para fazer com que eu penso que estou melhorando. Mas também sei que os remédios não fazem mais qualquer efeito...”.
“Oh minha mãe, não diga assim. O médico mesmo veio aqui, examinou a senhora, prescreveu os mesmos remédios e disse que a senhora logo vai ficar curada...”.
“Está ouvindo, minha filha, está ouvindo?...”.
“O que minha mãe, ouvindo o que? Ouço apenas o cortinado se balançando pelo vento que bate de vez em quando. Apenas isso. Agora tente dormir um pouquinho...”.
“Não. É a ventania. Ouça!...”.
“Não se preocupe. Vou fechar a janela e ajeitar as cortinas. Não haverá mais nenhum barulho e a senhora não ouvirá mais qualquer som...”.
“Deixe-me apertar sua mão. Dê-me a mão, minha filha. Aperte bem a minha mão...”.
“Por que?”.
“Sou apenas uma folha. O outono chegou. Já não tenho forças para mais nada. Sinto a ventania, sinto a ventania. Estou sendo levada, minha filha...”.
“Não diga isso. A senhora ainda será primavera e a beleza de sua flor...”.
“Filha minha... O vento vem, vai chegando a ventania. Já não me sustento em nada. Que não me leve distante na triste folha que sou. Filha minha, já vou...
“Mãe, mãe?...”.
Nenhuma palavra mais. Nenhum suspiro. O outono havia chegado. A ventania havia levado. Um silêncio profundo. Um grito de dor que vai se soltando das amarras do silencio forçado para se soltar. E que agonia...
Parece aquela cena retratada por Munch. Mas o pintor retratou uma realidade. No quadro, a doente era sua irmã. Sua mãe aquela que sofria ao lado. A pintura não tem voz. Mas a tudo ouvimos e sentimos.
Os leitos enfermos são como folhas secas que vão esperando outonos. As lágrimas ao lado tudo fazem para reanimar e novamente chamar o viço do viver.
E quando a mão se desprende, quando se solta da outra, então a ventania perfaz seu destino. Na folha seca da face, a morte.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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